domingo, 6 de outubro de 2019

HISTÓRIA DE UMA TEMPESTADE

Da janela da Idalina (Arte em casa- JRS)


               "O aniversário de Ubatuba que hoje, 1967, se comemora, vem encontrar a cidade refazendo-se do segundo golpe que recebeu desde o seu nascimento. A história de Ubatuba registrava, no passado, o golpe que atingiu a cidade próspera e rica, atirando-a durante mais de meio século na pobreza e no esquecimento. Aconteceu quando uma estrada de ferro ligou Santos a São Paulo e outra estendeu seus trilhos desde a Capital até o Vale do Paraíba. Na luta entre o trabalho do homem e aquele feito por máquina, vence sempre este.

               Ubatuba era porto marítimo, mas o café que aqui chegava para exportação, viajava em lombo de burro desde a fazenda até o mar. Homens a pé ou a cavalo precisavam acompanhá-lo de perto, carregá-lo e descarregá-lo da tropa. Um dia o trem de ferro chegou com três, quatro ou dez vagões, para transportar, em uma só viagem rápida e segura, aquilo que nem mil burros poderiam levar durante um mês. Foi o fim. Ou, antes, o começo do fim. O fim verdadeiro chegou quando a estrada de ferro Ubatuba-Taubaté, que os ubatubanos haviam iniciado para competir com a  “Inglesa”, suspenderam suas obras, falindo. Essa falência, levando de roldão todas as economias da gente da terra, deixou-a sem mais condições de luta.

               E o golpe do destino feriu de morte a terrinha que vira em suas praias os vultos inesquecíveis de Nóbrega e Anchieta, que ficou extenuada, sem sangue e sem alma para lutar. Os que tinham ainda coragem para disputar um lugar ao sol emigraram. Aqui ficaram os velhos, doentes, os vencidos, vendo caírem os prédios onde gente alegre e rica vivera esperanças e grandezas.

               Agora um novo golpe atingiu a cidade. Quando tudo indicava um futuro risonho, próspero, cheio de hotéis de luxo e de turistas ricos, de automóveis de último tipo e de aviões a jato, uma chuva, uma simples chuva veio relembrar ao homem, logo depois de um Carnaval, que ele não passava de pó e ao pó voltaria; a Ubatuba, que ela, como criação do homem, também não passava de pó. Desta vez, porém, a cidade reagiu, seus homens lutaram, foram buscar no fundo das suas almas as reservas de coragem, e enfrentaram a dureza da hora triste com a determinação de vencer. [...] A prova serviu para unir os seus filhos. Como se unem irmãos desunidos à beira do caixão do pai ou da mãe, unidos multiplicaram as suas forças, venceram. E as lembranças dos dias tristes do passado servirá apenas para a história que os avós contarão aos netos nas noites de chuva. ‘Uma vez choveu tanto, mas tanto, que a serra desabou... em Caraguatatuba’. Os meninos ficarão quietinhos ouvindo a chuva cair enquanto as pálpebras irão  ficando pesadas.

Quem  escreveu isso? Ora, a nossa saudosa Idalina Graça!

Agora, já madrugada, findo este com um verso do nosso fandango:

Companheirada é hora da partida/
Deu meia-noite o galo já cantou/
Eu vou cantar  e dar a despedida/
Vamos embora que o dia já clareou.

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