segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

É O BITO CRODE!

Mesmo caída essa árvore  ainda nos faz recordar de histórias.



                Em véspera de Natal, recordando de tanta gente boa que já passou pela minha vida e querendo partilhar as minhas anotações com os parentes e outros muitos amigos da atualidade, ofereço uma passagem que bem poderia ter acontecido em torno de uma refeição, logo após a Cantoria de Reis no presépio de qualquer lar caiçara, num tempo onde o espírito de solidariedade era a salvação da miséria.

                Os caiçaras hoje em dia não são muitos, mas ainda se encontram para ativar as recordações de outro tempo, onde havia mais proximidade e afinidades entre os moradores desse pedaço de chão ubatubano. Em tais ocasiões muitos nomes e lugares são lembrados. O finado parente Benedito Cláudio, o "Bito“Crode”, um notório contador de causos, também afeito a mentir descaradamente, dificilmente escapa dessas reminiscências.
                Às vezes nem sei se já contei tal ou tal causo. Hoje, mexendo nuns papéis, encontrei anotações que me deixam em dúvidas. Perdoem-me pela falha, mas aí vai!
                Numa noite dessas, numa roda de causos, o tio Salvador elencou uma série de situações vivenciadas com o Bito Crode. Uma delas foi na Ponta dos Cações, entre as praias da Domingas Dias e Dura, quando eles arrastavam puçá em busca de camarão para servir de isca. Era começo de primavera: época de pesca de carapau, um peixe muito cobiçado por nós. Nesse tempo, ou melhor, na ocasião, o mentiroso estava pensando em se converter à religião dos “crentes” da Congregação Cristã no Brasil, cuja sede era na Praia do Lázaro, mas acabara de abrir uma filial na Praia Brava da Fortaleza, por volta de 1960. Pretendendo se justificar aos outros  companheiros de pescaria, todos católicos, ele disse:
- Li na Bíblia que “os mentirosos não entrarão no Reino de Deus”.
Ao perceber que os outros esboçaram risos, devido ao seu talento (e vício!) de mentir demais, ele rapidamente acrescentou:
                - Também está gravado na Escritura Sagrada, num pedaço mais pra frente, que “serão bem-aventurados aqueles que perdoarem os mentirosos”.
                Nesse momento, aí sim, todos riram ao perceberem a alternativa pensada tão depressa para aliviar a condição do mentiroso.
                Ah, o Bito Crode!

                Desejo a todos:
Um feliz Natal, boas festas e... muita criatividade, resistência e carinho para romper o próximo ano!

sábado, 22 de dezembro de 2012

O MUNDO NÃO ACABOU

É preciso muita tranquilidade para apreciar o Boi de Conchas.


                Como é importante cada elaboração cultural deste planeta! Imagine a sabedoria dos povos maias, na América Central, ser tão respeitada mesmo depois de tantos séculos da dominação dos povos europeus, das culturas de massas que dominam a mídia! Hoje estamos, de acordo com os conhecimentos dessa cultura indígena, iniciando um novo ciclo.
                É meu desejo que repensemos, neste novo ciclo, todo os nossos hábitos, sobretudo aqueles que são destrutivos em qualquer aspecto da vida. As culturas estão aí para nos ajudar. Cada lenda, cada causo, “cada palha de trança tem uma função”, conforme dizia a vovó Eugênia a fim de que caprichássemos nas escolhidas, esticadas, apertos e dobraduras. Então, já que o mundo continua, vamos nos apoiar no Júlio Mendes para avançar em...
                A lenda do  Boi de Conchas (II)
                Alguns adolescentes, numa manhã radiante, rente aos barcos no Saco da Ribeira, passaram a especular sobre a lenda do Boi de Conchas. O assunto surgiu porque, na rede social, alguém postou vagamente a respeito de cultura popular, de saci e de causos. A história do boi do Cipriano também apareceu, mas muito vagamente.  Eu, na convivência com o Júlio, depois de escutar suas músicas e as manifestações em tantas ocasiões, assim resumi aos alunos:
                A lenda do Boi de Conchas vem do boi do Cipriano, gente de ”Serra Acima”, de lugar que já pertence ao Vale do Paraíba.
 Depois de receber o nome de Ratambufe, lá no Bairro Alto, um lugar entre a Fazenda Santa Virgínia e Catuçaba,  de onde veio há muito tempo o Luiz Monteiro, o “Seo Lica” e tantos outros que ajudaram a fazer a cidade de Ubatuba,  o animal começou a escutar as promessas de que um dia veria o mar.
                Ratambufe foi criando imagens fantásticas do mar e de seus seres, desde as conchas até as belas sereias com seus cantos. Vivia sonhando com o dia em que tudo aquilo se realizaria. Porém, tudo era “conversa pra boi dormir”. Afinal, o tropeiro Cipriano era comerciante e esperava lucrar bem com a beleza e o porte de muitas arrobas do Ratambufe. Por isso que, após o ocorrido, ele se arrependeu muito em ter trazido o boi da “Serra Acima”, do seu lugar. Custou muito tempo para aceitar que a sua mensagem, que as suas promessas foram as responsáveis pelo desastre com o animal. Sorte nossa!
                - Sorte nossa? Como assim? Vários dos presentes exigiram explicações.
                Digo que, com o acontecido, nós ganhamos mais uma contribuição para a nossa cultura. O que se conta hoje é que o boi, a partir de certo ponto, descendo pela rua principal da cidade, não obedecia mais aos comandos de seu dono. Tudo que parecia atraí-lo era o mar, o barulho de suas marolas e o seu cheiro. Chegando à Praia do Cruzeiro, estacou na areia grossa, como se tivesse hipnotizado. O seu dono berrava, querendo conduzi-lo ao  matadouro, mas de nada adiantava. Por quanto tempo ele ansiava por isso?!
                Muitos dizem que se ouvia uma espécie de canto de sereia atraindo o animal mar adentro. E assim se deu: Ratambufe, com a mesma tranquilidade de uma rês que  vai para o pasto, foi se enfiando nas águas claras daquele dia de outono. O mar, prazerosamente, o engoliu. “Não se sabe se morreu ou se nasceu”, dizia o vô Lindolfo, o seresteiro. Dele ninguém achou parte alguma.
                Foi o Zé Capão e o próprio vô Lindolfo os primeiros a darem prosseguimento no causo, na lenda do Boi de Conchas. Testemunharam, num fim de tarde, num serão,  a saída do animal do mar, no mesmo ponto por onde adentrou no território oceânico. Vinha coberto de conchas, todo radiante, ladeado por seres marinhos, sobretudo por cavalos marinhos. Uma melodia inigualável envolveu tudo enquanto ele permaneceu na linha do lagamar, inspirando os seresteiros daquele tempo (da primeira metade do século XX). Depois, na mesma tranquilidade, retornou com seu séquito ao Reino de Iemanjá, onde São Pedro provê o necessário aos pescadores.
 Ao afundar no belo mar, Ratambufe plantou o espanto, a admiração, as crenças e descrenças. Ainda resta hoje, cada vez mais forte,  um boi encantado pelo mar que serve como fonte de inspiração aos nossos cantadores e contadores da cultura caiçara.
               

