domingo, 16 de dezembro de 2012

PRESÉPIO CAIÇARA

Detalhe: a pequena mais próxima do braço direito já era corinthiana.  (Arquivo  Kilza Setti)


                Começamos bem o Tempo do Advento: o tão esperado livro da Tia Helô se fez entre nós. Aleluia! (O Ercias me disse que já começou a ler e está gostando muito). Não pude ir ao lançamento, mas pretendo adquirir o mais rápido possível essa preciosidade.
                Hoje, quem nos conta outra mensagem propícia desse tempo é a amiga Fátima de Souza, a nossa caiçara que tem um pé na Praia Dura (é neta do finado Salvador Carlos, o inspetor de quarteirão) e outro no Itaguá, no tronco do João de Souza, o nosso saudoso contador de causos caiçaras. A sua narrativa permite, sobretudo aos mais novos e aos migrantes, saber que aqui já sofremos injustiças e muitas formas de violências por conta das terras ocupadas pelos antigos caiçaras. E digo mais: elas continuam acontecendo! O desafio é querer enxergá-las e não aceitá-las com passividade, como algo normal e inevitável. Afinal, a exegese bíblica diz que ter boa vontade é não compactuar com as injustiças, é praticar a caridade. Aproveitemos, então, o talento da Fátima!

              Dois mil anos, ou quase chegando lá, o mundo da robótica, financiada pelo capitalismo, serve de cordão de manejo dos seres humanos que por comodismo e ganância estão deixando de praticar um sentimento chamado amor ao próximo.
                Parece que  muita coisa não mudou até então.
                O poder é o ápice da vivência. Acumular bens materiais é a tônica para exibir status, é a ideologia para poder viver, é oxigênio para poder existir. Numa época de Natal, o Inspetor de Quarteirão remendava a rede de pescar no terraço da casa da Folha Seca. Eu, admirada com seu trabalho, ficava a escutar suas histórias. Uma delas era sobre o nascimento de Jesus que agora, ao relembrar sua narrativa, tomo a liberdade de traçar um paralelo, ou então plagiar este tão belo acontecimento.
                - Um dia, Herodes da Especulação Imobiliária, querendo ser o único dono e mandatário das límpidas águas, cinematográficas praias e costões de um bairro situado no litoral, ordenou que perseguissem e se preciso (em caso de “reação”), liquidassem possíveis herdeiros provenientes de ruínas anteriores. Uma gente que a seu ver não progredia muito. Tudo o que tinha, dividia. Hospedava qualquer um sem perguntar sua procedência. Uma gente que atravancava sua visão de futuro. Um usuário que não sabia que seu chão valia tanto quanto as Minas do Rei Salomão. Um povo cuja cultura e costumes iam “enfeiar” todo seu projeto para o local.
                De noite para o dia, o recato de Maria e José, que moravam nesta área, tomou rumo do sudeste. Capangas chegaram, denominando-se Força Bruta, Extorsão, Ludibriação, Roubo, Escambo e outros mais. O desespero venceu. Mais forte que o apego à terra era o filho que Maria esperava. O jeito foi partir para algum lugar onde, com segurança, ele poderia nascer para, um dia quem sabe, retomar a causa que por hora parecia perdida. José desceu a canoa, aconchegou Maria dentro dela, recolheu alguns apetrechos num samburá e partiu.
                Em meio à jornada, Maria sentiu as primeiras dores do parto. José rumou à praia que a frente avistava. Já em terra, deparou com uma casa nova e bonita. Pediu auxílio. Era noite. Meio assustado, o caseiro disse-lhes que não poderia ajudá-los, pois o patrão não iria gostar. E assim, sucessivamente, a mesma resposta era dada.
                Exaustos, avistaram no canto da praia alguns pescadores fazendo os preparativos para o arrastão. Apertaram os passos, fazendo com que Maria cambaleasse várias vezes na areia.
                A acolhida foi simples, mas calorosa. E na passagem da data, o céu salpicou de estrelas cintilantes, e, a mais iluminada “Cadente”, chamada Dalva, indicou como uma flecha de luz o ranchinho, onde uma canoa improvisada de berço, e redes branquinhas de colchão, ostentava um divino menino que acabava de nascer. O mar bramia manso como cantiga de ninar. As aves marinhas faziam revoadas e coro para a sinfonia da brisa.
                Atraído pelo esplendor do acontecimento, outros pescadores vieram render suas homenagens trazendo conchinhas coloridas, peixes fresquinhos, algumas roupas de seu uso para agasalhar a criança da friagem da madrugada. Neste momento, com certeza, o anjo do Senhor declamava:
                - Paz na terra aos homens de boa vontade!

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