quinta-feira, 30 de maio de 2024

FEZ-SE A LUZ!

 

Cadeia Velha hoje é museu, homenageia Seo Filhinho - Arquivo Ubatuba



     A metade do ano se aproxima. É quando a religiosidade católica do meu povo também festeja a festa de Pentecostes, onde a fé conduz os corpos à comemoração da manifestação do espírito da divindade na Terra, aos seus seguidores. É famosa Festa do Divino Espírito Santo. Em Ubatuba, por motivação econômica a partir do advento do turismo, essa comemoração foi deslocada para o mês de julho, quando era a época de férias escolares e as famílias de outras cidades (capital paulista, Vale do Paraíba etc.) afluíam às nossas  famosas praias. Então precisava ser pragmático, adaptar o calendário cultural local para aumentar os rendimentos da municipalidade, dos cidadãos locais. Só por isso. Nos municípios vizinhos tudo continua igual, seguindo o calendário religioso.

    Eu comecei este texto há anos, numa época dessa, quando a cidade festejava a referida data. Toda a Praça da Matriz estava iluminada, com muitas e variadas barracas. Um cheiro intenso de tainha assada convocava a grande multidão a degustar esta iguaria tão especial a nós. A minha saudosa mãe aguardava o início do tradicional bingo. Foi quando me lembrei de uma emocionante informação dada pelo Seo Filhinho há décadas. Ei-la a seguir:


Em 1927 o Capitão Deolindo de Oliveira Santos, um dos homens mais entusiasta e amantes da terra em que nasceu, dedicando-lhe, dentro das restrições da época, todas as suas energias e incontida dedicação, era o Imperador (festeiro) do Divino Espírito Santo.

Para aquela festa, um esmerado programa fora organizado, mas o Capitão Deolindo querendo dar-lhe um cunho todo especial, foi a São Paulo, adquiriu um motor e o restante de aparelhamento necessário, mandou proceder às instalações e durante o período da festa, sua residência, a Rua Dona Maria Alves, a Praça da Matriz e a Igreja luziram feericamente, proporcionando um espetáculo inédito em Ubatuba e a muita gente que daqui nunca havia saído, dada as dificuldades de transporte daquela época.

Foi, portanto, o Capitão Deolindo, o pioneiro da luz elétrica em Ubatuba.

 

   Fiz questão dessa informação, principalmente da parte final, quando imaginei a epopeia de ir até a capital paulista, adquirir um motor e demais equipamentos, transportar até Ubatuba e conseguir alcançar o propósito, propiciar uma festa iluminada, apresentar o centro da cidade iluminada aos caiçaras. Naquele tempo não existia as rodovias que nos ligam a outras cidades. O jeito mais fácil era ir pelo mar até Santos e, em seguida, subir a serra para alcançar a cidade de São Paulo. Depois... retornar com a carga dos produtos comprados e refazer o mesmo percurso, desembarcar no porto da Prainha do Padre, providenciar a instalação e ver o resultado final, ficar satisfeito com o maravilhoso efeito nas noites festivas. É coisa de gente muito entusiasta mesmo! Quem faria isso hoje? Quem enfrentaria tudo isso para proporcionar uma Festa do Divino inigualável? Fez-se a luz!

terça-feira, 28 de maio de 2024

APARÊNCIAS DEVASTADORAS

 

Olha a cerração! - Arquivo JRS

     O inverno se anuncia. Ontem fiz quentão porque o frio faz por merecer esta bebida nossa, além de possibilitar recordações de outros tempos, de tantas pessoas muito estimadas, onde o meu povo caiçara festejava em comunidade.

   Festejar estava impregnado no tecido social dos meus tenros anos. Tudo girava em torno do calendário (desde o carnaval até as comemorações religiosas), da lavoura, da pesca e caça. Em época dessa, chegando o inverno, os cumbus estavam armados para gambás e as redes aguardavam os cardumes de tainhas migratórias. As festas juninas (que aconteciam nas escolas e igrejas) já estavam organizadas. Eram simples, mas envolventes, resultando em momentos de felicidade para nós. Atrás de cada doce distribuído, de cada caneca de bebida servida, de cada fogueira que nos encantava estava toda uma comunidade de caiçaras. Era esse conjunto de hábitos, de costumes que vinham dos antigos, que pautava nossas vidas, norteava nossas condutas. De repente, mediante a chegada dos turistas endinheirados, esses valores entraram em crise. Uma nova moral foi modificando a identidade local, distorcendo a vivência comunitária de séculos entre a serra e o mar. Quem chegou não quis conhecer, mas controlar. O resultado notoriamente visível está aí: um litoral degradado desde o mar até a serra graças ao nosso apego às aparências. Mas ainda dá tempo de refazer os valores e respeito desprezados nessas décadas. Há fragmentos deles duramente preservados em algumas famílias, em pequenos grupos. Se constituem em focos de resistência desse tempo tão importante ao meu ser. Eu os comparo a ilhas que precisam ser alcançadas, pois nelas estão preservadas importantes lições capazes de resgatar o espírito comunitário e de interdependência com a natureza que nos rodeia e que garantiu a nossa cultura. Só assim evitaremos sofrimentos maiores.