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

CAUSOS DO FIM DO MUNDO

Nossas tardes no BAMBU, depois do delicioso pirão. 


                Para aproveitar bem o fim do mundo, recordando partes importantes do nosso acervo cultural caiçara, eu recomendo, do amigo Júlio...

                A lenda do Boi de Conchas (I)

                O filhote do boi Marujo com a vaca Sereia, nasceu no dia 29 de junho, dia de São Pedro Pescador. Ao ver Cipriano, o bichinho deu um mugido parecendo som de ratambufe, um instrumento tipicamente ubatubano, misto de percussão e de fricção, inventado na década de 1940 por Domingos Anagro para se divertir no carnaval.
                - Ratambufe! Esse mugido, parecendo o ratambufe do Domingos, será de onde vem o seu nome. Você é forte, bonito e tem jeito de ser um bom carreador! Já que nasceu no dia de São Pedro Pescador, vou leva-lo para conhecer o mar! Você vai ver que beleza é o mar! Está ouvindo, Ratambufe? O recém-nascido bezerro, parecendo entender, fitava a promessa do velho Cipriano, seu dono.
                Ratambufe era um boizinho quase que inteiramente branco, apenas o rabo era preto, com destaque a uma mancha preta na testa com formato de concha.
                Cipriano era um tropeiro do Bairro Alto de São Luiz do Paraitinga que comercializava em Ubatuba. Descia e subia a serra semanalmente trazendo queijo, farinha de milho, carne seca, carne de porco e também animais como cavalo, boi, galinha, pato, cabrito e porco. Dentre os produtos que levava estavam banana, peixe seco, sal e farinha de mandioca.
                Ratambufe foi crescendo e ouvindo as promessas de que seu dono iria lhe mostrar  o mar. O que seria o mar? O que seriam as gaivotas, as conchas, os peixes e os guaruçás que Cipriano tanto falava?
                Ratambufe cresceu ouvindo falar do mar e das coisas do mar... Para Ratambufe o mar seria o céu, o paraíso.
                Dois anos se passaram. Ratambufe era o mais lindo animal de Cipriano. Era um boi forte, robusto, inteligente, mas o que mais importava era o seu peso, as suas arrobas. Aquela conversa de mar, na verdade, era “conversa pra boi dormir”. Cipriano, como bom comerciante que era, tinha na verdade outras intenções: desceria a serra com o boi, indo direto para o matadouro, venderia a sua carne e ganharia um bom dinheiro.
                O matadouro ficava no final da rua Coronel Ernesto de Oliveira; final também da rua Alfredo de Araújo. No mais tardar, o boi chegava ao meio-dia.
                -É amanhã, Ratambufe! Amanhã você vai conhecer o mar!
                Assim aconteceu. No mirante da serra, no Descanso do Tuniquinho, pela primeira vez Ratambufe viu o mar. Lá de cima da serra avistou aquela imensidão de águas azuis.
                - Tá vendo, Ratambufe? Lá é o mar! Lá estão as conchas, os peixes e as sereias! É lá que mora São Pedro Pescador! Falava Cipriano ao seu animal. Ratambufe parecia entender, e, completamente hipnotizado, não tirava os olhos daquela imensidão de águas azuis bem brilhantes com os raios de sol.
                - Calma, Ratambufe! Você vai ver o mar! Caaaalma! Fez Cipriano mais esta última promessa a seu boi.
                A descida da serra foi tranquila, por entre grotas e cachoeiras, sob sombras de manacás e bicuibas, ao som de arapongas e tangarás... Coisas que Ratambufe, em seus dois anos de vida, nunca tinha apreciado. O animal parecia ansioso, fazendo a tropa acelerar o passo.
                - Caaaalma, Ratambufe! Está chegando! O mar não vai fugir! Alertava Cipriano.
                Cipriano se arrependeu. E se arrependeu muito!

