segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Zombie walk

                Os pagãos, conforme classificaram os líderes cristãos dos primeiros séculos da Era Cristã, estão mais vivos do que se pensa. Explico melhor: na semana passada, no facebook e outras vias, corria um convite para o Zombie Walk. Não me perguntem a origem, nem a iniciativa, mas funcionou! Prova disso foi um considerável número de jovens que se encontraram e fizeram a caminhada na noite de sábado para domingo (29/30 de outubro). Por volta das 5:30 horas, no primeiro ônibus que segue para Caraguatatuba, testemunhei o embarque de uma dúzia deles bem caracterizados (corpos pintados e roupas esfarrapadas tingidas de vermelho). Voltavam para um merecido descanso em seus lares. Faço questão de sublinhar que tais jovens se comportaram muito bem, sem aquilo de querer “zoar no espaço”, de desrespeitar os demais passageiros.
                Zombie walk é uma atualização de uma festa primitiva: o Dia dos mortos. Podemos dizer que é uma versão alternativa ao Halloween. Enfim, isso é tão forte desde sempre que, para contrabalançar tal costume, a Igreja instituiu o Dia de todos os santos precededendo o Dia de finados. Ou seja, estratégia para atrair aqueles de hábitos e costumes primitivos para a religião católica. O mesmo que imposição cultural.
                Vamos comemorar! Dia do Saci, dia dos mortos, dia do folclore, dia dos reis etc...etc... Tudo isso é cultura!

sábado, 29 de outubro de 2011

Balthazar e Benedicta

                Ontem, no seu aniversário, Ubatuba ganhou um importante presente: o livro Balthazar e Benedicta, de Maria Helena T.C. de Barros.
                O livro aborda os donos do Sobradão do Porto, onde funciona uma parte da Fundart. A autora é descendente do comerciante português que, no começo do século XIX, em pleno ciclo cafeeiro, fez fortuna neste município. Quer prova maior do que o edifício na entrada do rio Grande (a Barra dos Pescadores)? Vale a pena conferir, sobretudo porque é uma tiragem pequena (300 exemplares).
                O desafio lançado pela autora: “Vocês precisam escrever mais sobre esta cidade. O que foi produzido até agora é muito pouco pelo muito que ela representou na história do Brasil. Tem muito ainda a ser feito; essas coisas não podem ficar escondidas ou desaparecerem de vez!”.
                Em tempo: o meu interesse era ouvir mais alguém falando da Benedicta, pois dela só tinha ouvido aquilo que o Mané Hilário contou e eu publiquei neste blog em 30 de abril deste ano.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Luz negra

(Festival da Mantiqueira - S.F. Xavier)
                                Na semana passada recebi uma incumbência da minha filha: comprar uma luz negra para uma experiência científica da escola (“Professor pede  cada coisa!”).
                Passei na loja Santista centro da cidade. Lá tinha. Peguei o produto,  vi   o   preço         (R$ 34,50) e aguardei o atendente apreciando o produto. Foi quando chegou o meu amigo Girdo Chicapá, natural da praia do Lamberto. Depois dos cumprimentos, ele se admirou da cor da lâmpada e foi logo querendo saber: “É bonita! Nunca tinha visto isso! Pra que serve essa lâmpada negra? É escura mesmo?”. Expliquei-lhe na maior seriedade que aquilo era uma maravilha, pena que tenham demorado tanto tempo para ser inventada etc. Ele insistiu: “Mas serve pra quê?”. “Ora, Chicapá! Serve para um monte de coisas! Eu estou comprando porque preciso descansar durante o dia. Depois de instalada, no lugar da lâmpada comum, que serve para clarear o ambiente, basta tocar no interruptor e tudo vira um breu, escuro como a Mata Fechada, entre a praia da Raposa e o Saco dos Morcegos! É isso! Como se virasse noite!”. Admirado, o Girdo completou: “Então é boa mesmo! A gente economiza cortina na janela, não precisa se preocupar com nenhuma frestinha de luz! Noutra ocasião eu também vou comprar uma dessa. A mulher nem vai acreditar quando eu contar isso! Vai ser uma maravilha para aqueles momentos, de vez em quando no meio da tarde, quando a gente pega a namorar! Mas tá meio cara, né?”.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

“Se tem sanduiche?”

