segunda-feira, 4 de dezembro de 2023

RAÍZES

Olhando o tempo - Arquivo JRS 

     Santiago Bernardes vasculha suas lembranças e nos conta um pouco mais de suas raízes.  Valeu, Santi!

Meu bisavô foi poeta. 


Num tempo muito antigo. Que vou aos poucos recuperando vestígios. Hoje, perto do mar, chega às minhas mãos um livro que ele escreveu.  Na juventude. Ele que nasceu em 1854, morreu em 1931, há quase cem anos e tem uma filha ainda viva, com 106 anos! Minha tia avó. Uma travessia de três séculos! 

Poemas que o tempo preservou em folhas amarelecidas, mas que em alguma mesa em noites de velas, a mão em silêncio escreveu. Há mais de cem anos. Há mais de cem anos a poesia corre nas veias, que tem sangue de muitos povos e histórias de muitos lugares. Chão de mar caiçara, chão de terra caipira.

Escrever, a que será que se destina?!   

Ficam os livros, as palavras ficam, nós passamos e depois de muitos anos quem fica pensando ao ler, imaginando quem foi que escreveu tudo aquilo?

O velho bisavô pertenceu a um mundo distante. De fazendas de café, lutas entre monarquia, república e abolicionistas. Fez coisas de seu tempo e fez outras que pertenciam a um tempo futuro.

Escreveu. Livros, poemas, artigos, peças, jornais, viajou, construiu rede de abastecimento de água e saneamento em cidades enquanto brigavam contra vacinas, (sim, já naquele tempo). Quase conseguiu trazer o trem de ferro para Ubatuba. Fez política, filhos, filhas.  Lutou pelas coisas que achava justas. Venceu, perdeu! Como é da vida ser. 

Quando eu era menino um dia achei um retrato num recorte de jornal, os mesmos olhos, meus e de minha mãe. Quis encontrá-lo um dia, mas somos de tempos muito distantes. Ficou o mistério e as histórias que minha mãe contava enquanto costurava na velha máquina em frente à janela. 

O sol passou tanto em frente à moldura dessa janela que um dia crescemos. Minha mãe costurou seu tempo no mundo e juntou-se ao bisavô.

Hoje, em frente ao mar da terra de minha bisavó caiçara, refletindo lonjuras do tempo e do mundo. Tão pequenos que somos como areia nas páginas de um livro no vento.  Escrevo, que escrever é herança, legado que deixarei também um dia.

Eu penso no velho bisavô que não conheci no tempo, mas que vou descobrindo aos poucos, um mundo. A nossa vida é feita da vida de muitos que nos antecederam, assim como as lutas.

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