sexta-feira, 13 de março de 2020

TURBULÊNCIAS

Brechas no céu (Arquivo JRS)



            De vez em quando eu me lembro de cada uma !!! Desta vez me refiro a uma palavra que escutei pela primeira vez em prosa de serão, no jundu do Perequê-mirim, no começo da década de 1970. O Celino, carioca todo exaltado,  disse mais ou menos isto: “O mundo vive em turbulência, o Brasil se racha por todo lado, mas ai de nós se reclamarmos!”. A palavra, nova para mim, ficou martelando. “Turbulência? Que será isso?”. Naquele tempo, quando nenhum livro tínhamos em casa, não havia como resolver isso tão facilmente. Eu, vergonhoso como era, não perguntei para ninguém. Porém, o Agenor Barreto, assim que saiu do bar do Miguel no dia seguinte, berrou a quem quisesse ou não quisesse ouvir: “Esse carioca fala, fala, fala… Diz palavra complicada pensando que assim cresce em cima da gente, dessa caiçarada que nem escola teve. Quem ele pensa que é? A  Zelma, filha do Seo Pascoal já me explicou isso de turbulência. É perturbação, desordem; quando a gente fica inquieto”.  Assim eu aprendi uma nova palavra e seu significado. Concluí que não fui o único a ficar pensando naquela palavra. Ainda bem que o Agenor se lembrou de alguém que pudesse ajudar na falta de um dicionário!

            Hoje, ao ver os mais novos com tantos recursos,  constatando que muitos até fogem dos livros, penso que a única biblioteca da minha infância, comandada pela Dona Geni, ficava num espaço de, no máximo, vinte  metros quadrados, na parte de cima do Ateneu Ubatubense, com acesso pela rua Salvador Correia de Sá. Um chafariz em forma de cabeça de leão fazia um charme, na entrada. Na parte de baixo era o museu, a principal atração. Nessa biblioteca, onde a quase totalidade dos livros eram costurados e puídos de tanto uso, fui depois me inteirando conforme as inquietações  apareciam. Nem preciso dizer que o saudoso Celino voltou a falar mais vezes na tal de turbulência. Só aquela nossa biblioteca me fez entender o sentido que esse senhor queria que entendêssemos: as turbulências querem nos sacudir, nos impulsionar para que, nas  suas rachaduras, ousemos semear boas sementes, capazes de gerarem um mundo melhor.  Em pleno regime dos generais, estava certo o papai ao dizer de vez em quando: “Esse Celino é subversivo. Isto sim que ele é! Ele que tome cuidado”. 

               Ah! Como o Celino usaria a palavra turbulência hoje!!!

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