(Estevan/ 2010 - Eu sou menos eu)
                       Na semana passada a minha filha chegou gargalhando da aula de inglês. Logo foi se explicando:
            -Hoje a aula foi prática. Eu e a professora fomos a um ponto comercial, na área mais nobre da cidade, próximo do aeroporto. O lugar é aconchegante, tem uma variedade de serviços, sobretudo de doces. Como é de praxe, toda aula é só conversação. Ao sentarmos no gostoso local, quando uma garçonete veio nos atender, logo escutou o “Do you speak english?”. Na hora, toda solícita, ela retrucou: “Se tem sanduiche? Tem sim! Qual?”. “No,no. Speak english?”. Aí ela percebeu do que se tratava. Imediatamente adentrou por uma porta; outra pessoa veio nos atender. Essa falava bem a língua inglesa! Então tivemos um atendimento a contento.
            Narro isso pensando no finado Zé da Nhãnhã, natural do Perequê-mirim, mas trabalhava num restaurante na praia da Enseada.  Eu o encontrava a cada manhã em sua caminhada Para impressionar, o seu cumprimento era assim: “Fronkisting, tit gromitiriam, titi on cambrê. Ion tian!”. Nunca ousei saber o significado de tais palavras. Só restava rir e dizer: “Bom dia, Zé da Nhãnhã!”. Em seguida ele sempre tinha alguma história antes de continuar a sua caminhada para o trabalho.

domingo, 23 de outubro de 2011

Cuidados de filha


Minha avó Roberta contava a história de um farmacêutico que passava de carro pela estrada de terra na área rural de Guaratinguetá, numa terra chamada “dos Corrêa”, quando viu uma menina na beira da estrada pedindo socorro. Ela dizia que sua mãe estava tão doente que não conseguia se levantar da cama. O homem resolveu atender o pedido da menina e a acompanhou até a casinha simples, onde ele encontrou a enferma.
Chegando na casa, a menina, que tinha cerca de oito anos, ficou brincando do lado de fora enquanto o homem tratou de cuidar da mulher, dando-lhe os remédios que carregava consigo e instruindo-lhe para o tratamento. Ao sair, prometeu voltar em breve, despediu-se da menina e foi embora.
Dias depois, o farmacêutico visitou a mulher doente e a encontrou praticamente restabelecida. Não vendo a menina por ali perguntou à mulher: “E sua filha, não está aqui?”. “Não senhor, não tenho filha, sou sozinha”, respondeu, “Mas uma menina me trouxe até aqui...”. “O senhor está enganado, o morador mais próximo fica quase a uma légua daqui”, e assim dizendo foi até a cozinha buscar um copo de água. O homem, confuso, olhou em volta e reconheceu num retrato na parede o rosto da menina que o havia abordado no outro dia. “Aquela menina me trouxe aqui”, disse à mulher que retornava. “Impossível, essa é minha filha que morreu há dez anos. Rezo todos os dias pela alma dela e...” “E graças a ela a senhora está salva”.

(Escrito por Gláucia, por ocasião de seu mestrado em Linguística Aplicada - Unitau)

sábado, 22 de outubro de 2011

“Ai minha rede! Ai minha canoa!”

                 O meu avó Estevan (1908 - 1990), natural da praia da Caçandoca, sempre primou pela honestidade, nunca deixou de trabalhar e de ser justo. Pescava e labutava na roça, num tempo em que não precisava muito para ser feliz. Também, como muitos da sua juventude, foi trabalhar nos bananais da Baixada Santista.
                O deslocamento para Santos, há quase 300 quilômetros de distância, era feito a pé ou de canoa. (A foto mostra uma embarcação munida de traquete, que podia ser um alívio ao corpo em condições favoráveis de vento). Ia quem sonhava em ganhar um pouco de dinheiro, adquirir aquilo que o regime de subsistência baseado na troca não permitia ter. Podemos dizer que era uma situação muito semelhante ao que vivemos desde 1970, quando Ubatuba tornou-se o máximo para o turismo, atraindo tantos migrantes para a construção civil, sobretudo dos cantões mais pobres de Minas Gerais e dos estados nordestinos.
                Bem depois dessa experiência nos bananais , cujo produto servia à exportação (Europa e Argentina), vovô Estevan se viu novamente em busca de emprego que lhe rendesse mais que a lavoura e a pesca artesanal. A Petrobras começava as suas instalações na cidade de São Sebastião: era a nova chama, o “El Dourado” da época. Abrindo valas, aterrando mangue, conduzindo cargas de tubos, roçando e carpindo: eis o trabalho do vovô por  vários anos. Toda vez que passo pela aquela imponente estrutura no coração da cidade vizinha, penso no trabalho dele.
                Ultimamente tenho encontrado o Dito Campista, um ex-colega do vovô do tempo da companhia de petróleo. Ele me disse isto: “Eu era moleque ainda, mas tembém fui buscá emprego na companhia. Foi onde conheci o vosso avô que me ensinô muita coisa. O seo Estevo sempre que olhava pro mar dizia: ‘Ai minha rede! Ai minha canoa!’. O meu amigão sentia muita saudade”.


sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Viajando e respeitando

                “A vida da gente é uma passagem, uma viagem com ponto certo para desembarcar. E não tem como comprar outro bilhete para outro ponto”. Esta fala do vô Estevan me fez recordar de uma pessoa recentemente falecida: Jorge Matsuoka, que trabalhava, na minha infância como cobrador de ônibus. Ele tinha uma espécie de alicate que picotava o bilhete (a passagem) de acordo com o lugar de desembarque. Explico melhor: naquele pedacinho de papel existiam demarcações (limites) de distâncias: conforme o lugar pretendido (o destino) havia um preço. Então, numa viagem de Ubatuba a Caraguatatuba, havia espaços para serem perfurados em quatro pontos ou cinco diferentes. Quer dizer que a viagem tinha preços diferenciados e não somente dois preços como hoje (Ubatuba – Maranduba – Caraguatatuba).
                É impressionante a força das imagens. Consigo ver o Jorge, depois de tanto tempo, se equilibrando pelos corredores durante o trajeto, marcando passagens, dando troco e sendo simpático com todo mundo. E ainda: trazia um quepe e uma farda marrom. De igual modo se trajava o motorista. Lembravam os patrulheiros rodoviários, mas sem revólveres na cintura. O impressionante é que tem uns jovens da atualidade que, ao ouvirem isso a eles, dizem; “Que coisa mais atrasada!”.
                É coisa atrasada viajar pagando de uma forma mais justa, ter um cobrador em cada ônibus nos sorrindo, dando informações? E o que me dizem de um cobrador e um motorista com autoridade e sendo respeitado por todos os passageiros? Só em casos extremos o condutor do coletivo dava sinal para alguma “baratinha” (carro da polícia) ou estacionava direto em frente a delegacia, onde o engraçadinho ficava recolhido.
                Coisa maravilhosa para as crianças: viajar de ônibus, ocupar o lugar perto da janela. Ficar quase o tempo todo em pé para enxergar mais longe pela janelinha e ver as belezas que não nos cansam jamais. Tempo bom!
 Em tempo: nasceu, ontem, mais um sobrinho: o filho do Guinho e da Maria Inêz. Viva!

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Vida de ensino (II)

(Trindadeiros - 30 anos depois)
                Conforme eu já escrevi noutra ocasião, na minha infância os professores faziam um esforço maior para nos ensinar: muitos vinham de outras cidades, moravam nas pobres condições que tínhamos, tinham que improvisar os espaços e materiais etc. Porém, creio que o mais difícil era conquistar a molecada para ficar atento o período todo. Afinal, o mato e o mar nos cercavam e nos chamavam para aventuras incríveis. Recorrendo ao meu próprio exemplo: no primeiro ano, somente até o horário do recreio a escola me retinha; depois disso a tentação de brincar era maior e acabava vencendo: a natureza vencia a cartilha Caminho Suave e as aulas da professora Lúcia.
                A escola, no meu caso era perto, mas tinha gente que andava muito para estudar. Esse era -também!- um bom motivo para "deixar a escola". O meu primo Anginho, só para ilustrar, morava num alto de morro medonho e longe. Quase sempre faltava, sobretudo em dias chuvosos quando os escorregões eram inevitáveis.
                Apesar das adversidades, por muita insistência dos professores, nós fomos alfabetizados e aqui estamos para contar à posteridade o quanto valeu a existência da escola e dos conhecimentos básicos para alavancar outros sonhos de tantos caiçaras.
                Passou muita coisa... As condições são outras... Ficaram os professores com a mesma tarefa: educar para a evolução da cidadania!

