Detalhe: a pequena mais próxima do braço direito já era corinthiana. (Arquivo Kilza Setti) |
Começamos
bem o Tempo do Advento: o tão esperado livro da Tia Helô se fez entre nós.
Aleluia! (O Ercias me disse que já começou a ler e está gostando muito). Não
pude ir ao lançamento, mas pretendo adquirir o mais rápido possível essa
preciosidade.
Hoje,
quem nos conta outra mensagem propícia desse tempo é a amiga Fátima de Souza, a
nossa caiçara que tem um pé na Praia Dura (é neta do finado Salvador Carlos, o
inspetor de quarteirão) e outro no Itaguá, no tronco do João de Souza, o nosso
saudoso contador de causos caiçaras. A sua narrativa permite, sobretudo aos
mais novos e aos migrantes, saber que aqui já sofremos injustiças e muitas
formas de violências por conta das terras ocupadas pelos antigos caiçaras. E
digo mais: elas continuam acontecendo! O desafio é querer enxergá-las e não
aceitá-las com passividade, como algo normal e inevitável. Afinal, a exegese
bíblica diz que ter boa vontade é não compactuar com as injustiças, é
praticar a caridade. Aproveitemos, então, o talento da Fátima!
Dois mil anos, ou quase chegando lá, o mundo
da robótica, financiada pelo capitalismo, serve de cordão de manejo dos seres
humanos que por comodismo e ganância estão deixando de praticar um sentimento
chamado amor ao próximo.
Parece que muita coisa não mudou até então.
O poder é o ápice
da vivência. Acumular bens materiais é a tônica para exibir status, é a
ideologia para poder viver, é oxigênio para poder existir. Numa época de Natal,
o Inspetor de Quarteirão remendava a rede de pescar no terraço da casa da Folha
Seca. Eu, admirada com seu trabalho, ficava a escutar suas histórias. Uma delas
era sobre o nascimento de Jesus que agora, ao relembrar sua narrativa, tomo a
liberdade de traçar um paralelo, ou então plagiar este tão belo acontecimento.
- Um dia, Herodes
da Especulação Imobiliária, querendo ser o único dono e mandatário das límpidas
águas, cinematográficas praias e costões de um bairro situado no litoral,
ordenou que perseguissem e se preciso (em caso de “reação”), liquidassem
possíveis herdeiros provenientes de ruínas anteriores. Uma gente que a seu ver
não progredia muito. Tudo o que tinha, dividia. Hospedava qualquer um sem
perguntar sua procedência. Uma gente que atravancava sua visão de futuro. Um
usuário que não sabia que seu chão valia tanto quanto as Minas do Rei Salomão.
Um povo cuja cultura e costumes iam “enfeiar” todo seu projeto para o local.
De noite para o
dia, o recato de Maria e José, que moravam nesta área, tomou rumo do sudeste.
Capangas chegaram, denominando-se Força Bruta, Extorsão, Ludibriação, Roubo,
Escambo e outros mais. O desespero venceu. Mais forte que o apego à terra era o
filho que Maria esperava. O jeito foi partir para algum lugar onde, com
segurança, ele poderia nascer para, um dia quem sabe, retomar a causa que por
hora parecia perdida. José desceu a canoa, aconchegou Maria dentro dela,
recolheu alguns apetrechos num samburá e partiu.
Em meio à jornada,
Maria sentiu as primeiras dores do parto. José rumou à praia que a frente
avistava. Já em terra, deparou com uma casa nova e bonita. Pediu auxílio. Era
noite. Meio assustado, o caseiro disse-lhes que não poderia ajudá-los, pois o
patrão não iria gostar. E assim, sucessivamente, a mesma resposta era dada.
Exaustos,
avistaram no canto da praia alguns pescadores fazendo os preparativos para o
arrastão. Apertaram os passos, fazendo com que Maria cambaleasse várias vezes
na areia.
A acolhida foi
simples, mas calorosa. E na passagem da data, o céu salpicou de estrelas
cintilantes, e, a mais iluminada “Cadente”, chamada Dalva, indicou como uma
flecha de luz o ranchinho, onde uma canoa improvisada de berço, e redes
branquinhas de colchão, ostentava um divino menino que acabava de nascer. O mar
bramia manso como cantiga de ninar. As aves marinhas faziam revoadas e coro
para a sinfonia da brisa.
Atraído pelo
esplendor do acontecimento, outros pescadores vieram render suas homenagens
trazendo conchinhas coloridas, peixes fresquinhos, algumas roupas de seu uso
para agasalhar a criança da friagem da madrugada. Neste momento, com certeza, o
anjo do Senhor declamava:
- Paz na terra aos
homens de boa vontade!
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