Em tempo: ousemos enfrentar quem deseja a privatização das praias, a verticalização do município, o aterro de brejos e mangues, a construção nas costeiras, o armamento para todos, o fim dos direitos trabalhistas, a privatização da água, a militarização do ensino, omissão em resolver problemas sérios como esgoto, lixo etc. Evitemos essa “gente do bem”.

domingo, 26 de maio de 2024

DIA DE DOMINGO

 

Maracujá do mato - Arquivo JRS

A minha companheira agora dorme

Na dignidade de quem sente,

Combate por seu ser,

Pelos nossos e os da caminhada.

Solidariedade e justiça a preenche.

Ela nunca deixou de cultivá-las.

Agora é momento de sonhá-las.

 

Meu amor agora dorme;

Ao som da chuva passeia em sonhos.

Acordada, se guia por valores e princípios,

Nunca deixa de articular palavras e pensamentos

Sobre todos os momentos.

 

Mas...agora...sob um frio prazeroso,

A minha querida dorme.

sexta-feira, 24 de maio de 2024

MELODIA DAS ARTES

   

Amanhecer - Arquivo Clóvis 

     Neste momento, sentindo os sinais do inverno que se aproxima, ouço um som, música no rádio de algum vizinho distante. Penso na musicalidade em nossas vidas e em muitas pessoas, sobretudo da comunidade caiçara, que preencheram essa necessidade musical em meu ser: tio Maneco Armiro, primo Elias, João Alegre, Maurício do Bonete, comadre Vitória, Aristeu da Ponta Aguda, Otávio paratiano, Doquinha da Ribeira, Luizinho, Sapato Branco, Dito Fernandes, Laureana, Ostinho, Mario Gato e tanta gente mais. Também continuam marcantes os meus clássicos brasileiros: Chico Buarque, Gilberto Gil, Elis Regina, Clara Nunes, Elizete Cardoso, Martinho da Vila, Luiz Gonzaga, Adoniran Barbosa, Zé Geraldo, Milton Nascimento etc. Ainda tem os grupos musicais: Fandango caiçara, Demônios da Garoa, Mutantes, Língua de Trapo, escolas de sambas etc. O que dizer de tantos estrangeiros a nos emocionar com suas músicas?

  Que linguagem fantástica é a música! Conforme presto atenção na poesia, na mensagem de cada música, mais me contento e ouso em reflexões acerca da vida, da nossa realidade e das utopias que alimento. Sei cantar? Não! Mas sempre estou cantarolando fragmentos de músicas. Minha esposa me critica por isso. “Por que você não aprende a música inteira? Aproveita a internet e faz isso”. É, pode ser.

     Acho importantíssimo a música em nossas vidas. Ela proporciona prazer e alivia as dores da jornada, os componentes básicos do nosso existir. É arte. Ela nos torna mais fortes, nos leva à sabedoria. Sei de muita gente, assim como eu, que começou a se inteirar nessa musicalidade a partir do rádio, bem cedo, tocando músicas sertanejas. Uns parentes próximos também se divertiam e nos contemplavam com prazerosas melodias. Quando criança, eu adorava, nos fins de tardes, ir até a casa do tio Dário Barreto e da tia Maria para escutá-los. No morro da Fortaleza, juntamente com os filhos (Elias, Toninho e Ditinho), eles mostravam seus talentos musicais. Que coisa boa é a melodia das artes!

quarta-feira, 22 de maio de 2024

A POTÊNCIA DA VIDA


  • Vidas em gestação - Arquivo JRS

"Onde encontrei a vida encontrei vontade de potência "  (Nietzsche)

    É isso, bem verdade! Tudo o que vive quer viver mais! É notório desde uma árvore doente ou machucada quando emite um esperançoso mergulhão até uma pessoa que não entrega o jogo mesmo chegando ao último suspiro. Ninguém deseja viver menos, nenhuma vida quer ser diminuída. Cada corpo, cada ser vivo possui a sua potência,  merece desenvolvê-la. Diante de tantas vidas negadas, cabe a questão: o que estamos fazendo para combater a negação da vida, da plenitude dela? Acabei de ler as notícias. Uma delas é que o país mais rico do mundo é o que tem mais moradores sobrevivendo nas ruas. No entanto, somos incentivados, até forçados a copiar tal modelo de nação, sendo obrigados a estudar a língua deles nas escola etc. Por que invejar uma realidade que nega vidas?