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

“Tá russo!”

                Por um tempo fomos vizinhos, no Perequê-mirim, isso no início da década de 1970, do russo Viktor Kornílov, um tranquilo velhinho que deixou a sua terra logo após a Revolução Russa (1917).
                O seo Vito adorava pescar. A sua casa mais parecia uma ilustração de conto de fadas, com uma cerca viva maravilhosa. Ah! A sua edícula servia como oficina, de onde saíam engenhosidades fantásticas! Ele tinha uma embarcação (bote) tratada com tanto carinho que até dava para comparar a um membro da família. Desconfio que existe até hoje, preservada em algum lugar a servir de base para histórias aos seus descendentes.
                Foi convivendo com os caiçaras que o seo Vito aprendeu um monte de coisas, de nomes, de técnicas etc. Porém, o espírito brincalhão de vários dos meus antigos era muito forte. Tudo tinha que render algumas risadas. Assim, por exemplo, alguns nomes de peixes foram ensinados erradamente ao bondoso russo. Mira, um tranquilo peixe da costeira, passou a ser chamado de mierda; o carapicu tornou-se cara de... ; a sarambiguara provocava risos quando ele dizia orgulhosamente sarna na cara; o coitado do roncador virou coçador.
                Coitado do seo Vito! Nunca entendeu porque em muitas ocasiões, quando descrevia satisfatoriamente as suas pescarias, exagerando sempre um pouquinho mais como bom pescador, todos riam gostosamente das suas palavras. Imagine ele narrando: “Eu pescar, depois do Saco Manso, um peixe mierda que cansar demais. Ficar entocado no buraco preto da Pedra do Rendido”.  Só não digo o que rendia de graça o outro nome do coitado: o Kornílov.

sábado, 15 de outubro de 2011

Vida de ensino

                A professora Geni veio de Pindamonhangaba, na década de 1960, para exercer o magistério na escola mista isolada do Saco das Bananas, que funcionava na sala da casa do Luís Januário, no alto da praia do Simão (ou Brava do Frade). Nesse mesmo espaço, de vez em quando, aparecia um padre para a celebração eucarística.
                “Era outra época!”. A professora era acolhida pela família da casa como se fizesse parte da mesma; os outros moradores a ajudavam de muitas maneiras. Asseguro que precisava ser alguém com muito idealismo para encarar tamanha tarefa. Algumas dessas pessoas se aculturaram ao ponto de até ficarem por aqui, constituindo família com caiçaras. Alguns exemplos: Marilda e Nelson, Marilena e Zezinho, Jaci e João, Vera e Silvio...
                Na “escola do morro” era ensinado de tudo para todo mundo (desde regras de higiene até bordados). Foi por intermédio dessas devotadíssimas pessoas que nós, isolados caiçaras praianos, conhecemos nossos primeiros livros e autores.
                Hoje, passando por aquelas paragens desoladas, ao ver cada cava de casa com suas árvores frutíferas que resistem ao tempo, recordo-me dos moradores de outrora, quando os morros eram cultivados, peixes enchiam varais para a secagem e todo mundo se conhecia. No lugar da casa do Luís Januário, entrando na capoeira, encontrei uma ferragem de carteira escolar daquele tempo. Na peça fundida, Brasil é Brazil.
                Foi-se aquele tempo e aquela escola!
                Foram-se os acolhedores caiçaras!
                Ficaram os professores com a mesma tarefa: educar para a evolução da cidadania!

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

O canto da caxaca

(Arquivo Cruvinel)
                Num texto anterior (Coitada da perereca!), citei a importância do canto da caxaca, na cultura caiçara, como sinal anunciador de gravidez. Porque algumas pessoas pediram esclarecimentos, explico agora “essa verdade que faz parte da nossa cultura desde os tempos mais antigos”, conforme dizia a vó Martinha, a parteira. É assim: quando a caxaca (martim pescador) passava emitindo o seu som característico sobre o telhado era sinal, hora de se preparar, porque um bebê estava à caminho naquele lar. E não falhava!
                A mulher, após esse aviso especial, começava a preparar o enxoval: fraldas, alfinetes, talco, cueiro, cobertor, gorro, meias, muitas roupinhas de flanela. Também iniciavam as rezas para que a criança nascesse com muita saúde, fosse protegido por Deus, seguisse a religião etc. Outra preocupação era com o serviço de parto, com os acertos (contatos) com a parteira.             
             Desse modo, a cada novo ser comendo da fartura do mar e dos frutos da roça, assimilando o viver da família e da comunidade, criando a partir das necessidades, a cultura se consolidou com a participação de todos os nascimentos e chegou até aqui.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Da zona de confronto para a outra zona

