quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

NÃO ME LEVE A MAL


O céu é o limite (Arte: Cristiane Campos)


        Segundo os estudiosos do tema, o Carnaval tem origem nas festas primitivas (pagãs) ligadas à agricultura. Quem não gosta de festejar? Os romanos, por exemplo, homenageavam Saturno, o deus da agricultura, com desfiles pelas ruas, com carros em forma de barcos, os carrrus navalis. Mais tarde, com o poder da religião católica, tais festejos foram incorporados ao calendário cristão porque eram muito populares. Ou seja, o pragmatismo católico determinou “dar um jeito para não deixar de atrair fiéis para a religião”. Hoje, após um tempo tentando demonizar esse período, a maioria das religiões promovem seus carnavais. Quem nunca ouviu falar em Rebanhão de Carnaval e coisas do gênero? 

     “Não me leve a mal, hoje é carnaval”. O carnaval, numa manobra linguística orquestrada pela crendice, virou festa da carne, ganhou outra estação na marcação do tempo, antecedendo a Quaresma (tempo litúrgico de penitência, de se abster de tantas coisas). Com o passar do tempo, em cada local foi se particularizando as formas de se festejar. Para esta terra, os portugueses trouxeram a sua forma de brincar o carnaval: era o Entrudo, onde as brincadeiras de rua consistiam em jogar bolinhas de cheiro nos foliões. Escravos se comportavam como os senhores, se fantasiavam, excediam os limites  do tempo comum . Todos eram livres para expressar suas alegrias, para desabafar seus sofrimentos, para criticar a sociedade, tal como assistimos a cada ano. Assim deve continuar sendo o Carnaval! Só não sei como se sente um folião que apoia governos claramente contra as classes populares. Não me leve a mal fulano de tal, sicrano etc., mas vocês são incoerentes com suas paixões!

         O meu povo caiçara sempre foi festeiro. Sempre se dava um jeito para um bate-pé regado a bebidas e comidas, mesmo que na maior simplicidade. Qualquer tempo, quando uma reserva estava garantida, os motivos festivos não faltavam. São comuns os relatos de festas nas casas nas diversas praias! As moradias, por mais pobres que fossem, tinham uma sala grande para festas. Carnaval mesmo, como apreciamos hoje, acontecia no centro da cidade, com máscaras, bonecões e bandas animadas. Alguns se deslocavam das mais distantes praias e sertões para “brincar o carnaval”.

         No meu tempo de menino, no Perequê-mirim, havia um salão ao lado do campo de futebol. Era o espaço dos espetáculos do bairro. Dona Aparecida, evangélica, que tinha horror à festa da carne, denominava o nosso salão de “Cocheira”, o lugar das vacas. Coitada dela. Fora dos horários de matinês, a criançada se mascarava e tomava as ruas com varetas na mão, assustando as demais. Só que nós, por sermos poucos e todos conhecidos, sempre descobríamos quem era quem. Quem estivesse mascarado ficava doido ao ter o seu nome pronunciado. Então, partia para dar umas varadas. Era uma correria só.

         Não tem como conter uma paixão popular e as manifestações populares, sobretudo aquelas que denunciam os senhores e suas iniquidades, confirmando que a necessidade é mãe da criatividade. Assim, parabéns à Mangueira que contagiou o público e levantou o coro com o refrão:

Favela, pega visão.
Não tem futuro sem partilha,
Nem Messias de arma na mão”.

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