    As vidas neste planeta se interdependem. Já disse o velho cacique: "Tudo o que acontecer à Terra acontecerá aos filhos da Terra". Eu preciso diminuir, exterminar outras vidas a fim de me realizar?

       Negar a vida é enfraquecer, reduzir corpos a misérias. A outra notícia é também muito preocupante: os deputados do Estado de São Paulo aprovaram a escola militar. Será essa a famosa Escola sem Partido?  Desde quando a doutrina militar foi um bom exemplo? Quem vemos tantas vezes espancando essa enormidade de vidas negadas na sociedade, inclusive de estudantes que protestavam na ocasião da votação dessa lei? Quem garante  os soldos  dessa casta da sociedade? São desses "valores" que a escola carece?  Ousemos pensar!" é  recomendação de Kant. 

Resumindo: a vida é o nosso valor por excelência.  Deveríamos evitar de alimentar uma cultura que persigam vidas, que se ache mais digna que as outras. Não pode vencer uma ideologia que negue a vida, a potência de viver de cada ser, sobretudo humano.

domingo, 19 de maio de 2024

DESTE CANTINHO

 

 

Uma linda lagarta - Arquivo JRS

      Ubatuba é um pedacinho deste imenso Brasil; fica na borda da terra firme, aos pés da Serra do Mar, depois é mar imenso. Foi deste cantinho que aprendi a observar o mundo. A tecnologia (tv, celular, computador...) me auxilia bastante, mas  a leitura cotidiana nunca haverá de faltar. Disso tudo brotam as minhas reflexões. Resumindo: caiçara não tem desculpas para ficar alheio na realidade de país e de mundo. Mais importante: caiçara não pode ser cúmplice de gente que deseja o pior dos mundos para a maioria do nosso povo. Escrevo este texto agora depois de ver cenas na área da tragédia que vive a região gaúcha, mais especificamente de um político - que votou contra a liberação de verbas para auxiliar nessa emergência! - produzindo conteúdo para a sua bolha, se passando como solidário num passeio nas áreas alagadas. Mas por que ele consegue tanto alcance midiático? Por que tanta gente engole a isca tão facilmente? Pretendo me explanar nisto.

     As redes sociais estão para todos. O estimado Tião Banana me disse num dia distante: “Hoje até cachorro tem celular”. Neste contexto, as mentalidades se moldam a um princípio, a uma carência produzida no ego, tipo “eu não preciso de umas coisas, preciso de curtidas nas redes sociais”. É bem isto! A minha imagem tem necessidade de falar mais alto. Então preciso fazê-la com fotos, textos, comentários etc. para conseguir audiência, ter seguidores. Eu necessito de público para participar da guerra de informações e de narrativas midiáticas. Nesta guerra, conforme as ideologias, geram-se as bolhas a disputar adeptos (reacionários ou revolucionários). Vou me deter nas bolhas reacionárias, que fomentam absurdos, tais como: “As árvores precisam ser cortadas porque causam tragédias”, “As armas garantem a segurança”, “A reserva legal na Amazônia não deve existir”, “Pobre não quer trabalhar porque recebe auxílio do governo”, "Casas de pobres deve ser proibido nos morros, mas mansões estão liberadas, não estragam nada", “Mangues devem ser aterrados porque não servem para nada”, “Caiçara é preguiçoso” etc.

     As bolhas reacionárias são alimentadas por notícias falsas, por mentiras. Esses agrupamentos com milhares de seguidores são excludentes, contribuem com a formação de mentalidades  que se voltam contra os excluídos pelos que detêm o comando econômico e político. São reacionárias porque ressuscitam ideais medievais ou de um período ainda mais anterior, cujo produto principal é a intolerância. O resultado é a violência crescente. Dias atrás, conforme já disse, um político produzia conteúdo para a sua bolha: passeava, com alguém produzindo a filmagem, posava de motonauta solidário, dando informações direto de uma cidade alagada do Rio Grande do Sul. No entanto, esse mesmo indivíduo votou contra um pacote de ajuda econômica ao estado gaúcho que vive situação crítica. Só que a sua bolha, os seus seguidores receberão as imagens (fotografias, discursos...) como valor de caráter do mesmo, não perceberão que o sujeito foi notoriamente incoerente numa única semana: votou contra a ajuda ao povo que sofre com a enchente, mas posou como quem quer ajudar os flagelados dos alagamentos. Pior: a maioria dos seguidores desse ser são pobres, votarão em gente assim para a destruição de tudo, inclusive dos direitos sociais tão duramente conquistados. É a minha gente apoiando genocidas no Brasil e no mundo, não reconhecendo os verdadeiros bandidos, os inimigos do povo.

