quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

A BASE DAS TRAGÉDIAS

Que tal aspirar um aroma fantástico na  Barra do Acarau?


                Não consigo omitir a responsabilidade dos poderes constituídos na quase totalidade das tragédias. Podemos começar do nosso quintal (Ubatuba) e avançar pelos rincões afora.
                Como assim? Explico, lógico que explico!
                Até 1980 lembro-me muito bem da seriedade em muitas coisas. Só para pegar um primeiro exemplo, estando concluindo a obra da nossa casa, “uma planta popular”, no bairro da Estufa II, após fazermos a fossa, disse ao meu pai que a tampa de concreto estava devidamente seca e já poderia ser colocada no lugar permanente dela. Ele respondeu que ainda não; era preciso esperar  alguém  da prefeitura, o responsável pela fiscalização de fossas. Não demorou muito para aparecer o finado João Bordini a olhar tudo, fazer algumas perguntas e liberar a conclusão: “Pode chumbar a tampa”.
                Pouco tempo depois, novamente sobre um começo de valetas para um alicerce, lá veio um homem segurando uma maleta preta. Era o João Batista, da Pedra Branca, na Praia da  Enseada. Como fiscal de obras da prefeitura foi logo perguntando a respeito da placa do engenheiro responsável pelo projeto. Ao lhe dizer que ela estava ainda no barraco, junto das ferramentas e cimento, foi incisivo na colocação imediata num local bem visível. E esperou que eu pregasse, na parede do barraco, a identificação deixada pela engenheira Patrícia Patural.
                Agora, ao passar por obras descaradamente sendo feitas sem nenhuma identificação, posso deduzir que os administradores e legisladores contemporâneos nem imaginam que existiu a função do saudoso João Bordini. Assim, esgotos seguem diretos aos córregos e rios, sujam as nossas praias, com a Cetesb e a Sabesp fazendo “vista grossa” aos abusos contra o nosso meio ambiente, produzindo propagandas de coisas bem distantes, de Onda Limpa, etc; Casas surgem em qualquer lugar, sem respeitar nenhum solo ou regras de civilidade. A propósito: você sabe que as várias dezenas de casas localizadas acima da captação de água, no “Pé-da-Serra”, não têm rede de esgoto nem em sonho?
 Depois... após acontecer as tragédias... aqui e por tantos outros lugares... ninguém mostra os verdadeiros culpados, aqueles que se omitem em seus deveres porque está “ganhando um agrado” ou já está de olho nas próximas eleições. Ou ainda: está devendo “ um favor” pelo cargo devidamente mantido pelo suor dos trabalhadores. Entendi melhor isso depois que encontrei um ex-fiscal sanitário sendo proprietário de uma quadra inteira num loteamento periférico. Era um “honrado cidadão” que, a cada “vistoria rigorosa”, deixava os estabelecimentos carregado de “presentes” (peças inteiras de presunto e queijo, pacotes de cigarros, bebidas finas etc.). Será que isso ainda continua assim?
As tragédias continuarão acontecendo. Depois não me digam que “precisamos de luz forte e não de simples vaga-lume”, de muitas e árduas investigações para podermos enxergar os responsáveis dessas tragédias! O pior: é nosso dinheiro que está patrocinando eles!

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

VEM DA PROSA DO DITINHO RICARDO


Seja bem-vindo, Chico Abelha! Eis o pescador Leopoldo Louzada. (Arquivo  Camaroeiro)

                Quando criança, além do Totô, na praia do Sapê, quem cortava os nossos cabelos era o Ditinho Ricardo, um primo do meu pai, da praia do Pulso, que migrara para Caraguatatuba no tempo da Fazenda  São Sebastião, a “fazenda dos ingleses” às margens do rio Juqueriquerê, na estrada que vai para a cidade de São Sebastião.
                A Barbearia do Ditinho era quase atrás da rodoviária velha de Caraguá, na “praça da praia”. Coisa comum em "salão de tesoura e de navalha" é saber de tudo, escutar causos e histórias bem interessantes. Foi onde aprendi a respeito de alguns dos meus que deixaram a região da Caçandoca para buscar trabalho com os ingleses. “Eu não me arrependo” – dizia o parente enquanto acertava cabelos e barbas – “Aprendi muito, consegui guardar um dinheirinho para começar o meu negócio. Lá tinha de tudo que  se precisasse. Só que tinha que trabalhar mesmo! Bem dizer toda semana tinha embarque de banana, de laranja e mais coisa. Foi uma pena que acabou tudo aquilo dali por ocasião da enchente [1967]”.
                No início da década de 1990, participando de um curso em Educação Ambiental, fiquei hospedado no bairro do Tinga, com visitas monitoradas em diversas áreas da restinga, na orla de Caraguá. Aproveitei da ocasião para ver o que restava das instalações da Fazenda dos Ingleses, sobretudo  os atracadouros nas imediações da ponte do Porto Novo, o New Port de outras décadas. Achei impressionante tudo aquilo! Vislumbrei o que teria sido tudo aquilo em funcionamento.
                Na mesma época do referido curso, passando em Caraguá com a amiga Priscila, fizemos uma breve visita ao seu avô Marino Garrido. Entabulando uma gostosa prosa, fiquei sabendo que ele também foi funcionário dos ingleses. Melhor: até escreveu um livro a respeito da fazenda. Outro idoso que estava na casa do Garrido era Tibiriçá Pimenta,  ex-prefeito de Caraguatatuba e descendente da Fazenda Poço Verde, na praia da Mococa. Me amarrei nos dois e não fiz nenhum esforço para as horas de prosa que se seguiram. Nem percebi o serão. Também a Priscila aceitou muito bem o longo tempo que ficamos na casa do vô.
                Resumindo: Ditinho Ricardo, Garrido e Tibiriçá Pimenta me ensinaram muito sobre a tal fazenda. Agora, o amigo Jorge, com outro presente para mim – o livro Uma fazenda inglesa no universo caiçara, de Glória Kok – mostra em detalhes a dinâmica do empreendedorismo inglês. Desde a sua organização (departamentos: bananicultura, citricultura, gerência, tráfego ou transporte, contabilidade, mecânica, almoxarifado, engenharia, marítimo, sanitário, farmácia, armazéns e carpintaria) até a produção e exportação exclusiva para a realeza e os súditos da Grã Bretanha, distantes 12 dias de navio. “As bananas eram cortadas semanalmente, dois dias antes da escala, em São Sebastião, dos navios frigoríficos da frota Blue Star Line, que vinham de Buenos Aires carregados de carne para o mercado inglês. A média semanal era de 35 mil a 40 mil cachos. O corte era feito por trabalhadores que pegavam o seu ‘vão de picada’, ou seja, os talhões entre os caminhos do bananal, cortando, individualmente, até 150 cachos por dia. Se precisassem ser acondicionados em sacos de papel, como era exigido para exportação,  o trabalhador não conseguia mais de 80 cachos diariamente. O carregador pegava o cacho na beira do caminho e conduzia-o até o ponto onde era colocado nos vagões, cuidadosamente forrados com folhas de bananeiras, a fim de evitar atritos para não amassar as bananas”.  
Segundo o depoimento do seu Leopoldo Ferreira Louzada, que trabalhou muitos anos na Fazenda dos Ingleses,  “as  bananas iam bem verdinhas, pra chegar lá na Europa verde ainda, não amadurecer na viagem, porque o mar é muito quente e amadurece a banana muito depressa”.
Enfim, os ingleses criaram, entre 1927 e 1967, nas terras onde hoje está parte da Fazenda Serramar, uma outra cidade, melhor estruturada que o próprio município de Carguatatuba, atraindo muitos caiçaras que viviam na subsistência, sem nenhuma fonte salarial. Para encerrar: foram os ingleses que ensinaram o futebol nessas terras de bons remadores. Não posso deixar de mencionar o Justo Arouca, um caraguatatubense que, vindo para Ubatuba, por volta de 1955, foi um grande incentivador do “jogo de bola” e de outros esportes coletivos.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

