domingo, 19 de junho de 2022

ICA, A ROSA VERMELHA

Rosa vermelha - Arquivo JRS

 


     Desde muitos anos, décadas, quando passávamos pela estrada de São Luiz do Paraitinga, minha amada fazia questão de parar por ali para comprar pamonhas. Afinal, nunca fez parte da tradição caiçara essa forma de aproveitamento do milho, essa delícia, mas sim da gastronomia da cultura caipira. Dona Ica nos recebia com grande carinho e nos atendia prontamente. Eu, por consideração, a chamava de Vó Ica. Aqueles momentos eram prazerosos porque quebrava a ritmo da viagem, e, além de tudo, me proporcionava sempre uma boa prosa. Não é segredo nenhum que eu sempre fui especulador, de querer saber do lugares, das pessoas pelos caminhos por onde ando etc.

     Ao lado da barraca da Vó Ica existia uma roseira. Era vermelha, de um tom impressionante, tal como uma daquelas que a vovó Eugênia cultivava no jardim do terreiro, na porta da sala, na praia da Fortaleza. Eu me encantava com a beleza, com o tanto de rosas que enfeitavam aquela simpática parada na beira da estrada. Num belo dia, assim que compramos as pamonhas, Vó Ica pede para esperarmos um pouco. Deixa o balcão, dá a volta e vem com uma bela muda de roseira em minha direção: “Eu fiz essa muda daquela roseira ali para você, para vocês. Todas as vezes que passam por aqui, noto o quanto as rosas vermelhas atraem a sua atenção. É um presente meu. Sei que será cuidada com amor”. Que grande alegria! Em nosso quintal, longe do chão caipira, essa roseira se adaptou.

    Ontem viajamos, nos detivemos mais uma vez pelo tradicional ponto da estrada a fim de comprar pamonhas. Agora não existe mais a “minha” roseira. Vó Ica faleceu há muitos anos. Dois rapazes estavam atendendo a freguesia. Por coincidência, se encontravam lanchando o amigo Cícero e sua filhinha. Foi ele quem "deu o pontapé" na prosa: “Eu estava contando para eles que eu frequento aqui desde o tempo daquela senhora que cuidava de tudo. Se lembra dela, Zé?”. Aí eu me empolguei e contei a história da roseira. Um dos rapazes se emocionou: “Dona Ica era a minha bisavó. Obrigado pela história, pela lembrança dela, senhor”.  Após me despedir, fiquei refletindo o quanto são importantes as pessoas e os momentos que vivemos com elas.

     Ica, daquela ocasião em diante, é sinônimo de rosa vermelha.

    Tudo isso são retalhos da minha história que se juntam numa colcha para cobrir o meu ser, para me tornar o que sou. Gratidão pela Vó Ica fazer parte do meus caminho!

Nenhum comentário:

Postar um comentário