quinta-feira, 16 de maio de 2024

CONSCIÊNCIA POLÍTICA (II)

 

Raízes - Arquivo JRS

   Ousemos pensar! Há muito tempo um filósofo já recomendou que a gente não deve se omitir no desenvolvimento cognitivo, na educação formal voltada para a formação humana e pensamento crítico. Tudo isto liberta. Não é à toa que governantes reacionários preferem formação técnica, escola militar etc. Estas opções nos fazem retroceder em relação ao humano. Ainda mais agora! Constatamos que as limitações cognitivas, muitas vezes aliada à falha de caráter, nessa conexão intensa via tecnologia faz sobrar indignação. No entanto, por falta de conhecimento e de autonomia reflexiva, carece de ações coerentes que questionem os rumos de um sistema político e econômico cruel. Por falta de saber atuar em sintonia consigo mesmo, muita gente vai se afastando do saber que promove a libertação ideal. Assim, monitorados devidamente pelo sistema informático, a humanidade segue desfazendo conquistas que, ao longo da História, custaram reflexões, debates e até mesmo a perda de vidas. Onde já se viu trabalhador ser contra os seus direitos trabalhistas? Quando poderíamos imaginar que tanta gente achasse normal os acidentes ambientais decorrentes de intervenções humanas comprovadas pela Ciência? Como pode os desvalidos serem contrários aos projetos sociais? É absurdo, mas é real: uma parcela - ignara porque não ousa pensar! - desse meu povo pede a volta da ditadura militar e o fim dos Direitos Humanos; acredita que dando armas de fogo para todos o mundo vai melhorar etc.

   O problema não está na mídia e nos avanços tecnológicos que se assemelham à velocidade de um beija flor, mas sim em nossa fraqueza. E de onde vem este adjetivo? Voltemos ao processo educacional, ao direcionamento para nos tornarmos fracos, incapazes de perceber as manipulações que nos deprimem, tiram a vontade de viver. São as bases educacionais que estão ruindo e abrindo valas de alicerces para outros rumos (reacionários) via poder da mídia.

   É urgente saber ler, interpretar, julgar se posicionar. Contra quem? Contra esse sistema piramidal que garante um mundo ótimo para pouquíssimos detentores da sofisticação da tecnologia e, logicamente, dos corpos dos trabalhadores. Ousemos pensar para não deixar gretas no desenvolvimento cognitivo e nem falhas no nosso caráter que vão contra nós mesmos, contra os mais injustiçados.  Ousemos pensar para promover essa consciência política!

segunda-feira, 13 de maio de 2024

O AVÔ DO MARX

 




Marx Aparecido - Arquivo Marcos


   Foi-se o Dia das Mães. Digo sempre: mais importante que o presente é a presença. Por isso sempre estou recordando da minha saudosa mãe. Tendo me encontrado com a Jandira, uma antiga amiga dela, a prosa em torno das lembranças da convivência entre as duas brotou com muita força.

   Jandira, esposa do finado Zé Emboava, também morava no bairro do Perequê-mirim. Eliana, a filha mais velha deles era minha amiga desde o primeiro ano escolar. Crescemos juntos naquela comunidade em que todos se conheciam. Aos finais de tarde a criançada, todos nós, brincávamos bastante. Era escuro quando nossas mães nos chamavam - muitas vezes! -  para o banho e jantar. Foi em torno desse tempo que conversamos com muita empolgação (eu, Jandira e Eliana). Recordamos dos demais vizinhos, de quem já morreu, mas nos demoramos mesmo foi nos vivos. Até marcamos uma tarde para um reencontro com bolo e café.

   Eu conheci os pais do Zé Emboava: Dona Júlia e Seo João. Naquele tempo o Seo João Emboava já estava na cadeira de rodas, ficava sempre debaixo se uma goiabeira, cumprimentando os transeuntes, contando de outros tempos, quando morava na praia da Enseada. Dizia com saudades dos bate-pés que aconteciam nas casas: na sua, na do Dito Góis e na de outros. “O assoalho aguentava os trancos, meu filho. Esse meu povo era festeiro” – dizia ele sempre – “Não passava uma semana sem dança amanhecendo o dia. Só o tempo da quaresma era guardado”.