NOUTRAS TERRAS

A especulação imobiliária produziu as primeiras cercas nos jundus  de  nossas  praias.


                O texto anterior, retirado do material do Gilberto Chieus, cita uma situação que acho bom detalhar mais. Trata-se da migração dos caiçaras para a região santista, no início do século XX, quando o nosso município de Ubatuba passava por uma terrível crise econômica após a frustração da ferrovia, no alvorecer do sistema republicano.
                Voltando algumas décadas dessa época, ouvimos os antigos dizerem que as antigas fazendas foram abandonadas por seus donos. Algumas ruínas ainda estão aí para comprovar; noutras deram um jeito de demolir a fim de facilitar a exploração imobiliária. Em raríssimas delas os donos preferiram ficar e se empobreceram como os caiçaras. Tornaram-se caiçaras!
                Logo depois, vendo que o sonho de uma ferrovia parou no meio do caminho, o jeito, para a maioria era se resignar, aceitar o destino, se voltar para a sobrevivência, cujas atividades principais eram: cultivar a mandioca para a farinha, manter as touceiras de bananeiras, caçar e pescar.
                Uma geração seguinte, devido a proximidade com a Baixada Santista, onde o porto tinha um movimento intenso, e, aos bananais produzindo para exportação, foram em busca de uma saída da situação de subsistência. Tornaram-se migrantes, tal como os mineiros e os de outras regiões,  a partir da década de 1970, que descobriram o “El Dourado” do litoral norte paulista. É por isso que todas as famílias antigas, genuinamente caiçaras, têm alguns parentes santistas.
                Mais tarde, a partir de 1950, dois outros fatores causaram migração entre os ubatubanos:  o começo da especulação imobiliária, quando as posses passaram a ser disputadas, e a possibilidade de trabalho na Fazenda dos Ingleses, em Caraguatatuba. Isto já é assunto para depois.

domingo, 27 de janeiro de 2013

MEMÓRIA NA ETNOMATEMÁTICA

João Teixeira Leite, o nosso pintor primitivista  (Arquivo Júlio).


                Certamente que, em qualquer oportunidade que tivermos, devemos ensinar ou relembrar a nossa história de caiçaras. Mesmo que num futuro houvesse somente estrangeiros, eles não deveriam desconhecer os hábitos e conhecimentos dos que aqui viveram a partir da chegada dos portugueses, da miscigenação com os demais europeus, negros e índios. Afinal, o futuro sempre terá uma dívida com as outras etapas temporais da existência. Por isso, trata-se de mentes muito pequenas aquelas que desmerecem as manifestações culturais herdadas dos mais antigos. Faz-me lembrar da amiga Sara: há vinte anos, assim que chegou na Escócia para o doutorado, me enviou uma fotografia de um desfile cívico na cidade onde se instalou. “É como se eu estivesse no Sertão do Puruba, Zé! Sabe a apresentação de congada do Dito Fernandes? É a mesma coisa! Fiquei impressionada como a multidão admira as manifestações populares, como aplaudem! Os que estão dançando (ou desfilando?) até estufam o peito de tanto orgulho”. Neste raciocínio, os arqueólogos ainda têm muito a contribuir para nos ajudar na compreensão dos moradores mais antigos deste território ubatubano. É uma pena que os nossos museus sejam tão desprezados, deixem de serem locais de “pistas ótimas” para novos passos na arqueologia local. Temos notícias de grutas fantásticas em nossas matas, os sambaquis permanecem nas restingas que ainda resistem à ocupação imobiliária e as lendas podem estar dizendo muito mais do que ouvimos. Ainda temos um ambiente natural que permite alargar horizontes. Ainda bem!
                Os moradores do presente e do futuro precisam entender como a cidade se fez e porque os causos, lendas etc. acompanharam a história local. Assim o Gilberto Chieus, se referindo à crise econômica da passagem do século XIX para o XX, acrescentou à sua pesquisa etnomatemática:

