Nascemos e
morremos. Papai falava: “Só não morre quem não nasceu”, “Para
morrer basta estar vivo” etc. Assim a minha gente e eu seguimos.
Porém, sempre que alguém mais próximo de nós falece, somos
sacudidos na existência. Ontem, dia cinco de fevereiro, partiu desta
o compadre Nilo.
Nilo Cabral
Barbosa, nativo do Perequê-mirim, nasceu e cresceu como pescador
junto ao velho Pedro Cabral, cuja história estava ligada ao
deslocamento de tantos ilhéus da Ilha dos Porcos para a construção
do presídio, no início do século XX. Hoje é Ilha Anchieta. Quando
adulto, Nilo se tornou motorista de caminhão, levando os filhos pelo
mesmo caminho no serviço de terraplanagem. De uma das filhas, há um
tempinho, ele e Luzita me convidaram para ser padrinho. É por isso
que Adriana também é minha filha!
Hoje, reedito um texto de anos atrás, num "dedo de prosa" marcante. E, conforme o próprio Nilo, "a vida segue, compadre!"
MEU COMPADRE NILO
Dia
27 de janeiro de 2017 – Praia do Perequê-mirim. Depois de um
café com parte da família Cabral Barbosa (Nilo, Luzita, Adriana e
Aline), puxei uma prosa com o meu compadre Nilo.
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Nilo, fala do tio Dionísio.
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Ele morava no Sertão [do Perequê-mirim], na casa do coronel
Maciel. Era casado com a tia Luzia, tinha uma porção de filhos.
Rodolfo, Judith, Joana... eram filhos. Os outros filhos foram embora
para Santos, trabalhar. O Dito Henrique, pai do Ditinho, do
Andrade... era genro dele, se casou com a minha prima Judith. O
Antônio Julião foi casado com a Joana, mas logo enviuvou. Alguns
eu não conheci porque foram trabalhar em Santos. O resto ficou aqui
mesmo. Eu era criança... Eles foram para trabalhar em Santos, nos
sítios de banana; casaram por lá e por lá ficaram. O Antônio
Julião foi genro, casou com a Joana, a minha prima. Joana Cabral.
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E a respeito do Dito Henrique?
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O Dito Henrique eu não conhecia. Eu conheci ele trabalhando. Depois
que a primeira mulher morreu, a mãe do Ditinho Henrique, a minha
prima Judith casou com o Dito Henrique. O Dito Henrique, o velho. Eu
não conheci a primeira mulher dele. Ele vinha aqui quase todo dia.
No domingo à tarde, o tio Dionísio ia na Enseada, passear na casa
do genro, né? A minha tia Luzia ia na frente.
- E como era o lugar onde morava o tio Dionísio?
- E como era o lugar onde morava o tio Dionísio?
-
Na casa do tio Dionísio havia um pomar que estava assim de frutas,
os galhos até arcavam. A lima, rapaz, daquela bitelona assim...
Lima barata, que falam, e lima-embigo... Laranja para encher sacola.
Um dia eu fui na casa dele e falei: “Oi tia, posso pegar uma
laranja aí?”. “Ah, meu filho! Pode pegar à vontade!”. O tio
Dionísio tinha saído. Os galhos estavam até arcados assim com
tanto peso das laranjas. A casa deles era perto da cachoeira, tinha
de passar uma ponte. Passava a ponte e já estava no terreno dele.
Sempre estava assim de frutas! Cambucá, laranja... isso fazia lama
no chão!
-
E a respeito da Ilha Anchieta?
-
Na Ilha Anchieta era uma coisa; os presos vinham de barco, ficavam
ali. A gente nem conhecia os presos. Mais tarde veio um monte de
presos e ficavam à revelia, se revoltaram. Depois da revolução,
alguns ficaram por aí. Agora, hoje acabou. Naquele tempo dava
gosto; a gente ia botar a rede lá, pedia licença: “Tenente, a
gente queria puxar uma redinha aí”. E ele respondia: “Ah, Pode!
Depois vocês deixam um terço da pescaria aqui, para fazer
para os presos”. A gente deixava um terço lá. Tinha peixe em
quantidade! Peixe-porco a gente nem queria falar de tanto que tinha.
Em quantidade! Em quantidade! Ninguém pescava lá! Quando a gente
ia botar rede, um lanço só, dois lanços, chapava a canoa e ia
embora. Aí deixava um bocado de peixes para eles e ia embora. Tinha
guarda na praia, em frente ao presídio...
- Todo esse pessoal pescava?
- Todo esse pessoal pescava?
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O Dito Henrique não pescava. Pescava garoupa ali pertinho, pertinho
de casa. Trabalhava, tinha uma roça no Morro do Morcego, mas não
era de se esforçar muito. Mas o meu tio, aquele que morava lá no
Sertão, era trabalhador. Tio Dionísio Cabral, irmão do meu pai.
Ele teve muitos filhos; trabalhavam na roça, entre os bichos
(maribondo, borrachudo, mutuca...), mas não tinha para quem vender.
As frutas apodreciam e não tinha para quem vender. Não tinha
comércio, né? Ele tinha canoa, levava algumas frutas até São
Sebastião. Iam remando. Quando tinha vento, iam no pano. Quando não
tinha, iam remando. Levavam uns dois dias. Viajavam, viajavam... às
vezes passavam direto para Ubatuba [cidade-centro] para vender umas
frutas lá, para sobreviver. Vendiam farinha, mas não vendiam muito
não. Naquele tempo tinha poucos moradores. No caso da farinha, se
caísse um pouco de água já perdia. Era difícil! Muitos iam
trabalhar em Santos. Iam a pé até Santos, trabalhavam,
trabalhavam, recebiam um dinheiro lá e vinham embora depressa
porque tinham roças para cuidar, tinham um bando de crianças. Nós
éramos onze crianças. O meu pai trabalhou lá [em Santos]. Era a
velha que ia, quando era mocinha, trabalhar na roça. Levava a
criançada para ajudar enquanto o velho estava em Santos.
- E as caçadas?
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No inverno, eu ia buscar raposa para comer. Eu tinha dois cumbus.
Quando ia visitar, trazia duas raposas. Colocava dentro de um saco e
vinha. No tempo da chuva comia raposa. Comia raposa com mamão. Uma
caldeirada com mamão verde! Ficava que nem uma galinha cozida.
Gostoso, puta que pariu! Comia de tudo! Peixe nem se fala! Ficava
encalhado na praia de tanto que tinha!
Observação: Judith Cabral dos Santos hoje nomeia uma escola, na Rua Benedito Henrique, no bairro do Perequê-mirim. Ou seja, o saudoso casal de caiçaras continuam juntos
Observação: Judith Cabral dos Santos hoje nomeia uma escola, na Rua Benedito Henrique, no bairro do Perequê-mirim. Ou seja, o saudoso casal de caiçaras continuam juntos
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