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

BODAS DE PRATA

Bons tempos!

                Neste dia 19, estarei em sintonia com o Clementino e a Cidinha. Afinal, há vinte e cinco anos eles se assumiram, trouxeram suas filhas ao mundo e estão firmes, comemorando a cada ano o aniversário de matrimônio. Viva os dois! Viva toda a família!
                Para eles, celebrando  bodas de prata, ofereço a poesia do Zezinho, um poeta da Praia Grande lá do começo da década de 1980, do tempo em que a tão lotada de hoje era apenas um mundo de areia, com araçaeiros, manacarus e goiabeiras a fazer a nossa alegria enquanto admirávamos o mar bravio com seus desafios aos primeiros surfistas de Ubatuba (Guran, Pathik, Ney, Saulo, Pedrão, Joca e outros assediados pelas cocotinhas). Ainda era conhecida como Praia Grande da Vila ou Praia do Bonde, devido a um vagão de trem estacionado no areal próximo do seringal (que hoje passa imperceptível  no morro). As casas não passavam de seis ou sete. Uma delas era onde moravam o Milton "Zé Carioca" e a Fátima, os  nossos colegas de escola. De tão vazio aquilo ali, o "Velho Rita" dizia que era um lugar ermo.

                Do Zezinho...
                MOINHOS DE VENTO

                Moinhos não falam
                Trabalham
                Moinhos não ferem
                Produzem
                Moinhos não quebram
                Têm que ser indestrutíveis
                Moinhos não andam
                Esperam
                Parados
                Às vezes esquecem
                Do mais importante:
                Que o vento
                Tem de continuar soprando.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

O PRÊMIO DO ROGÉRIO


Rogério e parceiros do fandango caiçara

        Um dos textos mais acessados do blog  é o FANDANGANDO, onde eu descrevo a atividade do professor Rogério Estevenel na escola, incentivando os alunos a aprenderem a dançar o fandango caiçara. Ou seja, possibilitando às novas gerações a continuidade de uma tradição, a alegria genuína  de nossa gente. É muito legal essa disposição contagiante do nosso caiçara do canto direito da praia das Toninhas,  ou das Estonhinhas, conforme diziam os antigos.
                Não é de hoje que o jovem professor está engajado nessa missão. Porém, no nosso município (Ubatuba), nunca recebeu o reconhecimento que  merece.  Agora, tendo levado neste ano a sua empolgação e apresentado na rede pública municipal de educação na cidade vizinha (Caraguatatuba) o seu projeto, veio o reconhecimento merecido. Na semana passada saiu o anúncio: ele foi o vencedor do melhor projeto em 2012. A primeira alteração será no salário, mas outros agrados vêm na sequência, como consequência. Viva o Rogério, o neto da dona Gertrudes que, a cada ano,  acolhe a Folia do Divino com tanto esmero!

                A minha questão, sobretudo aos líderes políticos deste recanto litorâneo:
                - Quando eles entenderão que, neste pedaço do litoral brasileiro, existem muitas crenças e valores culturais que têm uma função de conservação?

                   Eis o texto publicado no O Guaruçá:

Com o projeto O despertar de uma cultura! O fandango caiçara idealizado pelo referido professor (Geografia/Turismo) com alunos do 6º D, 7º A, B, C, D, E e F da EMEF Antonia Antunes Arouca - Massaguaçu puderam através de uma sondagem inicial constatar a presença do fandango caiçara em terras dos bairros da região norte de Caraguatatuba, sendo então o estopim para planejar tal projeto, que teve por objetivo avaliar o potencial do patrimônio imaterial cultural caiçara que ainda permanece nos bairros da região norte do município de Caraguatatuba, além de apresentar novas faces para desenvolvimento do turismo cultural visando o resgate, a preservação de tão ricos valores culturais de modo que alunos e moradores se sensibilizassem para a importância de se preservar as tradições de um povo que ora se aparenta adormecida, mas que ainda vive a atua na vida de muitos caiçaras o projeto mostrou aos mais jovens a dinâmica a qual ocasionou esse “adormecer” e propôs o “despertar” de um povo para preservação seus valores culturais.
Dentre atividades propostas no projeto tiveram entre outros: desenhos, músicas, oficina de fandango, construção de cartazes e painéis, entrevistas, passeios, apresentações e viagens; o conhecimento a cerca dos assuntos abordados puderam ser realmente absorvidos e transformados em uma conduta mais sensível quando aos assuntos de cunho cultural sobretudo àquela que vem do povo e de uma realidade tão especial quanto a da região abrangida pelo projeto: o Massaguaçu, o caiçara e o fandango”.
As experiências vivenciadas tanto pelos alunos quanto pelo professor e demais participantes reforçaram a idéia de que um resgate histórico-cultural de uma comunidade é possível e viável desde que haja apoio de todas as esferas além de profissionais com o domínio de causa sobre a questão a ser analisada e adesão da comunidade o que em suma ocorreu de maneira eficaz e satisfatória no bairro de Massaguaçu a partir deste projeto.
Nesse sentido o professor Rogério Estevenel agradece a todos que de forma direta e indireta contribuíram para o pleno êxito deste projeto e que depositaram a confiança durante o período em que estava sendo executado e reafirmando o compromisso de incentivar as práticas culturais especialmente relacionadas ao fandango de modo que a comunidade perceba que o projeto não terminou e passe a valorizar mais o que lhe é mais pertinente: a sua cultura, pois “Povo que não tem memória, não tem nada para contar”.