             “Podemos observar que, durante o período da decadência da cidade, muitos caiçaras transferiram-se para Santos, à procura de uma vida mais próspera. Ficaram em Ubatuba os caiçaras pobres, que conseguiram sobreviver às turbulências, ficando isolados entre a Serra do Mar e o Oceano Atlântico.
             Com o isolamento, eles desenvolveram uma agricultura de subsistência. Comercializavam apenas o excedente para obter bens de consumo que não tinham como produzir (sal, querosene, pólvora e vestuários).
            Entre as culturas mais comuns nas lavouras caiçaras, destacavam-se as de mandioca para a confecção de farinha, milho, banana, feijão. Além disso, possuíam algumas criações domésticas.
                Os caiçaras não viviam apenas de lavoura, mas serviam-se da pesca como complementação alimentar, pois na entressafra da lavoura, havia a safra do peixe e vice-versa. Um exemplo é a pesca da tainha, peixe que se aproxima da praia no inverno entre os meses de maio a julho, fazendo com que a comunidade caiçara se reúna na praia para a captura”.

           Acrescento as festas como sendo fundamentais no avivamento das esperanças pessoais e coletivas. Por isso eu insisto para um direcionamento educacional, a partir das escolas, com a finalidade de recuperar as festividades que eram tão comuns neste lugar (Ubatuba). Até pergunto às gerações mais novas:

          Por que as lindas festas  juninas em nossas escolas não acontecem mais? Quem conhece os nossos artistas caiçaras? Quem já refletiu a nossa cultura e a nossa cidade a partir das pinturas primitivistas do João?

MATEMÁTICA CAIÇARA

Olá, Mariana Tudan! Bem-vinda! O Baéco é o de camiseta branca. (Arquivo  Canoas)

  
                Em tempo de volta às aulas, aproveito para ler um pouco mais o trabalho do caiçara Gilberto Chieus Junior, apresentado na Unicamp, em 2002.
                O Gilberto, descendente dos proprietários da Fazenda Velha, localizada na Estrada do Monte Valério, fabricantes da pinga ubatubana até o início da década de 1980, também estudou comigo  na escola Deolindo. Depois  do ensino médio , tendo como companheira a Fátima, minha amiga de infância na praia do Sapê, seguiu o rumo daquilo que gostava: a matemática. Para encurtar a apresentação: hoje, em Campinas, faz parte da equipe docente da Unicamp. O seu trabalho de dissertação de mestrado gerado junto aos alunos e professores do bairro do Puruba é:

                Matemática caiçara – etnomatemática contribuindo na formação docente.

                Eu achei muito legal a escolha do Gilberto, a sua volta às origens, ao nosso lugar, para aprofundar os seus conhecimentos a partir do conhecimento prático do povo caiçara. Para início de conversa, apresento a etnomatemática conforme está no documento:

                Etno é hoje aceito como algo muito amplo, referente ao contexto cultural, e,  portanto,  inclui considerações como linguagem, jargão, códigos de comportamento, mitos e símbolos; matema é uma raiz difícil, que vai na direção de explicar, de conhecer, de entender; tica, sem dúvida vem de tecne, que é a mesma raiz de arte e  técnica. Assim, etnomatemática é   a  arte  ou técnica de explicar, de conhecer, de entender nos diversos contextos culturais”. (D’Ambrósio, 1998).

                Os princípios que levaram o Gilberto a escolher essa linha de trabalho foi a preocupação básica da maioria dos docentes, ou seja:
 “É necessário que os alunos vão ao encontro do conhecimento sistematizado que o professor leva até a sala de aula, para que a aprendizagem ocorra. O professor, por sua vez, deve partir do universo de conhecimentos do aluno para atingir seus objetivos. Dessa forma, ele estará fazendo a ponte entre o seu saber e o contexto sociocultural do educando”. É quando se chega uma constatação básica: “Os elementos culturais também poderão proporcionar para o trabalho pedagógico contato com materiais concretos”. Neste quesito, a atividade, inevitavelmente, recebe o nome de atividade extraclasse, ou seja, quando os alunos exclamam: “Oba! Vamos passear!”.
                Hoje eu escolhi uma dessas atividades extraclasse realizada por alunos da escola do Puruba, a “Belarmino”. Trata-se de um texto entremeado de fotografias a partir de uma visita à “Turma do Acrísio”, no Sertão do Ubatumirim. É mais uma sugestão de possibilidade de atividade a partir do nosso entorno, da nossa cultura caiçara. Apreciemos, então, o relato:

                “Terça-feira, dezessete de agosto, saímos de nossa escola, por volta das treze horas. Pegamos o ônibus circular, acompanhados dos professores: Bernardo, Bira e Gilberto e fomos para o Sertão do Ubatumirim.
                Chegando lá, fomos recebidos por  um senhor caiçara, construtor de canoas, que tem o apelido de Baéco. Em seguida, na companhia deste senhor,  nos dirigimos para uma pequena estrada e caminhamos por mais ou menos sessenta minutos, pois estávamos conversando e andando devagar. Nesta estrada havia casas, bares, campo de futebol, carro quebrado e uma ponte de madeira sobre o rio que passa pelo bairro. Num determinado ponto da estrada havia uma trilha onde paramos na entrada e o professor reuniu o grupo e fotografou. Entramos pela trilha, onde o solo era muito úmido e escorregadio devido à vegetação ser muito densa.
                Caminhamos na trilha por mais ou menos cinco minutos. Havia muitos borrachudos e ouvimos, ao longe, o canto da araponga. De repente, a trilha terminou num enorme tronco de árvore caído. Era um ingá amarelo, árvore própria para fazer canoas. Este tronco já estava esboçado e pronto para ser ocado. Ele media mais ou menos nove metros de comprimento.
                O  construtor, munido de uma motosserra, começou a nivelar o tronco. Pediu a ajuda de dois alunos para fazer a medição. Enquanto todos observavam, ele passou a ocar o tronco com um instrumento chamado enxó. Começamos a questioná-lo sobre a idade da árvore: tinha mais ou menos cem anos; sobre os instrumentos usados para a construção da canoa: eram enxós de três tipos, motosserra e machado; sobre os instrumentos para medir: usava barbante embebido em água e carvão e três pedaços de madeira de diferentes tamanhos. Ele esticou dois pedaços de barbante, um de cada lado do tronco e, juntamente com as madeiras, marcou a borda da canoa. Pegou o enxó e começou a cavocar, no lugar onde havia desenhado, com a motosserra, uma espécie de xadrez.
                Aproveitamos a oportunidade e fotografamos o trabalho de construção da canoa, alguns tipos de árvores e a nós mesmos.
                Permanecemos no local por mais ou menos duas horas e, depois, retornamos pelos mesmos caminhos até o ponto do ônibus”.
                Sem dúvida nenhuma que esses alunos já estão marcados por essa experiência gerada a partir da  sensibilidade de um professor, pelo aprendizado proporcionado a partir  da prática do Baéco! Em outra ocasião eu comento mais coisas do trabalho, inclusive as fotografias do Gilberto Chieus.

