Aristides,
um dos filhos do velho Cabral, era um caiçara que observava bem as coisas, mas
de um modo muito discreto. O seu olhar era fixo no olhar de seu interlocutor,
como se enxergasse o fundo da alma alheia. Os seus comentários e observações só
se mostravam em muita profundidade para quem fizesse um esforço reflexivo.
Os
assuntos do Aristides eram coisas do cotidiano, do nosso simples
dia-a-dia. Somente em época de
eleição os seus ânimos pareciam se
exaltar. Não sei dizer de onde ele se municiava com tantos fatos históricos
nacionais para aplicar em nosso contexto de cidade quase que totalmente
isolada, já na divisa com o Estado do Rio de Janeiro.
Numa
ocasião, quando se findava o mandato de um determinado prefeito, para que entendêssemos
a sua análise de conjuntura, explicou um
fato do tempo do rei D. João VI: “Ao embarcar de volta para Portugal, deixando
aqui o seu filho D. Pedro I, um putanheiro de marca maior, aquele gordo
porcalhão raspou os cofres do Banco do Brasil e levou embora todo o nosso
dinheiro. É assim que está acontecendo hoje: os fundos para a manutenção do
ritmo regular do nosso município e de várias obras do nosso interesse se veem
num sangradouro. Na verdade, já dizem por aí que não há fundos nos fundos”. E,
para encerrar, sempre recorrendo a uma frase de efeito humorístico, ele tascou:
“Os
fundos viraram fundilhos puídos. Até para soltar catinga no ar deve-se calcular
a pressão para não rasgar de vez o pano.
É essa condição que se vê: uma péssima lição de séculos se
atualizando”.
Nesse
dia distante, ao perceber que eu o escutara com toda atenção, o homem me deu um
picolé de groselha. Ao voltar para casa, todo satisfeito, eu fui repetindo entre as
lambidas:
-
O seu Aristides é muito sabido.
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