domingo, 14 de setembro de 2014

ERA UMA VEZ...

        
Grande Lua em Ubatuba (Arquivo JRS)
        Olá, Marcelo Augusto!  Seja bem vindo ao blog!

Eu chamo de novos colonizadores todos aqueles que, desde o advento do turismo (que trouxe turistas, grileiros de terras, obras, condomínios, ocupação desordenada, poluição das nossas águas, tomada dos jundus etc etc.), vieram para a cidade de Ubatuba tentar melhorar de vida (montar seu próprio negócio, ter um emprego regular, viver num lugar mais calmo etc.). Estão na mesma classificação os caipiras que desceram a Serra do Mar, deixando seus lugares (Catuçaba, Vargem Grande, Cunha, São Luiz do Paraitinga, Redenção da Serra...), os pobres migrantes de tantos Estados que constituíram mão de obra barata para a construção civil, e, ainda, os em melhores situações econômicas que fugiam das cidades maiores e de seus problemas. Muitos desses novos colonizadores já completaram três gerações por aqui, mas a maioria dos seus descendentes não sabe nada da cultura caiçara, dos saberes originários daqui. Aquilo que preenche seus espíritos também não é da origem de seus pais. Na verdade, é gente que não tem nenhuma raiz cultural a não ser as modas ditadas pelos meios de comunicação. Não tem memória. São vítimas da massificação cultural. E, conforme já disse alguém, “um povo sem memória não propõe nada; só copia”. Agora você entenderá melhor o restante do texto.

Aproveitando uma folga, estou caminhando com a mana Ana. Nesses serões, quando a Terra se refresca, já não é tão normal encontrar, como em outros tempos, as pessoas proseando nos banquinhos, pelos portões.  Mas... exercitando e fazendo caminhadas se vê muita gente! Que bom que nós, em nossa Ubatuba, temos uma academia a céu aberto! De repente...

       De repente, em duas bicicletas, quatro adolescentes passam farreando. Um deles, com potente voz, canta uma música que tem uma letra horrível e reveladora, pelo baixo nível do palavreado,  de quão desrespeitoso  e atrasado culturalmente  é o rapaz. “Miserável cultural!”. Na hora comentei: “É um dos novos colonizadores que só colabora para a degradação da nossa cidade”. De repente...

      De repente reparei naquele rapaz e me veio à mente outro momento, parecendo história de “Era uma vez...”.

 No ano de 1976,  eu trabalhava em uma obra na Praia da Enseada, onde o construtor, Idílio Barreto, contratou quatro operários recém-chegados de Minas Gerais. Eram “piões de obra” que “queimavam panela” para alavancarem uma nova fase de vida. Dentre esses, eu admirava muito o “Miro” porque era bem educado, trabalhava caprichosamente e não desperdiçava o seu suado salário. Mais tarde, quase um ano depois, ele trouxe o restante da família (esposa e três filhos). Foram morar num dos nossos sertões.


       Sem nunca ter a intenção, os nossos caminhos foram se cruzando. Desse modo, acompanhei nascimentos, casamentos dos familiares, locais de moradia etc. Fico contente porque o meu amigo – muito batalhador! – se realizou (tem uma boa casa, carro e parece estar muito saudável). Agora, contrariando a lei da evolução, onde subentende que os nossos filhos têm que ser melhores do que nós,  vem a decepção: o miserável rapaz, que até transparecia estar sob efeito de algum alucinógeno, é neto do “Miro”. Que regressão! O que diria o seu avô, caso estivesse ao meu lado, caminhando aos cuidados de uma Lua que despontava e fazia brilhar toda a Baía de Ubatuba, tendo que escutar tais barbaridades?

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