          Em tempo (I):  O Baéco, recentemente, passou um período no continente africano trabalhando com madeiras. Tenho certeza que este caiçara também andou ensinando aos angolanos a fazer canoa caiçara, uma das mais belas do mundo. Você duvida?

  Em tempo (II): Eu recomendo, para um primeiro contato no reconhecimento de ferramentas e outros instrumentos que acompanharam os caiçaras, a visita ao Museu Caiçara, localizado no Projeto Tamar, em Ubatuba).  

sábado, 26 de janeiro de 2013

CAMINHÃO DE OURO

Oi, Bruno Andry! Bem-vindo!


                Nada como uma sombra num dia de sol tão ardido!
           Parando para descansar à sombra de um ingazeiro,  um pouco depois do bambuzal do Tião Banana, encontrei o amigo Dito  fazendo o mesmo. Começamos a prosear. Entre um assunto e outro, risadas sempre, lembrei-me de fazer uma pergunta para chegar depois a  outra:
                - É verdade, Dito, que o João “Carioca” já foi funcionário do Horto?
                - É sim, Zé! Ele era vigia. A sua casinha era logo ali, depois da capela, em direção da ruína da casa da fazenda. Não tem aquela aguinha, um córrego passando os pés de cacau? Então, era ali!
                Pronto! O João foi o gerador de muitas coisas naquele momento!
                - Ele, o João já lhe contou da corrente de ouro? Não? Então eu conto. Foi assim: num dia da sua folga, estando fazendo um buraco para construir um galinheiro perto de casa, ele encontrou uma corrente de ouro. Depois de bem lavado, foi mostrar o achado para o diretor do Horto, o doutor Gentil.
                E continuou o Dito, aposentado há coisa de dez anos pela Estação Experimental do Horto Florestal, onde, por décadas, fez os registros meteorológicos:
                - O doutor ficou impressionado e disse que aquilo devia valor um bom preço. Até se ofereceu para, em sua próxima ida à cidade de Piracicaba, levar a corrente a alguém entendido,  do ramo. O João confiou e ele levou. Voltou já com o dinheiro da venda. Dizem que ele e um cunhado se associaram na compra. Era bastante dinheiro. Com o dinheiro conseguido,  o João comprou dois burros e duas carroças para trabalhar negociando areia do rio para construção. A coisa deu certo. Logo pediu as contas no Horto e passou a se dedicar ao  seu próprio negócio. Não custou muito para ter seus caminhões, comprar seus terrenos e construir outras casas.
                - Nossa! Foi assim que tudo começou? Impressionante, né?
                - É isso mesmo, Zé! Tudo teve início com uma corrente de ouro encontrada debaixo de uma pedra, na área da antiga fazenda do Balthazar Fortes.
                Não demoramos muito na sombra do ingazeiro, mas foi um tempo suficiente para aprender mais um fato interessante do nosso povo. Agora eu espero a primeira oportunidade para comentar isso com o João. O seu trabalho continua o mesmo até hoje: vive fazendo fretes com o seu caminhão. É o seu próprio patrão, tem o seu ritmo e esbanja saúde e disposição.
                Parabéns ao João que, de uma corrente, conseguiu burros, carroças e chegou ao caminhão! Não vejo a hora de reencontrá-lo para escutar mais a respeito dessa providencial ajuda.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