    Isso tudo fez parte da prosa no dia de ontem. Jandira fez questão de dizer o quanto era forte a amizade dela com a mamãe:    “A Laura era amiga de verdade. Quando eu tinha criança, estava de resguardo, ela ia até a minha casa para lavar roupas e fazer outros serviços. Ela se preocupava com as pessoas e queria ajudar o tanto que fosse possível”. Muito mais momentos daquele tempo ela fez questão de nos contar. De vez em quando eu e Eliana pedíamos apartes, lembrávamos de fatos (Dia das Jabuticabas na terra do Velho Hyasa, Festa de Santana na capela...).  Logo chegou outra filha da Jandira, a Viviane. Eu tive a oportunidade de ser apresentado ao seu esposo Edinho, saber que, como o meu primo Marcos, ele trabalha no SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência, um importantíssimo programa criado pelo Presidente Lula em sua primeira gestão). Dele veio a informação a respeito do amigo fiel do Marcos: “Eu que dei para ele aquele cachorro, o Marx”. Logo enviei a seguinte mensagem ao primo: “Conheci o Edinho, ‘avô’ do Marx Aparecido”. Ele ficou contente, confirmou que o Edinho e Viviane são os ‘avós’ daquele cachorro tão especial.


sábado, 11 de maio de 2024

O VELHO AINDA NÃO MORREU

  

Jorge Ivam - Arquivo JRS

     O velho ainda não morreu e o novo está em busca de expressão, buscando formas novas de dizer as antigas percepções (éticas, políticas, religiosas etc.). Foi a partir deste pensamento que eu comecei a me aproveitar, a desfrutar da fala do amigo Jorge Ivam no dia de ontem (10/5), por ocasião do lançamento oficial do seu romance Safira não nasceu assim, ocorrido no espaço cultural Impact HUB, localizado na Rua Guaicurus, 310, no Itaguá. (Na realidade, aquela localidade é chamada de Barra da Lagoa pelos caiçaras de Ubatuba).   Eu gostei de ler mais essa obra desse meu grande amigo, professor que agora goza de merecida aposentadoria, mas segue se entristecendo pelos descaminhos da educação pública no Estado de São Paulo e no país todo. Seu talento e seus temas represados até pouco tempo agora vão florindo as nossas vidas, sua técnica acumulada em décadas de migrante ministrando aulas vai nos conduzindo pelos caminhos da literatura, sua humanidade e sua maravilhosa família seguem nos cativando. Que maravilha tê-los entre nós! É gente assim, imbuída de renovadas narrativas libertadoras, que contribui com o desenvolvimento da cidadania dos ubatubenses, da cidade e do mundo!

    Jorge, acompanhado merecidamente pelas interpretações do filho e ator Caio Ferreira, começou dizendo do seu berço na cidade de Iaçu, na Bahia, do trabalho do pai como vaqueiro que estimulava os filhos aos estudos e ao trabalho, de como aproveitou da convivência na fazenda do patrão onde sempre havia algo para ler. Pela minha interpretação, foram os estudos, as leituras e o protagonismo facilitado na família que estimulou esse nosso amigo baiano, da caatinga espinhenta, a se aventurar em São Paulo, na capital paulista espinhosa, onde a sua sede pelo saber se fortaleceu e o conduziu ao engajamento comunitário e aos estudos superiores. Assim se tornou professor, Mestre no ensino da nossa língua.

    Safira não nasceu assim foi inspirado numa história real da região nordestina do sertão baiano, numa pessoa que tinha uma deformidade física, cuja mãe, valentemente (como a maioria das mães)  foi o esteio, o sustentáculo de toda a família. Resumindo: o enredo se desenvolve, tem como pano de fundo um acidente que muda drasticamente o destino de uma moça. Eu recomendo a leitura deste tema e de outros que vão se manifestando, vindo da trajetória do velho Jorge para o novo Jorge.   Na verdade, eu gostaria que todos lessem a maravilhosa produção do talentoso baiano que segue se acaiçarando, a começar pelo SERTÃOMAR escrito em parceira com o saudoso professor Pedro Paulo (que atualmente empresta seu nome ao teatro municipal de Ubatuba).     

