Qual menino daquele tempo não tinha um bodoque? (Arquivo O.Mendonça) |
Danielle Lucas: seja bem- vinda!
Olhando
algumas imagens antigas, vejo crianças “reinando” pelo terreiro. As árvores
cheias de galhos eram as nossas preferidas para trepar até as grimpas e lá se balançar.
No tempo das frutas aí é que era melhor. Por esta época (abril/maio), a gente
vivia cheirando à mexerica. O nhonhô Armiro ridicava suas laranjas. “Ainda estão verdes! Vocês não botaram reparo
não?”. Não, a gente não reparava nisso. Bastava ele se distrair um pouquinho
para a gente ficar cutucando a mexeriqueira do cisqueiro. Debaixo de uma sombra qualquer, bem distante dali, as
cascas se amontoavam. Que prazer!
Nos
amplos espaços, num tempo em que nem cercas existiam, fantástico era o
esconde-esconde quase no serão. Mas tinha o pega-pega, o passa-anel, a
amarelinha, as brincadeiras de roda e tantas outras mais. Ninguém queria parar
para tomar banho. As mães gritavam: “Parem com isso que já escureceu”. Ai que
preguiça de se esfregar! Assim que estávamos limpos, de chinelinho nos pés e
devidamente vestidos, lá vinha a ordem: “Ponham uma roupa quente, de flanela. O
frio chegou”. Nossas roupas eram
costuradas em casa, na máquina de costura da vovó.
Logo
chegavam os mais velhos: alguns estavam nas rodas de causos pelo jundu, uns
vinham do jogo de bola na praia; outros da faina do mar, de armar tresmalho. No
dia seguinte, antes do dia clarear, já estavam embarcados para a visitação. Não
faltava o peixe fresco de cada dia. Toda
casa era cheia de gente. Prova disso era a mesa grande, onde todos se reuniam a
cada refeição. Pelos cantos havia umas banquetas e uns mochinhos para garantir
a presença de toda a família nesses momentos sagrados, onde farinha de mandioca
e peixe era presença obrigatória. Quanta sustância! Mesmo assim, já se
suspirava pelo porvir: a época da raposa, da gambá. Tempo para preparar cumbus,
armar laços e mundéus. Os mais gulosos se lambiam: “A bicha já deve de estar
com dois dedos de banha!”.
A
caça aos gambás findava em junho. “É preciso respeitar o tempo de cria delas”.
Ninguém desrespeitava o ritmo da natureza, dos ciclos dos bichos. Só o Gusto,
conforme eu já contei, ao capturar um gambá fora de época, teve uma reprimenda:
“Solta o bicho, Gusto. Já passou o tempo”. E a resposta dele: “Não. Não vou
soltar”. “Solta, Gusto. Agora já não presta para comer”. Foi quando ele nos surpreendeu: “Não tem
problema! É para a mamãe!”. Ai que saudade do finado Gusto da praia do
Perequê-mirim!
Nenhum comentário:
Postar um comentário