Caiçaras ao mar (Arquivo histórico) |
A amiga Fátima não nega a marca do pai João de Souza, o grande contador
de causos da Praia do Itaguá. Viva mais esta pérola dessa minha colega caiçara!
A Praça do Comércio, hoje Praça
Nóbrega, se sussurrava aos quatro cantos, pois o noticiário não deixava claro
qual a razão dos fatos. Haveria algum fato que justificasse tamanho perrengue
entre as duas ilhas? O assunto fervilhava pelas ruas,
bares, entre baforadas de fumo de rolo e babas do bêbado, que a cada cusparada
resmungava: “Tem muié nesse meio!”.
A missa da sete não foi a mesma. O mexerico era tanto que o padre
parou no meio da missa. Naquele fatídico dia ninguém botou feijão no fogo. A
conversa arrolava muitas opiniões cabulosas que convergiam todas numa só conclusão:
“Nesse meio tem muié!”.
No meio do dia os batelões, as canoas
de voga que chegavam abarrotadas de produtos para vender, vindos das praias
distantes, voltavam com a incumbência de levar o acontecido para que todos
tomassem ciência e se precavessem. Até o Bom Descanso (antiga fazenda de
remanescentes de colonos, a oeste do município) ficou em alerta.
O diz-que-me-disse causou ponto
facultativo. Quem iria trabalhar com a eminência da guerra aparecer por ali?
Acabando com o nosso sossego, colocando em risco as nossas criancinhas e a
integridade das moças de família? Precisavam de mais informação. As autoridades
se reuniram para tomar uma atitude. Quem sabe mandar uma comitiva até lá. Encabeçados
pelo Sr. Delegado de polícia, um grupo de respeitáveis cidadãos seriam
convocados para compor a força tarefa. Mas quem se arriscaria a tomar o rumo
daquelas bandas? Comentava-se que os ilhéus eram de poucos amigos e por vezes,
cruéis. Outros diziam que eram intrigas, que na verdade eles eram desse jeito
estranho para se protegerem dos piratas. Outros ainda, tinham até histórias do
que acontecia com os intrusos. “Teve um que foi pendurado pelado e de cabeça
para baixo naquela figueirona da praia só para tomar juízo, passou a noite
sendo picado pelos mosquitos, dia seguinte seu corpo parecia pele de jaca dura”.
Canoas da barra tomaram o mar indo de
encontro à nau vitoriosa e portadora de novas e precisas informações. Nelas iam
as autoridades e políticos e uns gatos pingados de gente comum. Na praia,
orgulhosas senhoras apostavam na força
dos maridos que se exibiam no remo como se fosse um campo de batalha. Outras
famílias aguardavam na praia entre algazarra das crianças e o tricô da vida
alheia.
Logo a lua tingia as águas da Baía de
Iperoig, as canoas então retornaram deslizando no clarão como um bando de
negros paturis. Ao emborcarem as canoas, o Prefeito foi logo tomando a palavra:
“Povo de Ubatuba! Não há o que temer, a guerra é finita. Finita porque acabou a
munição das duas partes em litígio. Os canhões existentes nas ilhas ainda são
de bambus e consomem muita pólvora seca. Consumiram até todo o estoque de
pimenta”.
Depois a história verdadeira se
espalhou rapidinho: o conflito já estava resolvido, graças à sabedoria daqueles
homens do mar que por lá estiveram e contornaram a situação. Um sujeito da Ilha
da Vitória trocou sua mulher por uma canoa com outro sujeito da Ilha dos
Búzios. A mulher não se acostumou e voltou para a ilha de origem. Desesperado,
o sujeito da Ilha dos búzios, que ficou sem mulher e sem canoa, juntou um
pessoal e carcou fogo na Ilha da Vitória que respondeu à altura. Em meio ao
fogo cerrado, nossos heróis embarcadistas aportaram e vieram ter com os dois
lados, conseguindo o acordo que devolveu a paz: a canoa ficou com a mulher, que
manteve residência nas duas ilhas e a cada semana ela morava numa.
Perplexos e bestificados com a solução acordada
o povo ficou estático. O bêbado, segurando num tronco de amendoeira, berrou a
todos com seu bafo azedo: “Num disse que tinha muié nesse meio?
Narrativa mais que divertida, encantadora!
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