   Para encerrar: o melhor de tudo foi ter reencontrado amigos, amigas e toda a família do Jorge (esposa e filhos queridos) no evento. Ah! Já estou aguardando a edição do próximo livro!

 

quinta-feira, 9 de maio de 2024

ÉRAMOS JOVENS

 

Amanhecer caiçara - Arquivo Clóvis 

    Éramos jovens. Duas canoas estavam preparadas para nós: uma menor, para duas pessoas, outra maior que aguentava até o dobro com segurança. Dia de pescaria, de acordo com o nosso costume caiçara. Na embarcação menor fui eu e Fabinho; na outra foi o primo Zé Roberto e mais dois companheiros. O mar não estava manso, se apresentando muito enlodado. Embarcamos e rumamos em direção à costeira da Enseada.  De repente, reparando melhor, além da água turva, barrenta, o mar parecia estar farelado. Explico: uma sujeira fina corria junto, encorpava o lodo. “Que é isso?” - perguntou alguém. Foi o Zé Roberto que respondeu: “É farelo de serragem. Deve estar vindo da serraria, ali da outra praia”. Na hora eu imaginei o tanto de madeira serrada para produzir tanto material assim. “Eu já disse que o mar estava bravo, sem chance de pescar sossegado”. Se dependesse de mim a gente voltaria dali mesmo, adiava a pescaria, mas já sabemos da paixão do meu povo por pescaria, pelo prazer de remar e apreciar a visão de tudo a partir do largo enquanto dá um rumo na canoa. E, depois, quando esta já está fundeada, a prosa é sempre muito gratificante!

     Rema que rema, com disposição de chegar logo ao local da pescaria. Ondas levantam e abaixam as canoas. “Força aí, pessoal” - eu grito para incentivar, mas todos sabem, desde criança, que nessas condições de revolta nas águas não se pode fazer corpo mole mesmo. É preciso usar toda força! Porém, aquele dia não era mesmo para a gente enfrentar o mar. Percebemos a realidade pior do que era quando atravessávamos a Laje Grande. Na verdade, tentávamos atravessar por lá. As imensas ondas nos levavam contra as pedras, pulavam para dentro das canoas. Íamos alagar, com certeza. Larguei do remo uns instantes para esgotar a água da nossa embarcação. O jeito foi conduzir as canoas cheias de água para a praia da Santa Rita. Conseguimos. Ufa! E aí vem a decisão que nenhum caiçara gosta de tomar: abortar a pescaria, chegar de mãos abanando na praia, encalhar a canoa sem nada dentro para mostra ao pessoal que, no jundu, sempre está aguardando a sua volta desejando ver o resultado da pescaria. “É, não deu” - exprime o primo - “Só nos resta ir para casa, tomar um banho e saborear um gostoso café, bem quentinho, feito no capricho pela mamãe”. E assim se foi a pescaria que não aconteceu. Ah! E quantas vezes isso se repetiu em nossas vidas!?!

Em tempo: naquele época, quando nem se falava em consciência ambiental, nenhum de nós ficava refletindo sobre desmatamentos, destruição de mangues, aterramento de brejos para atender a demanda imobiliária advinda com o turismo etc. Aquela serragem no mar era apenas um detalhe “sem importância” diante da realidade dos esgotos nas praias e costeiras nos dias atuais. 

quarta-feira, 8 de maio de 2024

INDRUMISTO

 

Joaninha linda - Arquivo JRS

            O texto de hoje é relativo à palavra indrumisto que está sumindo, deixada de ser falada, mas continuada a ser praticada, fazer parte do ser de muita gente da comunidade. É uma contribuição da minha querida esposa Gláucia. Concluímos que a maior indrumista que conhecemos até hoje foi a vovó Martinha, nascida na praia do Pulso, em Ubatuba. Boa leitura. 


   É uma palavra da minha infância: indrumisto. Talvez - ou provavelmente - eu tenha sido acusada injustamente de ser indrumista, com o que eu não podia concordar. Porque criança é curiosa, o que é bom e saudável, a curiosidade faz parte do desenvolvimento. Porém, se na minha autoanálise infantil, eu não era indrumista, conhecia várias pessoas que podiam ser classificadas assim. Ainda hoje esse adjetivo me vem à mente diante de atitudes de algumas pessoas que pretender saber detalhes da vida alheia, questionam, especulam, enfim, metem o bedelho onde não lhes diz respeito. Agora que digo isso, me dou conta que a palavra bedelho também anda sumida dos meus ouvidos. Sempre a ouvi somente na expressão “meter o bedelho onde não é chamado”.

