quarta-feira, 21 de novembro de 2012

PICOLÉ E SABEDORIA



                Aristides, um dos filhos do velho Cabral, era um caiçara que observava bem as coisas, mas de um modo muito discreto. O seu olhar era fixo no olhar de seu interlocutor, como se enxergasse o fundo da alma alheia. Os seus comentários e observações só se mostravam em muita profundidade para quem fizesse um esforço reflexivo.

                Os assuntos do Aristides eram coisas do cotidiano, do nosso simples dia-a-dia.  Somente em época de eleição  os seus ânimos pareciam se exaltar. Não sei dizer de onde ele se municiava com tantos fatos históricos nacionais para aplicar em nosso contexto de cidade quase que totalmente isolada, já na divisa com o Estado do Rio de Janeiro.

                Numa ocasião, quando se findava o mandato de um determinado prefeito, para que entendêssemos a  sua análise de conjuntura, explicou um fato do tempo do rei D. João VI: “Ao embarcar de volta para Portugal, deixando aqui o seu filho D. Pedro I, um putanheiro de marca maior, aquele gordo porcalhão raspou os cofres do Banco do Brasil e levou embora todo o nosso dinheiro. É assim que está acontecendo hoje: os fundos para a manutenção do ritmo regular do nosso município e de várias obras do nosso interesse se veem num sangradouro. Na verdade, já dizem por aí que não há fundos nos fundos”. E, para encerrar, sempre recorrendo a uma frase de efeito humorístico, ele tascou:

                “Os fundos viraram fundilhos puídos. Até para soltar catinga no ar deve-se calcular a pressão para não rasgar de vez o pano.  É essa condição que se vê: uma péssima lição de séculos se atualizando”.

                Nesse dia distante, ao perceber que eu o escutara com toda atenção, o homem me deu um picolé de groselha. Ao voltar para casa, todo satisfeito, eu fui repetindo entre as lambidas:
                - O seu Aristides  é muito sabido.

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