O tempo passa, as pessoas morrem, as coisas se acabam. Somente as lembranças podem ser eternizadas. Estas, ou são tristes ou são alegres, de heroísmos ou covardias, dizem respeito a muita gente ou somente a um pequeno núcleo. A minha função, a partir dos estudos e das conversas é de provocar reflexões, fazer a minha parte no processo civilizatório, fornecer pistas para que outros avancem nas pesquisas para entender melhor a realidade próxima e a humanidade. Assim, cada história, cada causo dos tantos causos que continuo escutando causa inquietação, pede para se espalhar em todas as direções, quer ser conhecido, discutido, criticado, etc. tal como o vento noroeste, tão constante na nossa realidade, a espalhar folhas e levantar poeira em todas as direções.
Conforme eu escrevi em outra ocasião, a partir de agora apresento ao público a história, cujo subtítulo bem que poderia ser A saga Patural. Espero não ser cansativo e quero apelar, principalmente àqueles que têm uma pequena noção geográfica do município de Ubatuba, para imaginarem o nosso espaço há mais de cinquenta anos e seus desafios onde “só o de comê tinha em fartura”. A presente narrativa logo completará uma década. Poucas modificações e alguns comentários se fizeram necessários para tornar a leitura mais agradável. Espero que gostem. Sempre aguardo os comentários que possam advir. É um prazer primar pelo diálogo edificante. Eis a primeira parte de um texto de farturanta nosso espaço hrincipalmente s direçalhar em
Devo admitir que há muito tempo tenho uma curiosidade pela “história do francês que caiu com um avião na serra”, contada pelos caiçaras mais velhos. Esta é a oportunidade. É com muito prazer que faço o relatório pautado, principalmente, nos meus “minúsculos garranchos”.
Após uma rápida acolhida nos acomodamos em torno de uma mesa para a entrevista, ou melhor, ouvir o depoimento de dona Sílvia. Ele vai tratar da aventura fantástica de um jovem casal de franceses que sonharam com uma fazenda exemplar na Sesmaria do Ubatumirim, em 1954, quando nem se sonhava com a abertura de estrada para a porção norte do município de Ubatuba. Para se chegar naquelas distâncias tinha duas alternativas: ou se arriscava numa canoa, ou se embrenhava pelos “caminhos de servidão”, subindo morro, andando em praias, atravessando rios, como era coisa comum aos caiçaras daquela época.
Em um primeiro momento foi explicado do porquê desta entrevista. A aplicabilidade de um projeto muito pessoal que resgata as raízes caiçaras, as diversas culturas que por aqui aportaram, visa contribuir com muitos aspectos da nossa história, inclusive o da preservação ambiental, pois vamos encontrar uma harmonia, uma convivência e uma preservação do espaço que só passa a sofrer profundas alterações após o advento do turismo. Então, se queremos apostar num futuro com turismo de qualidade, pois esta é a vocação potencial do município, devemos investir numa educação que permita revisões importantes em nossas condutas, principalmente culturais. E isso nós sabemos que não acontece num estalar de dedos, como se fosse mágica. Esta entrevista já é um dos frutos deste projeto. Atentemos às palavras da dona Sílvia.
“Nós não caímos do céu, de repente. A nossa vinda para o Brasil foi bem refletida, mas não deixou de ter uma forte dose de ousadia e coragem.
Meu marido fez, na França, um curso de Agronomia Tropical. Era uma escola para administradores e funcionários do Estado, com a finalidade de trabalhar na África, na Ásia, enfim, nas áreas que eram colônias francesas. Aconteceu que, com a descolonização, acabou tal finalidade. Porém, ele pretendia investir naquilo que aprendeu. Havia também o risco de ser convocado para a guerra (da Indochina). A solução era procurar outro país, começar outra vida praticando as habilidades adquiridas em agronomia e zootecnia. Por isso passamos a fazer uma avaliação dos países, de preferência com características tropicais, examinando bem todas as possibilidades. Pensamos no México e em outros, mas o Brasil nos pareceu mais interessante.
Passamos a outra fase, que foi de conhecer melhor o país: ouvimos palestras, assistimos ‘slides’, etc. Só sei que ficamos por dentro das culturas mais favoráveis (banana, café, cacau...) e das reais condições para um empreendimento agrícola no Brasil. Assim, no ano de 1948, embarcamos em Bordeaux e desembarcamos no porto de Santos.
De Santos, uma importante cidade portuária já naquela época, seguimos para a capital paulista. E, modestamente, por eu falar perfeitamente o italiano, pois era italiana de nascimento e, em nossa casa, mesmo estando na França, sempre falávamos a língua italiana, me saía muito melhor que o meu marido que, além do francês, só falava inglês. O italiano é mais compreensível aos brasileiros, né?
No início, para nos mantermos, começamos a dar aulas de piano e francês. É preciso lembrar que, naquele tempo, a língua francesa tinha um ‘status’ comparável à língua inglesa nos dias atuais. Logo nos encontramos com um patrício que se sensibilizou com a nossa situação e nos apresentou a possibilidade de irmos para a cidade de Taubaté, pois achava que não era uma boa alternativa continuarmos na cidade grande. Disse-nos ainda que nas proximidades de Taubaté e em outras cidades do Vale do Paraíba havia muitas fazendas, com possibilidades de realizarmos o nosso sonho. Assim deixamos a cidade de São Paulo.