                O campo de futebol do Perequê-mirim, no local onde hoje está um grande supermercado, era, sobretudo na década de 1970, a atração principal do bairro a cada domingo. O gramado era impecável; as marcações com cal estavam sempre reforçadas. E a torcida vibrava a cada jogo! Muitos amarravam o seu porre ali mesmo. Nisto ficaram famosos: Bambá, Zé Barrigudo, Tadeu, Bimba, Dito Preto, Rosa Louca, Satanás, Sapato Branco, Nerso, Bicudo, Caninha, João Cabral, Carpinteiro, Agenor, Fialho e tantos outros.
                Com essa turma e mais alguns agregados, marcaram uma partida de futebol. Zé Barrigudo preparou a bola. Foi uma das poucas vezes que vi isto: pedaços de sebo bovino eram derretidos no fogo e esfregados no couro. Logo "a pelota estava rolando" num hilariante embate: a turma corria, andava, tropeçava nas próprias pernas. Alguns “correram” o tempo todo sem saber a qual time defender ou atacar. Nem sei se saiu algum gol. Só sei dizer que a risada era geral.
                A partida chegou ao final por falta de fôlego e por "saudade de mais uma bicadinha" na Barraca do Tião Caçuroba, que ficava ao lado do Muquifo do Miguel Cabral. De repente, mesmo chumbados, alguns casais se dirigiam aos quartinhos. Somente Tião Mortadela, o sóbrio, estava em condições de dizer: “É sempre assim, depois do jogo deixam a zona de confronto e vão para outra zona!”.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

Coitada da perereca!

                Li um recorte de jornal recente abordando um método interessante, mas já desaparecido: o teste de gravidez Galli-Manini, realizado com auxílio de um sapo. A urina da mulher era injetado no animal: se o sapo produzisse espermatozoide, a gravidez estaria confirmada.
                Mas por que isso me chamou atenção?
                Porque, na minha infância, o meu tio mais liberal, que vivia desde a juventude em São Vicente e trabalhava na Cosipa, estava em férias e falava coisas inimagináveis no nosso recanto caiçara. Nós rimos muito naquela ocasião porque ele disse – e jurou ser verdade! – que existia “um exame para verificar se a mulher estava prenha ou não com a ajuda de sapo”. Imagine isso num tempo em que quem dominava nesse assunto era o canto da caxaca sobre o telhado!

sábado, 8 de outubro de 2011

Estourou, mas entrou na caçapa!

                Domingos, filho do Licínio Barreto, funcionário público do Departamento de Estradas de Rodagem (DER), aos domingos era juiz (árbitro) de futebol. Até uniforme da “LUF” tinha (para ser respeitado dentro de um limite, de acordo com as torcida). Foi ele que contou o seguinte causo:
                “Isso aconteceu logo depois da conquista do tri pelo Brasil, num jogo no campo do Puruba, um paraíso de borrachudos na boca da barra. O time da casa fazia uma partida decisiva contra o Recurso  (do Saco da Ribeira) e perdia por 1 a 0. No último instante, marquei um pênalti que beneficiava o pessoal do Puruba.
                Depois da bola ajeitada na marca, o atacante Dico tomou distância de 15 metros e aguardou o apito. Esperei o silêncio. Assoprei a ordem para o caneludo caiçara sair disparado.
                Que beleza! Foi um estouro!
                A bola arrebentada seguiu firme na direção do goleiro Cardo. Em fração de segundos adentrou pelo arco o couro e o capotão (câmara). Foi duplo frango! Eu validei o gol, ou melhor, os dois. O resultado se inverteu, o tempo acabou. O Puruba ganhou a peleja por 2 a 1.
                Depois de muitos xingamentos, inclusive à mamãe, o Recurso, através do técnico Paulo Sabão, apelou para outro imparcial juiz presente – o Daniel Sabiá. Este decidiu tudo com esta frase:
                ‘Estourou, mas entrou na caçapa! O Puruba é campeão da Taça José Zabeu. Viva nós, viva tudo, viva o Chico Barrigudo!’
                Depois foi só alegria com muita bebida e comida! Até escaldado de ostra tinha!”.