domingo, 16 de dezembro de 2012

PRESÉPIO CAIÇARA

Detalhe: a pequena mais próxima do braço direito já era corinthiana.  (Arquivo  Kilza Setti)


                Começamos bem o Tempo do Advento: o tão esperado livro da Tia Helô se fez entre nós. Aleluia! (O Ercias me disse que já começou a ler e está gostando muito). Não pude ir ao lançamento, mas pretendo adquirir o mais rápido possível essa preciosidade.
                Hoje, quem nos conta outra mensagem propícia desse tempo é a amiga Fátima de Souza, a nossa caiçara que tem um pé na Praia Dura (é neta do finado Salvador Carlos, o inspetor de quarteirão) e outro no Itaguá, no tronco do João de Souza, o nosso saudoso contador de causos caiçaras. A sua narrativa permite, sobretudo aos mais novos e aos migrantes, saber que aqui já sofremos injustiças e muitas formas de violências por conta das terras ocupadas pelos antigos caiçaras. E digo mais: elas continuam acontecendo! O desafio é querer enxergá-las e não aceitá-las com passividade, como algo normal e inevitável. Afinal, a exegese bíblica diz que ter boa vontade é não compactuar com as injustiças, é praticar a caridade. Aproveitemos, então, o talento da Fátima!

              Dois mil anos, ou quase chegando lá, o mundo da robótica, financiada pelo capitalismo, serve de cordão de manejo dos seres humanos que por comodismo e ganância estão deixando de praticar um sentimento chamado amor ao próximo.
                Parece que  muita coisa não mudou até então.
                O poder é o ápice da vivência. Acumular bens materiais é a tônica para exibir status, é a ideologia para poder viver, é oxigênio para poder existir. Numa época de Natal, o Inspetor de Quarteirão remendava a rede de pescar no terraço da casa da Folha Seca. Eu, admirada com seu trabalho, ficava a escutar suas histórias. Uma delas era sobre o nascimento de Jesus que agora, ao relembrar sua narrativa, tomo a liberdade de traçar um paralelo, ou então plagiar este tão belo acontecimento.
                - Um dia, Herodes da Especulação Imobiliária, querendo ser o único dono e mandatário das límpidas águas, cinematográficas praias e costões de um bairro situado no litoral, ordenou que perseguissem e se preciso (em caso de “reação”), liquidassem possíveis herdeiros provenientes de ruínas anteriores. Uma gente que a seu ver não progredia muito. Tudo o que tinha, dividia. Hospedava qualquer um sem perguntar sua procedência. Uma gente que atravancava sua visão de futuro. Um usuário que não sabia que seu chão valia tanto quanto as Minas do Rei Salomão. Um povo cuja cultura e costumes iam “enfeiar” todo seu projeto para o local.
                De noite para o dia, o recato de Maria e José, que moravam nesta área, tomou rumo do sudeste. Capangas chegaram, denominando-se Força Bruta, Extorsão, Ludibriação, Roubo, Escambo e outros mais. O desespero venceu. Mais forte que o apego à terra era o filho que Maria esperava. O jeito foi partir para algum lugar onde, com segurança, ele poderia nascer para, um dia quem sabe, retomar a causa que por hora parecia perdida. José desceu a canoa, aconchegou Maria dentro dela, recolheu alguns apetrechos num samburá e partiu.
                Em meio à jornada, Maria sentiu as primeiras dores do parto. José rumou à praia que a frente avistava. Já em terra, deparou com uma casa nova e bonita. Pediu auxílio. Era noite. Meio assustado, o caseiro disse-lhes que não poderia ajudá-los, pois o patrão não iria gostar. E assim, sucessivamente, a mesma resposta era dada.
                Exaustos, avistaram no canto da praia alguns pescadores fazendo os preparativos para o arrastão. Apertaram os passos, fazendo com que Maria cambaleasse várias vezes na areia.
                A acolhida foi simples, mas calorosa. E na passagem da data, o céu salpicou de estrelas cintilantes, e, a mais iluminada “Cadente”, chamada Dalva, indicou como uma flecha de luz o ranchinho, onde uma canoa improvisada de berço, e redes branquinhas de colchão, ostentava um divino menino que acabava de nascer. O mar bramia manso como cantiga de ninar. As aves marinhas faziam revoadas e coro para a sinfonia da brisa.
                Atraído pelo esplendor do acontecimento, outros pescadores vieram render suas homenagens trazendo conchinhas coloridas, peixes fresquinhos, algumas roupas de seu uso para agasalhar a criança da friagem da madrugada. Neste momento, com certeza, o anjo do Senhor declamava:
                - Paz na terra aos homens de boa vontade!

sábado, 15 de dezembro de 2012

O CHAPÉU NOSSO DE CADA DIA

A nossa turma da apicultura não pode nunca ficar sem chapéu!


