A prosa de hoje é uma passagem da vida da comadre Vitória, do tempo em que ainda vivia em sua terra natal, numa situação de pobreza, mas cercada de carinho e de contadores de causo. Ela nos recorda a capacidade inerente das crianças em fantasiar para suprir algo capaz de causar angústias. Note que não é apenas o bicho preguiça, o sanhaço e as formigas que se utilizam da nossa conhecida embaúba.
Vitória era criança de cerca de oito anos no interior de Minas Gerais quando isso aconteceu. A família pobre, com muitos filhos, não tinha condições de comprar brinquedos e ela vivia sonhando em ter uma boneca bem bonita, com vestido rodado, sapatinhos, cabelo encaracolado, rostinho delicado.
Todos os dias de manhã pegava sua caneca de café com leite, se sentava no degrau da cozinha e ficava observando o terreiro da casa. Mais adiante ficavam as árvores, e a que ela mais gostava de ficar olhando era uma embaúba alta com folhas grandes e viçosas. Olhando para a embaúba imaginava a forma da boneca com que sonhava, ali “via” perfeitamente a saia que balançava, os cabelos, cada detalhe...
Uma manhã dessas em que estava concentrada nas folhas da embaúba, desenhando o rosto da boneca, ficou subitamente paralisada: a boca da boneca se abriu num sorriso sarcástico, mostrando os dentes afiados. Os olhos da boneca a fitavam assustadores e ela ouviu uma risada estridente que veio se perdendo no vento. Saiu correndo apavorada, gritando pela mãe que foi logo examinar a embaúba. A árvore estava lá, como sempre, as grandes folhas balançando ao vento suave daquele dia, não havia boneca alguma... “É só imaginação, filha”. Vitória jura que viu... e não quis mais saber de olhar para aquela árvore.
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