Brechas no céu (Arquivo JRS) |
De vez em
quando eu me lembro de cada uma !!! Desta vez me refiro a uma palavra que
escutei pela primeira vez em prosa de serão, no jundu do Perequê-mirim, no
começo da década de 1970. O Celino, carioca todo exaltado, disse mais ou menos isto: “O mundo vive em
turbulência, o Brasil se racha por todo lado, mas ai de nós se reclamarmos!”.
A palavra, nova para mim, ficou martelando. “Turbulência? Que será isso?”. Naquele tempo, quando nenhum
livro tínhamos em casa, não havia como resolver isso tão facilmente. Eu,
vergonhoso como era, não perguntei para ninguém. Porém, o Agenor Barreto, assim
que saiu do bar do Miguel no dia seguinte, berrou a quem quisesse ou não quisesse
ouvir: “Esse carioca fala, fala, fala… Diz palavra complicada pensando que
assim cresce em cima da gente, dessa caiçarada que nem escola teve. Quem ele
pensa que é? A Zelma, filha do Seo
Pascoal já me explicou isso de turbulência. É perturbação, desordem; quando a
gente fica inquieto”. Assim eu
aprendi uma nova palavra e seu significado. Concluí que não fui o único a ficar
pensando naquela palavra. Ainda bem que o Agenor se lembrou de alguém que
pudesse ajudar na falta de um dicionário!
Hoje, ao ver
os mais novos com tantos recursos, constatando que muitos até fogem dos livros, penso que a única biblioteca da minha
infância, comandada pela Dona Geni, ficava num espaço de, no máximo, vinte metros quadrados, na parte de cima do Ateneu
Ubatubense, com acesso pela rua Salvador Correia de Sá. Um chafariz em forma de
cabeça de leão fazia um charme, na entrada. Na parte de baixo era o museu, a
principal atração. Nessa biblioteca, onde a quase totalidade dos livros eram
costurados e puídos de tanto uso, fui depois me inteirando conforme as
inquietações apareciam. Nem preciso
dizer que o saudoso Celino voltou a falar mais vezes na tal de turbulência. Só
aquela nossa biblioteca me fez entender o sentido que esse senhor queria que
entendêssemos: as turbulências querem nos sacudir, nos impulsionar para que,
nas suas rachaduras, ousemos semear boas
sementes, capazes de gerarem um mundo melhor.
Em pleno regime dos generais, estava certo o papai ao dizer de vez em
quando: “Esse Celino é subversivo. Isto sim que ele é! Ele que tome cuidado”.
Ah! Como o Celino usaria a palavra turbulência hoje!!!
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