                Houve um tempo em que o chapéu, esse produto cultural tão antigo, era indispensável para se sair de casa. De dia ele nos protegia das chuvas finas e dos raios solares, “para não esquentar os miolos”; nas noites a proteção era contra o sereno, a friagem natural que podia deixar resfriado, “capaz de ficar constipado”.
                A produção de chapéu era artesanal, com as mulheres se esmerando entre palhas de junco, de brejauba, de bananeira e outras matérias-primas do nosso entorno. Não era incomum avistar, geralmente nas salas das casas, as “bolas de tranças”.
                As tranças eram feitas a partir de material devidamente preparado, ocupando os momentos de descontração, enquanto proseavam. Depois era só costurar as bordas, no sentido de dentro para fora, usando fios resistentes, de preferência os de tucum que davam um perfeito acabamento.
                De acordo com a tia Maria Mesquita, fazer tranças para vender nos barcos de cabotagem  era uma alternativa econômica: “Rendia um dinheirinho que permitia a gente comprar cortes de fazenda para as roupinhas das crianças, para fazer vestidos”.
                Homens e mulheres saíam pelos matos coletando, principalmente as palmas novas de brejauba. Se precavendo contra as cobras peçonhentas, os caiçaras esfregavam alho nos braços e nas pernas. Depois murchavam a palhada no terreiro, de preferência sobre pedras, e, mão à obra. Um recurso para manter o chapéu no tom amarelo vivo era abafá-lo no enxofre queimado. Quanto charme num desses chapéus!
                Interessante era ver as pessoas tirarem suas coberturas ao se cumprimentarem, ao pedirem ou darem suas bênçãos ou simplesmente para mostrarem suas cabeleiras bem arrumadas e devidamente mantidas pelos chapéus. Nas igrejas ninguém entrava de chapéu na cabeça.
                O filósofo Jean-Paul Sartre escreveu este detalhe a respeito de outra utilidade do chapéu: “Você botava as madeixas dentro da copa e já nem se sabia se ainda tinha cabelos”.
                Na cidade vizinha de São Luiz do Paraitinga existe o Rio do Chapéu. De acordo com os relatos de cronistas de outros tempos, ali funcionava a famosa Fábrica de Chapéus, de onde descia regularmente uma tropa de burros com seus produtos a serem escoados pelo porto de Ubatuba. Essa tropa chamava a atenção pelo tom claro que se destacava de longe entre o verdor da mata, na nossa Mata Atlântica. Era a “Tropa branca”.
                Agora é a vez dos bonés.

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

O NOSSO MAR



A pequena Fabiana ainda teve o privilégio de se banhar na praia limpa do Itaguá.

                Em O Guaruçá, o meu amigo Júlio, um colega de ginásio que desde aquele tempo já era muito animado para tudo, escreveu um texto bem característico do seu perfil (alguém preocupado com a qualidade de vida em Ubatuba e com a cultura caiçara).               Dentre outros aspectos, chamou-me a atenção a questão da mortandade dos sapinhauás (marisco da praia) na praia do Itaguá. 
                Na metade da década de 1980, próximo da desembocadura da Barra da Lagoa, onde hoje se localiza o aquário, um dos pontos de turismo permanente da cidade, estando eu andando pelas areias, notei muitos caranguejos do mangue (guenzos) mortos e longos trechos de sapinhauás nas mesmas condições. A praia fedia demais! Na mesma hora, parando junto ao saudoso Florindo Teixeira Leite e seus camaradas de rede, escutei o desabafo do pescador caiçara:
- O que tá matando os guenzos e fazendo montanha de sapinhauás na areia da praia é o batedor de bosta do prefeito. É isso, Zezinho! Só pode ser isso! Desde quando começou a funcionar aquela porcaria que chamam de estação de tratamento de esgoto, na outra margem da barra, quase de frente com a barraca do Wilson Xavier, nós notamos o sofrimento desses coitados. Isso é pecado! E o fedor? Passe por ali logo depois do almoço que você vai entender bem o que lhe digo. Na água limpa, onde tem tantos siris, robalos e guaiviras, de repente é despejado no meio do mato do mangue  aquele caldo marrom. Aí o fedor empesteia tudo. Você não tá vendo aí no lagamar essa quantidade de feijão ainda na massa? É tudo bosta envenenada! Nem garoçá come essa porcaria! O culpado é o prefeito que montou aquilo de qualquer maneira. Que tratamento tá sendo feito?  A bosta só é batida e despejada para chegar ao mar. Até quando isso vai continuar?
Já naquele tempo pensei no período joanino, no Brasil de 1810, quando, por questões higiênicas, havia escravos especialmente escalados para carregar as barricas de fezes dos senhores e despejar nas águas da Baía da Guanabara. Disso resultou os “tigres” (negros com pele manchada devido as doenças contraídas pelo caldo que escorria por seus corpos).
Foi a fala do querido pescador que há tempos nos deixou, juntamente com algumas observações recentes que me faz discordar do Júlio, quando ele escreve que o mesmo fenômeno ocorrido naquele tempo está acontecendo agora e que o motivo é o aquecimento das águas oceânicas.
Não. O que está causando mais uma vez a mortandade dos sapinhauás é o esgoto mal tratado da Praia Grande, que chega à Baía de Yperoig, afetando os seres que nela ainda sobrevivem, via rio Acarau. Caso queira comprovar, sinta a fedentia próximo do trevo da Praia Grande. Ou busque essa oportunidade sobre a pontinha do Acarau, bem no centro comercial do Itaguá, ali na rua Capitão Felipe.
                Só não sei porque os moradores e comerciantes locais não se manifestam nesse assunto. No texto que enviei ontem para  publicação local, fiz as seguintes perguntas:
1-      Quais compromissos têm os poderes constituídos responsáveis pelo nosso meio ambiente?
2-      Por que não é realizado um verdadeiro tratamento dos esgotos de Ubatuba?
3-      Onde está a Cetesb, a Sabesp e tantos outros órgãos que se dizem atentos à qualidade de vida para todos?
4-      Como vai ficar essa situação assim que chegarem os turistas?
Enfim, agradecendo ao Júlio por externar as suas angústias e sonhos; querendo que mais gente se comprometa com a qualidade das nossas belezas naturais e com uma vida digna, encerro este com uma frase do grande poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade:
No mar estava escrito uma cidade”.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

