Arte na telha (Arquivo JRS) |
Estou escrevendo. De repente um cheiro bom toma conta da casa. É de
quentão, conforme a nossa tradição quando chega o inverno (mesmo que seja bobo
e nem dê para vestir a nossa costumeira proteção para os braços). Que cheiro
bom! Então comecei a imaginar os ingredientes e seus caminhos: cravo, canela,
gengibre... Tudo trazido do Oriente, da África e de tantas outras terras
distantes para o Brasil depois de 1500. Também um monte de coisas foi daqui
para os lados deles. E aqui, nasce com o açúcar, a cachaça: a água ardente. “Vai uma pinguinha aí?”. O santo nunca
recusa.
O historiador Laurentino Gomes
afirma:
Entre os séculos XVI e XVII, São Tomé, Cabo Verde e as demais ilhas
atlânticas ao largo da costa da África – incluindo os arquipélagos da Madeira e
das Canárias, grandes produtores de açúcar e também entrepostos de comércio de
escravos – funcionaram como um grande jardim botânico para a aclimatação de uma
infinidade de plantas que, a bordo das embarcações europeias, deixavam suas
terras de origem, cruzavam os oceanos e se adaptavam a outros climas e
paisagens. Até hoje, os botânicos já catalogaram mais de 150 espécies vegetais comestíveis
nativas da África Ocidental.
A necessidade é mãe da
criatividade. Sabe-se lá quantas coisas esses povos de longe faziam com esses
ingredientes. Certamente os povos africanos também usavam muito o gengibre. Já
li em algum lugar que, nos porões dos navios, junto dos cativos, era comum virem
algumas raízes, inclusive de gengibre. Será que era para mitigar as dores? Ou
serviriam para exalar um gostoso cheiro? Pode ser por tantos motivos... Mas o
melhor, nas agruras do trabalho forçado, sob açoite, foi o uso para fazer
quentão. Depois, de um “prova aqui, o
sinhô vai gostá”, a bebida ganhou a preferência nas noites frias, nas rodas
de prosas, cantorias e danças. De lá pra
cá não deixamos de ter sempre o nosso quentão. Certa ocasião, no Rio Grande do Sul, ao pedir
quentão, me vieram com um vinho quente. É o quentão deles, ué! E roda em todas as festas
como o nosso quentão, que não pode faltar nas festas juninas. Mas cadê as
festas juninas?
Junto com o friozinho vem o
quentão, vem o cará-roxo, o cará-moela... Melhor: chega a tainha vindo do sul.
Que beleza! Agora... com licença, vou tomar o meu quentão.
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