Venâncio: raiz do meu ser arteiro. (Arquivo Má) |
Parece que foi ontem que encontrei o João de Souza e o
Uirson proseando no jundu do Acaraú, mas já se passaram mais de
quarenta anos. Por gostar de escutar as histórias dos mais velhos,
ali me encostei também, adolescente ainda. Em seguida veio o Chico
Preto e o Garné; tinham acabado de guardar a canoa e as tralhas no rancho,
debaixo da amendoeira maior. Lembro-me tão bem! É como se estivesse
vivendo aquele dia agora! O assunto era o cação bravo, um anequim
da galha preta, capturado ali mesmo, na chegada das marolas nos
sapinhauás. Foi cercado por um pano de rede pequeno, arranjado às
pressas pelo Juraci e João de Paula. “Tinha mais de sete
arrobas, no cálculo do Jaca”. Nossa! “Pois é, mas isso
não é novidade! De tempos em tempos encalha nesse lugar, neste
porto mesmo, um bichão desse”. Me
espantei. “É mesmo!”, confirmou o João. “Tem
um dizer dos antigos que vem da laje do Patieiro, é de onde esses
bichos bravos vêm. É dali, onde o cheiro do arroto desses cações
bravos nunca se acaba, que se desprende a cada dez, quinze anos, um
dos bravos. Eles vêm morrer neste jundu. Papai mesmo conta que já
ajudou a enterrar alguns deles. E tem mais: no dizer dos antigos,
tudo isso acontece porque um índio, em tempo distante, foi
rejeitado pela aldeia de Yperoig, entrou mar adentro, na direção
daquela costeira onde o mato é só coqueiro pati, o Patieiro,
naquele lugar de cação bravo, na laje do Patieiro. Conta a história que ele nunca mais
voltou porque ganhou a admiração dos seres daquele trecho do mar,
se tornando um deles. Virou cação também. Só que, ao ficar velho,
deixou um dos filhos em seu lugar e veio implorar a acolhida dos
homens, querendo morrer e ser enterrado por eles. E a sua
descendência, que continua vivendo entre cações, vem repetindo
isso. E assim, esse fato se repete de tempos em tempos. Lembram-se
que, da outra vez, quem recolheu foi o velho Barroso e o Carrinho”? Nossa!
“É, pois é… Quantos de nós vai estar vivo quando o
próximo cação vier encalhar neste lugar?”, suspirou o
Uirson.
Me recordei dessa prosa porque, dias atrás, na bica do Horto,
conversando com o Benedito, gente do saudoso Clarismundo “Falante”,
ele deu a seguinte notícia: “Zé, você soube do baita cação
que o Ferrinho enredou na praia do Acaraú? Pesou setenta e
seis quilos depois de limpo. Disse ele que, estava pescando
perto do caisão quando avistou aquela galha por cima da água,
vindo para a terra. Então ele a seguiu até quando
teve certeza de que a sua rede dava conta do recado,
aguentaria o bicho. Aquele mundaréu assustador morreu
enrolado na rede. Todo mundo se admirou! Acho que poucos dali
tinham visto cação assim, tão grande!”
Interessante! É a sina dos cações do Patieiro!
Yperoig significa água, baía dos tubarões, na língua dos tupinambás, os antigos donos desta Ubatuba.
Yperoig significa água, baía dos tubarões, na língua dos tupinambás, os antigos donos desta Ubatuba.
Adorei a história! Como guia de turismo tenho muito interesse pelos contos dos antigos caiçaras. Tem muita lógica e sabedoria no que eles contavam. Ainda encontram cação por ali, perto da praia do Acaraú?
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