ESTE MENINO VIVE DIZENDO HERESIA

Mestre Dito Fernandes também representa a religiosidade popular


                Esta frase é do saudoso tio Maneco Mesquita, um caiçara que se preocupava muito com a imagem, com a sua aparência pessoal. Explico melhor: nunca se viu ele sair de casa sem estar devidamente vestido (roupas passadas, sapatos brilhantes, chapéu impecável, lenço no bolso etc.). Nesse caso, ele se referia ao meu primo Fernando, só que não me recordo mais do contexto, porque foi que ele afirmou isso.  Só a palavra heresia me interessava. O tio Clemente foi o meu socorro.
                Com a paciência que lhe era peculiar, o titio, um santista devoto, me explicou que heresia era uma palavra grega; queria significar escolha, preferência para discordar de alguma coisa. Então eu deduzi que o Fernandinho, vulgo “Chico Pomba”, era alguém questionador.
                Mais adiante, outro tio – o Tonico – deu a segunda versão: heresia era um pensamento religioso diferente da doutrina da igreja católica. Herético era aquele que merecia ser perseguido e punido porque não aceitava os dogmas da Igreja Católica Apostólica Romana.
                O meu raciocínio neste assunto deu outros passos conforme eu cresci, fui lendo e estudando. As pesquisas históricas e a literatura me ajudaram muito. Foi quando eu passei a imaginar os meus antigos passando por apuros caso vivessem em outra época, próximo dos inquisidores e de seus tribunais que apreciavam a morte pela fogueira. O que seria das imprecações maravilhosas do Mané Bento? E as benzimentos da tia Aninha, da tia Maria, da dona Josefa, do Mané Mariano e de tantos outros? Como terminaria a tia Maria da Barra que ensinava o catecismo dizendo que Jesus tinha dois apóstolos por nome de Judas: o "Matadeus" e o "Carioca"? E o João Pimenta, o “incréu”, com o seu linguajar herético, que fim teria? Da religiosidade popular, então, nada seria permitido!
                Desconfio que muitos desses caiçaras se desesperariam em saber que uma tal de Joana D’Arc, depois de acusada de heresia, foi queimada viva em trinta de maio de 1431, na França. Nem sei se, devido ao isolamento no qual vivíamos, eles souberam que, em 1920, o papa Bento XV a declarou santa.
                Quantas heresias! Ainda bem!

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

NOUTROS TEMPOS

A ilha do Mar Virado que deu sustento a muitos caiçaras.


                Eu não alcancei muitas das coisas de que falavam os mais antigos caiçaras. Um exemplo é acerca das baleias jubartes que abundavam nossos largos em determinada época do ano.
                Apesar de serem baleias mansas, os pescadores temiam serem virados em suas canoas pelos enormes cetáceos. Afinal, “era em demasia, se tecendo por todo lado”, conforme o dizer da tia Maria Mesquita, esposa do tio Genésio, ambos naturais da praia da Fortaleza. São falecidos há décadas. 
                Creio que já contei do tempo em que as pessoas da praia da Fortaleza plantavam na ilha do Mar Virado. O motivo era as saúvas que devastavam tudo no continente. Então, a solução encontrada, desde outros tempos mais antigos, foi cultivar naquele lugar que apresenta sinais de ocupação humana de, pelo menos, dois mil anos, conforme pesquisa recente. Imagine a epopeia da travessia em pequenas canoas num trecho de mar onde, folgadamente, as jubartes se deliciavam nas brincadeiras!
                Hoje a praia da Fortaleza, de onde saíam os roceiros-pescadores em direção ao Mar Virado, é praticamente deserta de caiçaras. E as jubartes pertencem a outro tempo. Das lembranças  nasceu a poesia do Mingo:

                OS OLHOS TRISTES DO JUBARTE

                Os padrinhos da tia Maria
                estavam pescando
                no canto do Cambiá
                quando emergiu o jubarte
                coladinho com a canoa
                e quase matou o homem de susto
                ao ver-se refletido
                nos olhos imensos
                do mamífero gigante,
                de inexplicável tristeza,
                parecendo antever o futuro
                dos caiçaras da Fortaleza.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

TEMOS DE SABER?


