sexta-feira, 3 de junho de 2022

PÁGINA DE ROMANCE

O mar e o pescador - Arquivo JRS



     Estou relendo Joatão e a ilha, de José Fonseca Fernandes. É um romance baseado na história do presídio da Ilha Anchieta, em Ubatuba. De repente, me deparo com a passagem da turma da pesca, do diálogo entre dois personagens (que não são caiçaras) se preparando para puxar os cabos de imbé:

- Seu Martim, e agora: o que fazemos?

O encarregado da turma de pesca achou graça do jovem procurando o que fazer. Ali estava a mocidade exigindo movimento.

- Mais alguns minutos – informou – iniciaremos a puxada de arrastão.

Joatão sentou-se na areia. Se não tinha o que fazer podia ao menos conversar. Martim era um dos que gostava de boa prosa e via no moço curiosidade no olhar.

- Quanto tempo o senhor trabalha neste serviço?

- Há mais de dez anos conduzo presos para pescar no mar. Já me sinto cansado. Dentro de pouco tempo, contado o meu tempo de serviço na capital, gozarei algumas licenças-prêmio acumuladas. Depois posso até pedir aposentadoria.

- E então volta para São Paulo?

- Não creio. Quem se acostuma no mar não aceita nunca mais ficar longe dele. Se me aposentar caso-me, fico por aqui mesmo em qualquer dessas praias do litoral. Continuarei no serviço de pesca. Tenho como certo que não me habituarei a qualquer trabalho. Isto é igual cachaça.

Joatão mergulhou o olhar na areia, entristeceu; imagem sombria perpassou a mente jovem. Ele não poderia dizer o mesmo. Não tinha escolha.

- E você. Quantos anos?

O preso agitou-se. Indeciso, nervoso, informou:

- Comecei agora. Quase vinte anos mais – e num desabafo: - mas não serei como o senhor. Exatamente o contrário: não vou me acostumar e vou ter de aguentar o tempo todo. Quando me mandarem de volta estarei velho. Tenho plena certeza: vou envelhecer quarenta anos em vinte!

- É possível que você mude de opinião. Esta região do litoral norte altera tudo, inclusive o temperamento da gente. Há iodo demais no mar, despropósito de chuva no céu e um sol que brilha como em nenhum outro lugar do mundo. São três coisas que tocam a gente. Tiram-nos e prazer de tudo que gostávamos anteriormente: transformam-nos lentamente em caiçaras, em homens dispostos a tudo, menos afastar-se da costeira do mar.

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