   Se as pessoas não usam uma determinada expressão ou uma palavra, ela vai se perdendo. Dizemos que cai em desuso. É assim mesmo, a linguagem é viva, está em constante transformação.

   Percebi recentemente que não ouço mais ninguém dizer indrumisto. Acho que os jovens não sabem o que significa. Então preciso explicar. Indrumisto é a mesma coisa que enxerido, fofoqueiro, intrometido. Mas o fato é que essas outras palavras não dizem exatamente a mesma coisa. Indrumisto vai um pouquinho além, é o sujeito que fica escarafunchando (mais uma palavra antiga), quer dizer, buscando insistentemente saber mais e mais. Olha por cima do muro, por baixo da cerca, estica o pescoço, apura o olhar e afia a língua para a necessidade premente de comentar os fatos reais ou imaginários da vida dos outros. 

   Tenho uma certa nostalgia de ouvir a palavra indrumisto. Mas o que me deixou chocada foi não encontrar essa palavra nos dicionários onde procurei. Procurei no Google também. Nada. A tal inteligência artificial da internet insinuou que é uma palavra do Esperanto. Não sabe nada...

    Não é o dicionário que diz se uma palavra existe ou não existe. Primeiro vem o uso, a linguagem na vida real, os significados na comunicação. Só depois é que os dicionaristas recolhem e descrevem nos verbetes. Nenhum desses estudiosos escreveu indrumisto? Nenhum deles esteve na minha casa, na minha rua, no meu bairro, nem viveu naquela época para ouvir minha mãe dizendo para minha tia o quão indrumisto era o vizinho?

segunda-feira, 6 de maio de 2024

CONSCIÊNCIA POLÍTICA

Madeira rachada - Arquivo JRS

      Eu aprendi, na formação escolar, que esse modelo de gestão política que predomina no mundo nasceu no Egito por volta de 4 mil anos. O faraó, devidamente orientado pelos sacerdotes e escribas, centralizou o poder. Pronto! Nasceu o modelo piramidal, onde um todo poderoso controla a vida dos demais. Demorou tempo para que os gregos viessem com outra proposta, com a tal de democracia. Na praça pública, os atenienses se reuniam para discussões e votações. Os debates, acreditavam eles, conduziriam à verdade, ao que é melhor para a coletividade. Infelizmente, no processo civilizatório que foi se desenvolvendo, privilégios de quem domina foram defendidos, se impondo como moral sobre as consciências. Prevaleceu a moral dos senhores do poder. A força da linguagem é determinante! Assim nascem as ideologias. Há muito tempo, para a maioria das pessoas as desigualdades sociais são vontades divinas, inevitáveis, oportunidades para a depuração da alma que pretende merecer o paraíso após a morte. Entendeu até aqui? Simples, né? Por isso que a consciência política e o acesso ao conhecimento são afrontados, caluniados e combatidos pelos senhores do poder. Para isso, sobretudo na onda reacionária que avança sobre o Brasil e o mundo, o sentimento religioso está sendo usado para "fazer a cabeça dos mais pobres", para manipulá-los. É por isso! Estou me referindo à carência de consciência política, da urgência dos empobrecidos acreditarem na união, no direcionamento de suas forças para as transformações sociais e para novas posturas ambientais tão prementes nos dias atuais. Eu creio que somente os poderes (das palavras, dos saberes e dos pensamentos direcionados para o bem comum) resultarão no pleno desenvolvimento da humanidade. É, o pensamento pode ser muito perigoso. Ousemos pensar!

sábado, 4 de maio de 2024

SENTADO NO ROÇADO (III)

 

Mandioca - Arquivo JRS

    Impressionante como tem negacionista! Um dos absurdos nessa categoria de gente é dizer que isso de aquecimento global é mentira, que essa preocupação com desmatamento, poluição etc. é coisa de esquerdista, de comunista, de quem não tem o que fazer. Por influências perversas, gente assim deixa de usar a razão como instrumento de libertação. No momento, vendo o desastre causado pelas fortes chuvas na região sul do Brasil, me pergunto se esses negacionistas farão uma revisão de seus pensamentos, de suas condutas, serão solidários com as vítimas etc.

    A razão deve nos trazer a felicidade porque é capaz de olhar o mundo de outro modo, de buscar consertá-lo. Me disseram o seguinte: o relatório da ONU afirma que, no momento, 55 conflitos (guerras) acontecem no mundo. Diante de coisas simples ou de coisas absurdas, a consciência segue conversando com o corpo físico, elaborando narrativas morais, suportando tudo que acontece na existência. Conforme o ditado, são “unha e carne”. Nisto se dá o nosso ordenamento, a nossa direção, o rumo da nossa canoa. Os acertos, recorrendo à razão, podem prevalecer.