                Sempre tem alguém, geralmente adolescente, que faz esta pergunta (do título) assim que aparece um tema novo.  Eu respondo prontamente que é melhor saber do que continuar na ignorância.
                Continuar na ignorância, além de ficar alheio às implicações de um assunto, também contribui para aumentar a massa manipulável, que beneficia apenas uns poucos.
                Fiz esta introdução apenas para abordar o conceito de hotspot, criado em 1988 pelo ecólogo inglês Norman Myers, cuja definição é de ecossistema que cobre uma pequena parcela da superfície da Terra, mas abriga uma alta porcentagem da biodiversidade global.
                De acordo com o Conservation Internacional do Brasil, no mundo as áreas de hotspots são 34 e podem ser considerados “prontos-socorros da biodiversidade”. Dois deles ficam no Brasil: Cerrado e Mata Atlântica. Portanto, o nosso município (Ubatuba) compõem-se num hotspot.
                Talvez alguns dirão: “E eu com isso?”.  Santa ignorância!
                Ideal seria se os políticos, sobretudo aqueles que estão nos representando agora, aprendessem mais desse conceito e de outros, participassem de cursos de educação ambiental e buscassem, via legislação, inclusive internacional, a parte que nos cabe receber e cumprir como membros de um hotspot.
                Eu creio que a cultura caiçara ainda tem muitos aspectos para contribuir em direção a este foco denominado de hotspot.

sábado, 8 de dezembro de 2012

RUMOS DA EDUCAÇÃO E DA CULTURA


Que tal uma linda canoa para remar e manejar as ilusões?
 
                  Olá, Clementino! Seja bem-vindo! 
               Andando entre os espaços de uma sala de aula, além da sujeira, os alunos deixam as suas mensagens escritas. Geralmente, entre muita sujeira,  as carteiras têm desenhos, nomes bonitos e feios etc., sempre permitindo algumas  conclusões. Numa delas, após o nome de uma adolescente negra, foi acrescentada a denominação “La pretita, la carvone”.
                Ao querer puxar um assunto a respeito disso, percebi que os alunos recusaram a  se enveredar na polêmica. Deixei passar. Espero outra oportunidade. Então, continuando um exercício, ouvi o seguinte:
                - Sabe, Ju! A minha mãe trocou, de novo, de celular. Ela não gostou daquele outro. Diz que prefere um do modelo que funciona com toque na tela. Agora está dizendo que, no próximo mês, vai comprar um tablet.
                A adolescente que se refere à mãe aparentemente é pobre e passa necessidades. Digo isso porque, ao chegar à escola a cada dia, ela vai logo em direção ao lanche que é servido no começo do período, pois se trata de uma escola pública, num dos nossos bairros periféricos, onde as situações de miséria são evidentes (lixos acumulados por todo quanto é lado, inclusive na mata ciliar, esgoto a céu aberto, barracos e cortiços, falta de espaço de lazer etc.).
                O que concluir deste breve relato? Que lições tirar para aperfeiçoar a nossa cidadania?
                Muito dirão:
      - Que merda!
                Bié, o barbeiro, depois de ouvir o meu relato, só disse isso:
     - É assim mesmo, Zé! O mundo é abarrotado de ilusões. 

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

ACERVO CULTURAL

Aqui nasceu a Creche Francisquinho, em 1982 (Estufa - Ubatuba)
          
         Bem-vinda, Joana Briet!
Até  bem pouco, a nossa cidade – e o nosso povo!  -  estava isolado, com um mínimo de contato com outros lugares e outras mentalidades. Até mesmos os diversos núcleos de ocupação humana tinham um maior relacionamento. Os encontros mais abrangentes se davam nas antigas festas religiosas. Consequentemente, era preciso muita criatividade para superar as necessidades. Disso resultou o acervo cultural que nos resta, cuja tendência é desaparecer após o advento das interligações viárias que apresentaram o turismo como a atividade econômica por excelência. É isto: o contato com as modernidades tecnológicas vai massificando, querendo que todos sejam iguais para consumir os produtos industrializados, garantindo assim os lucros para uma minoria. É o que põe em risco um saber de muito tempo, surgido de vivências concretas em um contexto ambiental muito particular (entre a serra e o mar).
                Eu tive a felicidade de ser criado na transição, quando as comunidades das praias e sertões ainda viviam no modo antigo, com mínimas interferências dos valores turísticos e migratórios no cotidiano. É por isso que defendo a documentação dos muitos aspectos da cultura caiçara localizada neste chão de Ubatuba.
                Deixemos expressar as pessoas que ainda recordam do nosso lugar em outros tempos. Aprendamos das  técnicas e dos conhecimentos que permitiam a resistência às tamanhas adversidades. Redescubramos um ritmo de vida simples que, mesmo nas dificuldades e austeridades,  garantiam mais liberdade e felicidade.
                Eu desconfio que as crises da modernidade e o desgaste do planeta levarão à descoberta  desses conhecimentos, dessas alternativas mais antigas para repensar os nossos hábitos. Nesse sentido, já dizia o Leonel, paratiano de Mamanguá: “Canoa é barco de pessoa, que não gasta petróleo”.
                Canoa lembra pescaria, lembra os conhecimentos antigos desde a escolha da madeira até as labutas de pescador caiçara. Faz recordar também as disputas como tanto gosta de descrever o amigo Júlio Mendes. Também consegue trazer à lembrança  a etnomatemática a partir de suas medidas (da canoa, lógico!). Quem explorou isso foi o Gilberto Chieus, um ubatubano que fez carreira como matemático na Unicamp, bem longe da sua Fazenda Velha e do lagamar. Agradável surpresa foi receber, ontem, uma comunicação dele prometendo mais material para ser publicado para todos nós. Aguardamos!

