O mar e o pescador - Arquivo JRS |
Estou relendo Joatão e a ilha, de José Fonseca Fernandes. É um romance baseado na história do presídio da Ilha Anchieta, em Ubatuba. De repente, me deparo com a passagem da turma da pesca, do diálogo entre dois personagens (que não são caiçaras) se preparando para puxar os cabos de imbé:
- Seu Martim, e agora: o que fazemos?
O encarregado da turma de pesca achou graça do jovem
procurando o que fazer. Ali estava a mocidade exigindo movimento.
- Mais alguns minutos – informou – iniciaremos a puxada de
arrastão.
Joatão sentou-se na areia. Se não tinha o que fazer podia ao
menos conversar. Martim era um dos que gostava de boa prosa e via no moço
curiosidade no olhar.
- Quanto tempo o senhor trabalha neste serviço?
- Há mais de dez anos conduzo presos para pescar no mar. Já
me sinto cansado. Dentro de pouco tempo, contado o meu tempo de serviço na capital,
gozarei algumas licenças-prêmio acumuladas. Depois posso até pedir
aposentadoria.
- E então volta para São Paulo?
- Não creio. Quem se acostuma no mar não aceita nunca mais
ficar longe dele. Se me aposentar caso-me, fico por aqui mesmo em qualquer
dessas praias do litoral. Continuarei no serviço de pesca. Tenho como certo que
não me habituarei a qualquer trabalho. Isto é igual cachaça.
Joatão mergulhou o olhar na areia, entristeceu; imagem
sombria perpassou a mente jovem. Ele não poderia dizer o mesmo. Não tinha
escolha.
- E você. Quantos anos?
O preso agitou-se. Indeciso, nervoso, informou:
- Comecei agora. Quase vinte anos mais – e num desabafo: -
mas não serei como o senhor. Exatamente o contrário: não vou me acostumar e vou
ter de aguentar o tempo todo. Quando me mandarem de volta estarei velho. Tenho
plena certeza: vou envelhecer quarenta anos em vinte!
- É possível que você mude de opinião. Esta região do
litoral norte altera tudo, inclusive o temperamento da gente. Há iodo demais no
mar, despropósito de chuva no céu e um sol que brilha como em nenhum outro
lugar do mundo. São três coisas que tocam a gente. Tiram-nos e prazer de tudo
que gostávamos anteriormente: transformam-nos lentamente em caiçaras, em homens
dispostos a tudo, menos afastar-se da costeira do mar.
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