quinta-feira, 9 de maio de 2024

ÉRAMOS JOVENS

 

Amanhecer caiçara - Arquivo Clóvis 

    Éramos jovens. Duas canoas estavam preparadas para nós: uma menor, para duas pessoas, outra maior que aguentava até o dobro com segurança. Dia de pescaria, de acordo com o nosso costume caiçara. Na embarcação menor fui eu e Fabinho; na outra foi o primo Zé Roberto e mais dois companheiros. O mar não estava manso, se apresentando muito enlodado. Embarcamos e rumamos em direção à costeira da Enseada.  De repente, reparando melhor, além da água turva, barrenta, o mar parecia estar farelado. Explico: uma sujeira fina corria junto, encorpava o lodo. “Que é isso?” - perguntou alguém. Foi o Zé Roberto que respondeu: “É farelo de serragem. Deve estar vindo da serraria, ali da outra praia”. Na hora eu imaginei o tanto de madeira serrada para produzir tanto material assim. “Eu já disse que o mar estava bravo, sem chance de pescar sossegado”. Se dependesse de mim a gente voltaria dali mesmo, adiava a pescaria, mas já sabemos da paixão do meu povo por pescaria, pelo prazer de remar e apreciar a visão de tudo a partir do largo enquanto dá um rumo na canoa. E, depois, quando esta já está fundeada, a prosa é sempre muito gratificante!

     Rema que rema, com disposição de chegar logo ao local da pescaria. Ondas levantam e abaixam as canoas. “Força aí, pessoal” - eu grito para incentivar, mas todos sabem, desde criança, que nessas condições de revolta nas águas não se pode fazer corpo mole mesmo. É preciso usar toda força! Porém, aquele dia não era mesmo para a gente enfrentar o mar. Percebemos a realidade pior do que era quando atravessávamos a Laje Grande. Na verdade, tentávamos atravessar por lá. As imensas ondas nos levavam contra as pedras, pulavam para dentro das canoas. Íamos alagar, com certeza. Larguei do remo uns instantes para esgotar a água da nossa embarcação. O jeito foi conduzir as canoas cheias de água para a praia da Santa Rita. Conseguimos. Ufa! E aí vem a decisão que nenhum caiçara gosta de tomar: abortar a pescaria, chegar de mãos abanando na praia, encalhar a canoa sem nada dentro para mostra ao pessoal que, no jundu, sempre está aguardando a sua volta desejando ver o resultado da pescaria. “É, não deu” - exprime o primo - “Só nos resta ir para casa, tomar um banho e saborear um gostoso café, bem quentinho, feito no capricho pela mamãe”. E assim se foi a pescaria que não aconteceu. Ah! E quantas vezes isso se repetiu em nossas vidas!?!

Em tempo: naquele época, quando nem se falava em consciência ambiental, nenhum de nós ficava refletindo sobre desmatamentos, destruição de mangues, aterramento de brejos para atender a demanda imobiliária advinda com o turismo etc. Aquela serragem no mar era apenas um detalhe “sem importância” diante da realidade dos esgotos nas praias e costeiras nos dias atuais. 

2 comentários:

  1. Oxalá que todo o mal ao ambiente se resumisse em serragem como aquela!

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  2. Pois é! Como dizem os mineiros: "Olha para você ver".

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