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

CANOAS, REMOS E BRAÇOS


          O meu amigo Júlio está em consonância com a minha prima Joana. Ambos são caiçaras que se encantam com as manifestações que marcam a nossa cultura.
          A Joana, no dia seguinte, logo cedo, me procurou para narrar com muita empolgação um evento, ou seja, a regata de canoas que ajuntou tanta gente na praia do Ubatumirim. Porém, antes que eu escrevesse alguma coisa, dos sentimentos do filho da dona Alcina e do Isaías, o alfaiate, saiu esta joia.

E mais uma vez a tradição caiçara prevaleceu nas terras do Tamoio Coaquira e fazendo jus à região de muitas canoas, Ubatuba realizou mais uma prova de canoagem na praia de Ubatumirim. Semanas antes foi na praia da Barra Seca. E o fortalecimento dessa tradição e modalidade vem naturalmente acontecendo em função da vontade dos caiçaras pescadores e canoeiros, por parte das associações de bairros praianos, comerciantes e municipalidade.
Bacana! A festa, além de tudo, está se transformando num atrativo turístico. Vale a pena comparecer, prestigiar, participar, ver a emoção, a força, a luta e disputa entre os canoeiros que, com suas canoas, vêm de várias praias: Fortaleza, Enseada, Ribeira, Sete Fontes, Itaguá, Barra Seca, Perequê, Ubatumirim etc. A prova tem várias categorias envolvendo homens, mulheres e crianças que, em canoas, remam de um a quatro remos.
Duas coisas já são marcantes nesses eventos: uma é a presença do locutor Élvio Damásio que, com todo seu conhecimento e trejeitos, dá um toque caiçara num show de narração; a outra é a premiação que, em vez de troféus industrializados, são artesanatos que representam a nossa cultura. Ah! E o vidro de Biotônico Fontoura, que de forma satírica é entregue ao último colocado de cada categoria, para que os mesmos tomem e se fortifiquem para disputar a próxima corrida de canoa.
Parabéns a todos os canoeiros remadores de Ubatuba, aos organizadores e patrocinadores que mantêm viva a tradição.
Canoa minha de todo dia
Dorme no rancho da prainha
Acorda ao cheiro da maresia
E sobre o rolo de cacheta
Desliza ao lagamá
E beija o mar
E ao mar se lança
Seguindo meu pressentimento

Canoa minha de todo dia
É companheira de pescaria
De trajetar minha farinha
E me leva na praia da escolinha
Pra eu namorar a professorinha.
(FONTE: O GUARUÇÁ)

sábado, 1 de dezembro de 2012

ECOS NA PRAÇA

Que tal encher as árvores de nossas praças de orquídeas?
                
                O colega Antonio, homem do interior paulista que há alguns anos chegou ao nosso litoral, após ler aquilo que eu escrevi a respeito da nossa Praça Exaltação da Santa Cruz, a “Praça da Matriz”, fez o seguinte comentário:
                - Talvez essa praça tenha sido alegre quando você era mais jovem, né, Zé? Atualmente, me parece, ela tem uma ponta discreta de horror. Isto não é um privilégio só dela. Em outras cidades também têm quadros assim (medonhos). Faz-me lembrar um personagem de Sartre [o filósofo francês Jean-Paul Sartre] com a seguinte frase: “As minhas lembranças são como as moedas da bolsa do diabo: quando a abriram só encontraram folhas secas”.
                 É isso mesmo! Por isso que estou apreensivo em relação ao projeto do Museu Caiçara em torno do resgate cultural da Praça Treze de Maio. Imagino cenas se reconstituindo, imagens e fragmentos de imagens correndo em nossas direções. Vejo como um dos produtos do evento um saldo onde recordações e ficções se embaralham. Recomendo que mais pessoas entrem em contato com o Julinho, o encaminhador deste projeto.
                Assim como eu, creio que a maioria das pessoas se encanta em ver as imagens de outro tempo em fotografias e cartões postais. Elas permitem “descobrir” aventuras inimagináveis em coisas que, aparentemente, estão no ordinário. Ou seja, como “acontecimentos que saem do ordinário sem ser necessariamente extraordinários”.
                Os textos de quem viveu intensamente a proximidade cultural com um lugar, com o povão, também me encantam. Por isso que estou aguardando há anos um livro de memórias prometido pela professora Heloísa, a “Tia Helô”, uma taubateana que veio quase adolescente viver em nosso município. O amigo Ivan disse que, finalmente, o tão esperado será lançado agora, no mês de dezembro. Será mais uma oportunidade de descobrir e redescobrir a nossa cidade e o nosso povo. Digo isto porque essa querida professora não se cansa de afirmar, orgulhosamente, em poder ter vivido, graças a este chão (Ubatuba), tantas aventuras.
                Que venha o Livro da Tia Helô!