LIÇÕES DE SÉCULOS




                A natureza é uma constante fonte de aprendizado. Basta “botar reparo”, conforme dizia o vovô Armiro, “para saber o que tudo em nossa volta quer nos dizer”. E indicava os urubus em grande quantidade voando perto da Pedra da Igreja: “Sinal de vento sudoeste chegando ainda hoje”.  Não tinha motivo para se alvoroçar porque “no bananal do Sul acabou o corte da banana; nem carece de escoramento. E com balaios e gamelas cheios, não há precisão de sair de canoa (para pescar)”.
                É continuando a manter na lembrança esse princípio de gerações, repassado desde menino, como parte de uma lição cultural, que eu continuo a observar os mínimos detalhes que consigo captar. Ainda ontem, caminhando pelo Horto Florestal bem cedo, senti cheiro de cobra no trajeto. Pensei: ela está bem perto; me percebe bem antes disso pela vibração das minhas passadas. Se for brava não foge, aguarda em bote. Então redobro a atenção. Estaco ali mesmo à procura de outro sinal. Não demora muito para avistar um rabo preto desaparecer entre helicônias. Ainda bem que recebi, pela cultura caiçara, esse talento! Vai cobrinha! Segue o seu destino!
                E o quer dizer de formiga em correção, morro acima? Você nunca viu isso? É sinal de muita água, de rios e baixadas serem alagadas muito brevemente.
                Em certa ocasião, coletando coco indaiá com a vovó Martinha, no Morro dos Amorim, que homenageia os nossos primeiros desse ramo genealógico,  aqueles que vieram de Angra dos Reis fugidos, depois de um fatal encontro com um cobrador de impostos do Império, houve uma afobação repentina: “Vamos correr, meu filho! A vargem vai inundar. E não  vai custar muito. Vamos ligeiro!  Ai minha Nossa Senhora! Em outro dia a gente volta para levar o cacho que já foi cortado. Vamos correr!”. E era certo. Bastou botar o pé em casa para descer um mundo de água. Em seguida se ouvia a tormenta descendo e arrasando as terras da vargem. Na hora eu já lhe perguntei :
                - Como foi que a senhora sabia dessa chuva forte, vovó?
                - Foi no momento que a gente estava rente da embaúba , no  Carreiro da Anta. As formigas subiam desesperadamente, empretejaram todo o tronco.
                E acrescentou com uma questão:
                - Você não reparou, perto do barranco do rio, que até os sapos subiam para as grimpas das árvores maiores? Fuja depressa quando avistar sinais assim. Bem ligeiro procure lugar alto, longe de vargem, de beirada de rio e de grotas.
                É isso! Na natureza, todos os seres têm um saber instintivo! Nós também temos tal saber, além da herança cultural e do aprendizado que é constante (por curiosidade e admiração). Porém, parece que vamos perdendo uma conectividade milenar, deixando de nos comunicar com esse mundo natural, desconhecendo uma ordem longamente estabelecida.
                Perder a intimidade com a natureza, desprezar os vínculos de interdependência que nos faz Filhos da Terra, pode custar caro. É assim que eu vejo a tragédia recente em que quatro pessoas, ainda jovens, se banhavam alegremente numa cachoeira no Sertão da Sesmaria, no Ubatumirim, nas terras dos finados Jean-Pierre e Silvia Patural, cuja saga eu já narrei em outra ocasião. Inegavelmente os sinais existiram. Porém, os coitados não os perceberam ou não souberam interpretá-los. Infelizmente o resultado: encontraram a morte contra as pedras, na correnteza súbita. Meus pêsames aos familiares.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

TODOS SE MELARAM


A sala da Verônica.

                Este título deriva da obra Tereza Batista cansada de guerra, de Jorge Amado; especificamente de uma frase usada como recurso para mostrar o disparate que é o preconceito contra tal ou tal etnia, cuja cor de pele é tal e tal e tal etc.
                Essa mistura de povos diferentes, onde “todos se melaram”, é que nos torna uma nação ímpar, capaz de continuar atraindo tanta gente, milhares de turistas a cada oportunidade do calendário.
                Em Ubatuba, assim como em qualquer rincão deste Brasil, as raízes que se melaram  podem fazer a diferença num filão denominado turismo cultural.
                Bem recentemente eu vivi uma prova disso. Foi em dezembro, já no findar de 2012, com a cidade repleta de visitantes, quando, juntamente com o Grupo Cantamar, sob a batuta do Júlio Mendes, percorremos o trecho reurbanizado da Avenida Guarani apresentando o Reisado em diversos pontos comerciais dali.          Posso dizer que foi uma surpresa gostosa: as pessoas sorriam, fotografavam, batiam palmas... Algumas até arriscaram um cantarolar com o grupo. Creio que foi algo inusitado. Que digam os proprietários dos estabelecimentos contemplados!
                A manifestação, também denominada de Cantoria dos Reis, é uma das marcas da nossa cultura caiçara. Vários grupos estão ativos, se mostraram no evento (Dia dos Santos Reis, em 6 de janeiro) promovido pela  pastoral católica coordenada por Rogério Estevenel e Guaracira.
                Afinal, o importante:
A julgar pela acolhida, são as manifestações genuínas do lugar que um turismo de verdade (inteligente, preservacionista etc.) quer ver, apreciar, registrar e até mesmo se compor na atração. Quem pode estimular tais iniciativas, além da Fundart, é a Associação Comercial. Todos têm a ganhar com isso, sobretudo as raízes que serão revitalizadas pela autoestima elevada. Por que então não refletir sobre o assunto e encaminhar os trabalhos? 

domingo, 20 de janeiro de 2013

SABER CAVAR A VIDA

Que limão tão diferente!


                Da porta da casa da Vó Maria se avista uma mata linda. Bem perto tem um rio sempre ruidoso a correr entre as pedras. Passarinho é demais! Pios e cantos se misturam em muitas cores.
                A Vó Maria cresceu nas terras do pai, numa área entre o Araribá e o Rio da Prata, mas ainda dentro do município de Ubatuba, “para os lados do Sul”. “Era terra onde se tinha de tudo. O cafezal era muito grande. De toda fruta havia lá”. Hoje, na beira da cachoeira do Ipiranguinha, ela vive praticamente só desde que o seu filho caçula morreu.
                Há alguns anos, em véspera de uma entrevista para um trabalho acadêmico a respeito de causos, em sua fala chamou-me a atenção uma expressão, numa análise de determinada pessoa: “Não sabe cavar a vida”.
                Pensei pouco porque a sua explicação veio logo:
                - Meu filho, a vida tá aí, mas não tá aí. Pra descobrir ela é preciso cavar. É como se dissesse que viver é fácil e viver a vida é difícil. Você sabe por que o mundo tá assim, tudo mudado? É que muita gente não sabe cavar a vida. Pensam que basta fazer tudo que “der na telha”. Eu digo que não. Isto seria só viver.
                E continuou:
                - Cavar a vida é prever as consequências das coisas que fazemos, dos passos que damos, ou que podemos avançar.
                Depois de uma caneca de café acompanhado de um naco de pão sovado, enquanto apreciávamos o Zarur (seu filho) em seu artesanato (escolhendo raízes, pedras e cores para as suas composições telúricas), mais reflexões apresentou a vozinha:
                - Tais vendo este copo, meu filho? Agora já tá quase no fim, mas muita coisa cabe nele! O que eu quero dizer é que cada um de nós, a começar de criança, deve aprender a enxergar o copo cheio. Todo mundo devia ensinar assim. Agora eu vejo e escuto muita coisa errada. A minha vizinha, professora de criancinhas, me contou que a ordem, ainda que não dita tão diretamente, é de empurrar a criançada pelas séries, mesmo que não esteja aprendendo o que precisava. Ela disse deste jeito: “O governo quer assim”. É o que eu quero dizer: uma criança dessa –coitada! – nunca vai aprender a enxergar o copo cheio. Faz-me lembrar o compadre Luiz Gonzaga, da praia do Flamengo, depois da Ribeira. Foi quem explicou há muito tempo, lá em casa, a respeito de um monstro antigo por nome de Leviatã. Conforme a crença de um lugar por nome de Fenícia, quando tudo era bagunça, esse monstro imperava. Pelo que estou vendo, só falta esse tal de Leviatã voltar de novo, aparecer por aí. Cruz-credo!
                É isso mesmo! A sua benção, Vó Maria.

