O saudoso mestre Bernardino do Pulso na puxada de rede |
Analisando um
período que eu conheço, posso afirmar que entendo melhor a nossa parte,
enquanto caiçaras, na engrenagem capitalista da sociedade moderna.
A
participação/inclusão do universo caiçara como base de enriquecimento aos outros,
aos “de fora”, se deu graças às nossas praias, aos nossos recursos naturais e à
situação de penúria. Me recordo de ter lido mais ou menos isto, numa
recomendação de Washington Luiz, no primeiro quartel do século passado, quando
estava como governador do Estado. Na ocasião ele visitava o Litoral Norte: “É
melhor que os moradores dessas paragens subam para o planalto. Lá tem emprego e
boas condições de se viver. Basta ver a quantidade de nordestinos que chegam
diariamente ali. É sinal que lá tem condições de sobrevivência para todos que
forem chegando. Vendo a situação precária de vocês, acho que a melhor solução é
o pessoal deste litoral fazer o mesmo”. Foi uma recomendação oficial para que
os nossos antepassados migrassem, se afastassem do mar. Bonito governante!
É
lógico que as belezas naturais, na ótica da exploração de mercados, deveria
receber outra atenção. Decorreu disso a vinda das estradas (1930, 1950, 1970),
dos turistas e dos especuladores imobiliários. Pronto! As terras caiçaras,
partindo das áreas de jundus, foram “negociadas”! Era como se dissesse aos pescadores-roceiros, distantes há séculos dos
ideais capitalistas: “Seus problemas estão resolvidos”. Ora, bem sabemos que aí
é que eles começaram. Afinal, era um plano de exploração bem planejado, com
vilões dos mais pomposos nomes, “seus doutores” etc. Nisso, alguns filhos da
terra, com uma cobiça mais aguçada, foram devidamente aliciados ao ponto de
“venderem a própria mãe” para fazer um “pé de meia”. É por isso que em quase
todas as famílias se escuta uma história escabrosa (de irmão traidor, de tio
enganador, de marido oportunista etc.). No fundo, no fundo...estava o desejo de
uma vida mais folgada, que não precisasse suar diariamente para conseguir o seu
sustento. Havia também o desejo de dominar e de lucrar a partir da dominação do
outro.
Ah!
O maldito trabalho! É forte isto? Esqueceu o velho princípio bíblico: o
trabalho como maldição pelo pecado de Adão? Foi nisto que deu comer e gostar da
fruta ofertada pela Eva.
Enfim,
não tem como desconectar a nossa história da história dos modos de produção.
Nisto estava certo o velho Marx! Quando os meus pais nasceram prevalecia um
modelo de trocas, de trabalhos coletivos, de terrenos com divisas cantadas: “A
minha terra vai daqui até o lugar onde tem um boi pastando”. Vovô Estevan vivia
repetindo que “O dinheiro era custoso, mas o de comê tinha em fartura”. No meu
tempo, quando os primeiros loteamentos já nasciam nas principais praias, às
margens da rodovia, o caiçara ainda pescava e plantava, mas a juventude ansiava
por “um emprego fichado”, que garantisse direitos trabalhistas, previdência
social “INPS” etc. Na falta disso, a venda de posses, de partes da terra
secularmente ocupada para a lavoura, eram negociadas para se ter uma situação
de alívio. Assim compravam um fogão a gás, um armário “cristaleira”, uma panela
de pressão, uma televisão, um rádio novo etc. Os mais ousados até adquiriam um
carro “de causar inveja”. Quanta ilusão! Iam-se os bens e as terras que antes
garantiam a subsistência básica.
A
terra virou moeda de troca. Não precisou muito esforço para convencer muitos
caiçaras de que “um dinheiro pela posse” resolveria seus problemas, seus
pesares. Além disso, surgiram os grileiros, os especuladores que projetavam os
seus lucros imobiliários. Certamente pensavam: “Um lugar bonito desse não é para
pobre”. Hoje estamos nisto: o caiçara é
apenas dono de sua força de trabalho. A sociedade é isto: exige trabalho e paga
o suficiente para a sobrevivência. Da farinha de mandioca agora só restou a
farinha. O nóinha, filho de um caiçara “das bandas do norte”, guarda noturno
num condomínio, grita pelas ruas próximas de minha casa: “O pó é a solução”. E
ainda me pergunta: “Você não acha, teacher?”
Infelizmente essa não é só a realidade do caiçara, mas da maioria dos brasileiros desassistidos principalmente do básico (sério), educação, saúde, segurança, cultura. Junte-se a isto a falta de uma liderança responsável na comunidade, a avalanche descomunal da cultura enlatada na mídia em geral, a lavagem cerebral levando ao consumismo desenfreado, e vamos ter muitos mais exemplos, como o do Sr. Guilherme, pescador, que não pode construir um rancho na Praia do Saco da Ribeira para abrigar sua canoa, pois a Marinha não permitia, chegando a derrubar o rancho, mas para surpresa de muitos, não demorou para que toda a orla do Saco da Ribeira se transformasse em um gigantesco Iate Clube de ponta a ponta da praia. Então Zé nós vivemos e vamos continuar vivendo na era do Tubarão engolindo a Sardinha, como sempre a lei do mais forte prevalece, mesmo que moralmente eles sejam uns fracotes. Grande abraço!!!!
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