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O papagaio da dona Preciosa

                   Na minha adolescência convivi com a família Góis, que se deslocara da Enseada para o Perequê-mirim. A matriarca, dona Preciosa, companheira valorosa do seo Dito Góis, era como outra mãe para nós (eu, Fernando, Dominguinho, Dimas...). Ao lembrar-me dela, vem-me à memória o seu falante papagaio e o bravo cachorro chamado Radar.
         Todas as vezes que precisávamos passar pelo seu quintal, era necessário chamar a querida dona Preciosa para prender o cachorro. Um de nós gritava: “Dona Preciosa, o Radar tá preso?”.  Conforme a resposta dela vinha a ação da gente. Se fosse  “Tá. Podem passar!”, a gente prosseguia despreocupadamente. Mas de vez em quando precisávamos esperar. Em tais ocasiões ela dizia: “Esperem um pouco. Vou prender o Radar!”.
         Agora, a parte do papagaio: ele logo aprendeu a fala que era quase rotina; acontecia várias vezes de responder por sua dona. Era perfeita a sua imitação (“Tá. Podem passar!”). Acertava muitas vezes, mas também não foram poucas as ocasiões nas quais passamos apuros. Ou seja, a gente acreditava que era a fala da dona Preciosa dando garantias para a passagem, quando na verdade tratava-se de uma informação falsa do papagaio. E lá vinha o Radar desesperado em cima da criançada! Era um corre-corre danado!.

domingo, 2 de outubro de 2011

Pérolas de um recenseamento

                Em 1980, sob a orientação do senhor Alcir, eu fui um dos pesquisadores de censo demográfico (Censo 80). A área 13, compreendida desde o Itaguá até o farol da Ponta Grossa, ficou sob a minha responsabilidade.
                Foi fantástico esse trabalho! Descobri coisas, lugares e pessoas interessantes, dos mais distintos estilos (desde o Dito Correa Leite, mestre da dança da fita da comunidade, até a estrangeira Melica, uma sérvia que habitou essa terra). Fiz muitas amizades, dentre elas a do português Manuel, dono do Hotel Monteiro, próximo do campo de futebol. Escutei muitos causos do João de Souza, da dona Celeste Damásio... dessa caiçarada toda!
                Agora, a dona Melica:
                A sua simpática moradia de tijolos não pertencia ao meu setor; eu a encontrei por acaso, quando passava numa das ruas tranquilamente. Ela me chamou e perguntou se eu poderia trocar um botijão de gás que tinha esvaziado. Disse mais ou menos isso: “Sabe como é, né? O meu vizinho mais próximo é o Cristo da praça perdida no loteamento de mato!”. Naquela casa tinha muitos livros! Quando percebi que era estrangeira, quis saber mais. Veio da Bósnia, deixou sua cidade natal (Sarajevo) logo após a Primeira Guerra Mundial. Era uma criança quando chegou ao Brasil. Mais tarde, cruzando o caminho com um aventureiro ("um russo", de acordo com João de Souza) veio parar em Ubatuba, “um paraíso distante” no dizer dela.
                Apaixonada por plantas, seu quintal ostentava as mais diversas orquídeas da nossa mata. De acordo com a própria personagem, “uns meninos sempre trazem as espécies do caxetal ou da Jundiaquara; eu recompenso bem o esforço deles”. Para encurtar o causo, à minha demonstração de interesse pelos livros, ela contou: “Um dia, na minha terra de origem, o meu pai era professor universitário. Hoje vivo feliz aqui. A minha amiga de conversas e estudos é a Virgínia [Lefréve], essa mulher batalhadora, preocupada em valorizar o artesanato e as relações tão simples dos caiçaras”. (Naquele dia eu ainda não conhecia a dona Virgínia, mas não demorou muito para encontrá-la em sua acolhedora casa, no bucólico canto do Acarau, vizinha do velho Alexandrino).