sábado, 19 de janeiro de 2013

UM SENHOR SARGO!

Barcos de pesca no Saco da Ribeira


                A Praia Brava da Fortaleza, até a metade do século XX, pertencia à família Cruz, sendo  os irmãos Lodônio, Siledônio e Sebastião os mais velhos que cheguei  a conhecer. Depois foi comprada por um ricaço chamado pelo pessoal do lugar de Crausmirim. Hoje não sei dizer "em que pé as coisas andam".
               Após toda a praia se tornar de um único dono, começaram as mudanças radicais: primeiro foi o aterramento do mangue com areia transportada do próprio lagamar. O meu tio Nelson e outros adolescentes do lugar  ganhavam por lata de areia transportada nos ombros; o outro destaque ficou por conta da mansão que dominava todo o jundu. Nas imediações foram plantados centenas de coqueiros. O gramado era lindo!
                Enquanto os rapazes transportavam latas de areia, o Bito Crode, sentado por ali, contava os seus exageros. Num momento eram dois trilhos que boiavam próximos da Lage Grande. Imagine só! Um pouco depois disse que a Praia Brava era do tio João Barreto, que a trocou por um sargo. Onde já se viu uma praia bonita dessa se equiparar a um peixe da costeira!? No mesmo instante todos aqueles que pararam para escutá-lo fizeram expressão de descrença . Era demais mesmo!
                Ao  perceber que os companheiros acharam um exagero na fala, o contador de causo encontrou um jeito para remediar a situação:
              - Mas não era um sarguinho! Era um bitelo desse tamanho! Um senhor sargo!
            Ao abrir a braçada, todos sorriram e voltaram à tarefa. Agora sim! Ficou mais plausível a informação. 

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

O INFERNO PODE SER AQUI


     

       É tempo de férias. Teoricamente, de acordo com a sociologia do turismo, esta é uma época propícia para recompor as energias a partir de um anti-cotidiano, ou seja, deixar tudo aquilo que nos cansa no cotidiano para desfrutar de outras experiências, em outros lugares. Quero crer que a maioria dos visitantes de Ubatuba segue tal princípio e volta de baterias recarregadas aos seus lugares, graças à natureza que nos rodeia. Porém...

       Existem tipos e tipos de “sem-noção”. Num deles se compõe um parente do meu vizinho que, apesar de suas raízes caipiras, solta um barulho no seu velho automóvel Passat achando que é música. Nem parece ser da terra de Elpídio dos Santos, um dos grandes compositores paulistas da metade do século XX. A propósito, acredito que o aparelho sonoro devidamente comprado e instalado, quitado em várias prestações, vale quatro vezes mais que o velho modelo da Volkswagen, da década de 1970.
      O barulho é infernal; as letras são medíocres, preconceituosas etc., digna de gente que parece pensar como o verme machadiano a se expressar em Dom Casmurro:

“Catei os próprios vermes dos livros para que me dissessem o que havia nos textos       roídos por eles.
- Meu senhor – respondeu-me um longo verme gordo – nós não sabemos  absolutamente nada dos textos que roemos, nem escolhemos o que roemos, nem amamos ou detestamos o que roemos; nós roemos”.

         Coitada dessa gente que assim é conduzida!
        Ah! Não é um mero detalhe! Entre os visitantes (turistas) desta cidade (Ubatuba) existem muitas “pérolas” assim: eles simplesmente roem!
        Será que não devemos nos esforçar mais pela civilidade, pelo exercício da cidadania neste ano que agora começou?

