O meu parente Mané Bento, famoso por sua capacidade de “ter tudo na ponta da língua”, respondia imediatamente e com uma elaboração muito boa a qualquer pessoa. Também era notória a sua repulsa ao trabalho. Por esta característica muitos não gostavam dele, mas nem por isso o maltratavam. Desse modo vivia bem, estava sempre visitando os outros, participando das rodas de causos e até puxando rede na praia. Ocasionalmente cultivava uma rocinha de mandioca. A sua morada ocupava um pequeníssimo espaço do jundu, na praia da Fortaleza.
Desse tempo que falo, há mais de cinquenta anos, a religiosidade estava centrada nos santos (interventores dos homens junto a Deus). Havia uma imensidão de santos e santas se tecendo entre a caiçarada, recebendo esmolas, promovendo festas nas capelas e casas.
Um costume caiçara desse tempo era, depois de terminar a semeadura ou o plantio de mudas e tocos de rama de mandioca, dedicar a nova plantação a algum santo (ou santa). Acreditava-se que, sob a proteção de uma santidade, haveria fartura, as formigas atacariam menos, etc. Afinal, era um tempo de menos tecnologia e estudos limitados de muitos problemas, num lugar afastado, isolado de centros desenvolvidos. Tudo era muito difícil. O jeito era apelar para o transcendente, viver sempre esperando pequenos milagres. Para encurtar o causo, o Mané Bento, dentro da tradição, ofereceu a sua roça a Nossa Senhora, a mãe divina.
A roça de mandioca do meu parente ficava no caminho do bananal do Sul, perto do Dito Silidônio e Joaquim Sirvino. Não passou muito tempo para ser notório o mato encobrindo as bonitas ramas por motivos óbvios, em conformidade com o seu perfil. As pessoas se importavam, comentavam até o dia em que o meu avô Armiro perguntou se ele não iria carpir aquela “sujeirada”. Escutou a seguinte resposta:
- Eu não vou carpir coisa nenhuma! Eu dei a minha roça pra Nossa Senhora, não dei? Então, é ela que tem de carpir!
Ah! Ia me esquecendo! Foi esse meu parente que um dia, depois de falar sobre a briga entre os tupinambás e os portugueses, afirmou que "não restava muita coisa a um povo que tinha pela frente a morte ou a escravidão".
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