     O nosso fim vai se aproximando. O meu fim chegará, mas a memória que por ventura os outros tenham de mim - que agora preenche o meu ser - continuará atuando. A cultura individual, soma de tudo que faz parte do meu ser, ganhará autonomia. Os vestígios dela (gravada, escrita...) poderão continuar acessíveis às gerações vindouras. Isto é, assim dizendo, as contribuições  de um ser que, mesmo ausente, segue contribuindo com a humanidade, compartilhando o seu espírito (soma das vivências, das experiencias). Não é o saber acumulado desde os tempos mais antigos que nos conduziu até aqui? Não sei como essa gente consegue, apesar de tudo, continuar sendo negacionista.

sexta-feira, 3 de maio de 2024

SENTADO NO ROÇADO (II)

         

Frutinhas azuis - Arquivo JRS

    Surgiu o homo sapiens. Pronto! Dizem que este estágio na nossa existência se deu por volta de 100 mil anos. As pesquisas apontam: uma brevidade de tempo se comparado a outras espécies de viventes desta Terra. O nosso cérebro cresceu graças aos estímulos.  Viver no chão, usar as mãos, recorrer a tudo para sobreviver foram essenciais naquele começo, naquele estágio vivencial.        

      Ainda hoje necessitamos muito dos estímulos para não regredirmos.  Essa máquina chamada cérebro se tornou complexa graças às técnicas, ferramentas, falas, memórias etc.; permitiu revoluções diversas nesse pouco tempo de vida no planeta. Agora leio e fico imaginando a evolução desde o surgimento da linguagem, da fala que possibilitou a vida coletiva, em grupos. Depois se deu a invenção dos alfabetos, a produção de livros, chegando à tecnologia moderna que não cessa de se desenvolver. Antes de cada  amanhecer tenho em mãos um aparelho que armazena centenas de obras, tal como as grandes bibliotecas existentes. Não é maravilhoso ler e escrever, compartilhar ideias de/com alguém que apenas é acessível pelas letras imprimidas, digitadas ou gravadas porque mora distante de nós, até mesmo no outro lado do mundo?

     É isto: os livros, sob as múltiplas formas, serão sempre revolucionários!

quinta-feira, 2 de maio de 2024

SENTADO NO ROÇADO

 

Teia de aranha - Arquivo JRS

 

    A idade avança. Tenho a necessidade de descansar mais entre as enxadadas. Observo e sigo cultivando. Duas sementes brotaram. Logo as duas plantinhas estavam crescendo com este detalhe: uma bem forte e outra mais fraca, como se estivesse doente. A água é exígua. O que fazer? Distribuí-la igualmente entre as duas ou escolher uma delas? Será que não deveríamos se devotar à mais forte, irrigá-la bem com a pouca água para que se desenvolva ao máximo e dê muitos frutos? Ou temos esperança de que a mais fraca se recomponha com a partilha da pouca água e também deixe a sua contribuição ao planeta?

     Privilegiamos os “bem-nascidos” ou incluímos os desfavorecidos, os injustiçados? Pois é! O maior desafio é resgatar o valor da vida. Disto vem a pergunta inevitável: do que o nosso corpo precisa para viver, para compor o nosso espírito (ser humano completo, que se constitui com narrativas, memórias, técnicas, momentos etc.)?    Usemos a inteligência para valorizar mais a vida.

   Como se inicia, se desenvolve a inteligência humana? Uma possibilidade, além de outras, foi observando os outros seres e os fenômenos que nos rodeavam, que estavam na nossa vivência nos primórdios: a armadilha estendida por uma aranha, um bicho que come um mato contra um incômodo que sente, um pássaro que evita degustar determinada fruta, os cuidados que uma cachorra dispensa às crias, inclusive as estratégias para que aprendam a sobreviver na natureza e na coletividade, uma manada que determina no relevo o seu carreiro etc. Em seguida, sinal notório da inteligência prática: as ferramentas vão sendo criadas. Pode ter sido por acaso este importante passo, mas não podemos descartar   a possibilidade de ser imitação de outros animais. (Me recordo de uma cena onde um macaco recorria a uma pedra para quebrar um coco e se servir do alimento). E, assim, um ser dentre os demais seres evolui: surge o homo sapiens. De lá para cá evoluímos muito, mas - acredite! - tem gente que, manipulada por interesses perversos, ainda defende a Terra plana. É mole?