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

DOENÇA FEIA





Do meu lugar, bem desta cadeira, olhando na estante em frente, tenho diversas coisas (cd de música, livro, dobradura etc.). Destas coisas, especialmente hoje, duas me despertam para este texto: um livro da Fernanda Liberal e um conjunto de músicas gravadas por Pedro Paulo e Paulinho da flauta, o saudoso companheiro da amiga Nalva. Mas por que digo isto?
                O motivo de lembrá-los é o seguinte: Paulinho e Fernanda nos deixaram recentemente devido ao câncer,  a “doença feia” dos caiçaras. Esclareço: ninguém, antigamente, ousava dizer tal nome porque acreditavam que a palavra tinha uma força por si só. Então, Dizê-la era atrair o seu conteúdo, a sua energia. Nesta crença, não se chamava ninguém de louco, de bobo, de capeta etc.
Pelo pouco que pude conhecer de ambos, eles amaram esta cidade de Ubatuba. Fizeram questão de deixar as suas marcas: a sonoridade, a música de qualidade magistralmente executada por Paulo em sua flauta; os textos habilmente pensados, com uma função bem delineada pela Fernanda.
                Foi câncer! Apesar de tantas lutas, esta doença continua ceifando vidas!
                A morte chega sem pedir licença. As pessoas se vão. O que não passa é o nosso compromisso com a vida. É nisto que  muitas pessoas vão se eternizando!
                Pela musicalidade e pelas considerações textuais, estes  dois – Paulinho e Fernanda – fazem parte daquelas pessoas que, despretensiosamente, deixaram as suas pegadas para nós e para as futuras gerações. Ou seja, vieram à realidade ubatubana para se aculturarem e viverem encantados pela natureza que nos cerca. Deram suas contribuições recorrendo aos seus dotes artísticos; fizeram o que lhes cabiam para expressar suas experiências e seus desconfortos pelos ultrajes que muitos praticam simplesmente pelo excesso de cobiça, do lucro a qualquer custo.
                Neste ano novo de velhos problemas, diante de cada momento, de cada fato revoltante neste nosso lugar, mas também de todas as alegrias que esperamos viver, imaginemos mais estes dois (Fernanda e Paulinho), que nos deixaram, como aliados concretos. Eles  estarão presentes como sempre foram: sendo solidários, apoiadores e incentivadores de ações para a preservação de coisas maravilhosas, tanto aos presentes como para os que ainda estão por  chegar e serem acolhidos pela cultura caiçara, pela natureza circundante. Que seus descendentes não façam menos, caso não consigam superá-los. Tenhamos sempre na memória pessoas assim como faróis a nos guiar!
                A chuva que agora cai é destempero para as lágrimas daqueles que sentem a saudade de pessoas de paz, mas que fizeram guerras contra o mal e as maldades.
Força aos vivos! E assim... à terra, ao implacável pó retornam os Filhos da Terra!

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

TROFÉU JANGOLENGO




         Finalmente eu consegui acessar a internet. Que sufoco! Eu não poderia de deixar de lado este texto do Júlio escrito justamente do dia do fim do mundo. E não valeu a arte na concha de marisco - o troféu do Jaür?

      Pra quem não sabe o que é um jangolengo, eu digo: é o tié-sangue do mar. Peixe de vermelho intenso, tal qual o vermelho do tié. Vivem em cardumes nos parcéis, costeiras de ilhas e lajes de mar. Chega atingir 30 cm de comprimento. O bicho é esfomeado por natureza e para pescá-lo não se faz muito esforço; basta um anzol com uma imitação de isca (isopor, elástico, plástico) ou mesmo uma isca artificial, tipo garatéia. É jogar ao mar e fazer a curricada. Quantos anzóis tiverem, quantos serão os peixes fisgados; enche-se um balaio em poucos minutos.
    Alguns pescadores, mais fantasiosos do que pescadores propriamente dito, inventaram um torneio de pesca: “Pesca ao jangolengo”. Quem pescasse mais, em meia hora, ganhava um troféu e não pagava a cerveja e nem a churrascada.
      Local marcado do torneio: na Lage Grande da baía de Ubatumirim, águas do mar de Ubatuba, aconteceu o primeiro torneio de pesca ao jangolengo. Pescadores a postos deram inicio ao torneio. Dentre os grandes pescadores de currico estava o primo Jaür Carpinetti que, com toda sua logística e estrutura pesqueira, era o favorito. Com sua molinete e vara de fibra de carbono, isca artificial alemã e linha de fibra óptica, iniciou sua pescaria. Joga pra cá, joga pra lá, currica à bombordo, à estibordo... e nada. Já se passava 15 minutos, e enquanto os adversários enchiam o balaio com jangolengo, Jaür Capinetti só dava banho nas iscas. E o tempo ia passando. Trocava isca artificial por isca natural, colocava chumbada pra tentar pescar de fundo, e nada... O que estava acontecendo? Nunca foi de perder uma pescaria! Notou então que suas mãos estavam com cheiro de certo perfume; lembrou então que ao sair de casa se lambuzou com repelente contra borrachudo; foi a conta, o cheiro do produto repelia também os jangolengos.              Fazer o que naquelas alturas do campeonato? Enquanto os adversários já contavam com mais de trezentos jagolengo pescado, o primo Jaür estava zerado e seria ele a pagar a cachaçada para os demais competidores. Restava uma saída para não ficar pagão e com a lanterna na mão. Limpou bem as mãos, passou a mão no saco, tirando uma salsicha do pão, iscou num anzolão e jogou ao mar de fundo. Pensou: perdido por perdido pelo menos tentaria, com a isca de salsicha, ferrar um garopão pra fazer um pirão com banana verde. Assim fez. Faltava poucos minutos para terminar o torneio. A isca mal chegou ao fundo, o bicho pegou em sua linha. –Minha Nossa Senhora! Gritou bem alto e falou aos adversários: -Se não for a poita de meu barco é um peixe muito grande! E puxa daqui, puxa dali, geme, peida,... até que o peixe aparece na flor d’água. Era um jangolengão do tamanho do capô de um fusca vermelho, de no mínimo cento e cinquenta quilos. Com a ajuda dos pescadores colocaram o peixão pra dentro de seu barco (a lancha Princesa). Momentaneamente, embora ter pescado o maior peixe, tinha pego apenas um; seria ele quem pagaria a bebedeira. Mas a surpresa apareceu no caminho de volta da pescaria. Com o balanço do mar e o tranco do barco nas marolas, o jangolengão começou a ter enjoo e passou a vomitar. O vômito do jangolengão era só jangolengo de tamanho natural. Foram contados 958 jangolengos que sairam da barriga do grandão.
    De lanterna, Jaür Carpinetti passou a ser o grande campeão do torneio “Pesca ao Jangolengo” e quem pagou a conta da cervejada foi o Guelinho da bicicletaria.
Taí o troféu e o Paulo Ramos para confirmar a história.
Julinho Mendes – Ubatuba, 21/12/12 (dia do fim do mundo)

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

O ANO É NOVO! JÁ AS QUESTÕES...

