Puxada de rede na praia do Itaguá - 1980 |
O velho Argemiro, ótimo contador
de causos de lobisomem, também entendia alguns conceitos sociológicos. Acho que
era pela convivência com uns ricaços, seus patrões na faina de jardinagem, na
praia da Enseada. Dele eu aprendi a respeito de modo de produção (forma de
produzir bens e serviços). Disse também que nós, caiçaras, vivíamos num modo
pré-capitalista (porque a gente só plantava para comer). “Nós estamos
atrasados, Zezinho! Quem falou assim foi o dono do Le Pastis, do restaurante
que fica depois da Zenaide. De acordo com o velhote francês, nós não sabemos a
riqueza que temos, não sabemos ganhar dinheiro, nem viver bem. Disse que a
cidade grande, de muitas indústrias, bancos e carros, tem muito a nos ensinar.
Que o nosso modo de vida não tá com nada”. Percebendo que eu estava encabulado,
ele continuou: “Sabe o que eu fiz? Contei a ele aquela história já conhecida,
da prosa entre o caiçara e o 'tubarão' de São Paulo. Você sabe, né?”. E o
teimoso homem repetiu a história que eu já sabia. Eis a minha versão do diálogo entre os dois:
O
pescador estava olhando o mar. A arrebentação das ondas de agosto provocava
encantamento, lambendo de vez em quando o jundu. Era o Porto do Pedro Cabral, no Perequê-mirim. Fazia
pouco tempo que a estrada a ligar Ubatuba com Caraguá fora concluída.
Um
turista, branquelo e com aparência de ter muito dinheiro, chegando na areia
grossa logo foi puxando conversa, sabendo que ali peixe era em fartura. Então
perguntou ao praiano:
-
Por que você não vai pescar?
-
Pescar mais? Não! Eu já andei pescando hoje! O tanto de peixe que bateu no
tresmalho dá pra dois dias. A mulher nesta hora já consertou uma quantia de
sargo que só vendo! Agora tô só olhando o mar. Não é bonito essa escumadeira
toda forrando o lagamá? Olha lá na costeira! Vê aquela pedra grande? Tem o nome
de Pedra do Zé Bráz. Ali também é um bom pesqueiro.
- Mas
por que você não vai pescar para ajuntar mais peixes?
-
Ajuntar mais peixe pra quê?
- Para
vender para os outros, para os veranistas que aparecem sempre.
- Vender
para os outros pra quê?
- Para
ganhar dinheiro, ué!
-
Ganhar dinheiro para quê?
- Para
ficar rico.
- Ficar
rico pra quê?
- Para
poder, na velhice, ficar olhando o mar tranquilamente.
-
Mas...o que eu tô fazendo agora?
Será que o modo de produção que promete tanta coisa boa somente no fim de uma vida de intenso trabalho é tão bom assim?
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