                
Vovô Estevan, Guinho e um delicioso cafezinho.
                 Olá, Cláudia! Seja bem-vinda!
                “Todo cais é uma saudade de pedra!” – Fernando Pessoa.
                O cais da baía de Ubatuba, o “Caisão”, é um espaço privilegiado, mas vai perdendo a sua vitalidade por descaso das autoridades eleitas democraticamente ao longo das  décadas. Também nós temos a nossa parcela de culpa por nos omitirmos nas questões tão evidentes. Infelizmente não temos o hábito de exercer a cidadania no pleno sentido do termo.
                A história do “Caisão”, nas terras do Velho Barroso, oficialmente começa no final do século XIX quando, nos estertores do Segundo Reinado, foi decidida a construção de uma ferrovia, cujos extremos seriam as cidades de Ubatuba e São Bento do Sapucaí, passando por Taubaté. Ou seja, para escoar a produção da região mineira da Mantiqueira e do Vale do Paraíba. Mas então veio a proclamação da República e o golpe nos empreendedores, em função do grupo político local ter sido favorável à Revolta da Armada (uma tentativa de retornar à monarquia).
                Findo o sonho da ferrovia, outra crise persiste até meados da década de 1950 (quando os turistas descobrem nossas belezas naturais). Desta época vem outra função para o “Caisão”: serventia de descarga de peixes. O governo do Estado faz instalações (fábrica de gelo e centro de pesquisa) para atender a demanda. Caminhões-frigoríficos e barcos dão o ritmo ao local.
Grandes barcos, principalmente os sardinheiros, ocupam todo o espaço disponível. Os jovens ubatubanos têm um sonho: ser embarcadistas para ajuntar dinheiro. O meu padrinho Tobias, por exemplo, viveu anos na pesca de baleias.  Nesse tempo as salgas (Igawa, Gitano, Aurichio, Caetano etc.) se instalaram por aqui. Eram novas frentes de trabalho a partir daquilo que abundava: pescados. Isso mudou na segunda metade da década de 1970, quando a SUDELPA (Superintendência para o desenvolvimento do litoral paulista) construiu o píer da praia do Saco da Ribeira, deslocando as embarcações para aquele lugar. Tudo foi definhando, inclusive a nossa fonte de apetitosas sardinhas.
O “Caisão” abandonado passou a ser um espaço de pesca artesanal. Era comum, logo ao anoitecer, as pessoas irem chegando com seus equipamentos, cadeiras e lanches para se realizarem em repousantes pescarias pela noite adentro, tendo como suporte, caso precisasse, a casa do Acary e da dona Mariquinha. Durante o dia, o lugar tornou-se ponto de diversão dos adolescentes. Que ótimo trampolim de mergulho”!
Para encurtar a prosa, no ano 2000, o prefeito Paulo Ramos, tendo como urbanista o arquiteto caiçara Sidney Giraud, deu um novo visual ao espaço, desde o Instituto de Pesca até o Farol, na Barra dos Pescadores. Ficou bonito, agradável de percorrer e de apresentar o lugar como mais um Cartão Postal do município. E aí... então... novos mercenários despontaram além da Ponta Grossa, ocuparam as cadeiras no Legislativo e no Executivo. Um dos resultados do dinheiro público gasto com irresponsabilidade foi o abandono daquilo que poderíamos chamar de Moldura de Yperoig.
Agora, vamos cobrar do prefeito Maurício Moromizato a retomada da tarefa. A Baía de Ubatuba é linda! Deve ganhar segurança, continuar linda e ser recuperada parte de sua pureza original para as futuras gerações. Nós a merecemos!

           Em tempo:
        Está em minhas mãos um presente do amigo Jorge. trata-se do livro de Glória Kok: Uma fazenda inglesa no universo caiçara. Valeu mesmo!

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

QUE ESPÍRITO!

Capela da praia do  Puruba - Foto: Júlio Mendes


           Andei sumido devido a uns cambotes que o sistema me aplicou. Explico: graças à empresa TIM (mais uma que pensa nos lucros com pouquíssimos investimentos!), estou com um acesso precário à rede (internet), perseguindo aparições esporádicas de um sinal positivo que permita fazer minhas postagens e receber as manifestações dos amigos. Não sei por quanto tempo isso vai continuar, mas desconfio que se estenderá por todo o verão. Haja paciência! Porém, não será a paciência o principal ingrediente para romper o dia-a-dia, o novo ano que aí está?

            Em tempo de festas  - e de férias! – a gente vê cada coisa neste chão caiçara! Eis uma delas:
No dia de Natal, antes do dia clarear, saí para a caminhada diária, seguindo a via principal do bairro, e, depois, alcançando a rodovia, avancei até ao pé-da-serra. Ao passar diante da igreja católica, justamente na porta principal por onde, na noite anterior, tantos adentraram para a tradicional “Missa do galo”, avistei um casal “muy caliente”, ambos ainda vestidos em gorros de Papai Noel. Soltando faíscas de espírito natalino, chegando às vias de fato, sem se importarem com aqueles solitários passantes na via - de fato! - lá estavam os dois “fazendo o que Deus mandou”.
Que lindo! Provocou-me reminiscências de um antigo programa televisivo, onde a chamada era: “Faça amor. Não faça guerra”.
Achei a palavra: escanchar. Será este  –também! -  o espírito dos festejos da passagem do ano?
       Eu prefiro o espírito de criatividade dentro da tradição do nosso povo, sobretudo quando praticado pela Cia de Reis Cantamar, sob a batuta do amigo Júlio Mendes,  nessa época levando o Reisado às famílias que prezam tal demonstração de carinho, com muita arte e alegria. Com essa companheirada, eu fui acolhido pela tia Baía, na praia do Puruba, pelo Dito Fernandes e dona Mocinha, no sertão do mesmo lugar. Também foi um prazer cantar na casa da Ana (na Estufa) e do Paulo, filho do grande artista Da Motta, no Perequê-açu. E vamos seguindo adiante!
           Feliz 2013 a todos, sobretudo aos seguidores do blog!
           Viva a nossa vontade de festejar e de levar a alegria da nossa tradição!
           Viva todos da Cia de Reis Cantamar!