quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

A VIDA SEGUE, COMPADRE!


Novo dia porque a vida segue (Arquivo JRS)



              Nascemos e morremos. Papai falava: “Só não morre quem não nasceu”, “Para morrer basta estar vivo” etc. Assim a minha gente e eu seguimos. Porém, sempre que alguém mais próximo de nós falece, somos sacudidos na existência. Ontem, dia cinco de fevereiro, partiu desta o compadre Nilo. 

            Nilo Cabral Barbosa, nativo do Perequê-mirim, nasceu e cresceu como pescador junto ao velho Pedro Cabral, cuja história estava ligada ao deslocamento de tantos ilhéus da Ilha dos Porcos para a construção do presídio, no início do século XX. Hoje é Ilha Anchieta. Quando adulto, Nilo se tornou motorista de caminhão, levando os filhos pelo mesmo caminho no serviço de terraplanagem. De uma das filhas, há um tempinho, ele e Luzita me convidaram para ser padrinho. É por isso que Adriana também é minha filha!

               Hoje, reedito um texto de anos atrás, num "dedo de prosa" marcante. E, conforme o próprio Nilo, "a vida segue, compadre!"




MEU COMPADRE NILO



               Dia 27 de janeiro de 2017 – Praia do Perequê-mirim. Depois de um café com parte da família Cabral Barbosa (Nilo, Luzita, Adriana e Aline), puxei uma prosa com o meu compadre Nilo.

                   - Nilo, fala do tio Dionísio.
               - Ele morava no Sertão [do Perequê-mirim], na casa do coronel Maciel. Era casado com a tia Luzia, tinha uma porção de filhos. Rodolfo, Judith, Joana... eram filhos. Os outros filhos foram embora para Santos, trabalhar. O Dito Henrique, pai do Ditinho, do Andrade... era genro dele, se casou com a minha prima Judith. O Antônio Julião foi casado com a Joana, mas logo enviuvou. Alguns eu não conheci porque foram trabalhar em Santos. O resto ficou aqui mesmo. Eu era criança... Eles foram para trabalhar em Santos, nos sítios de banana; casaram por lá e por lá ficaram. O Antônio Julião foi genro, casou com a Joana, a minha prima. Joana Cabral.
           

                   -  E a respeito do Dito Henrique?
          - O Dito Henrique eu não conhecia. Eu conheci ele trabalhando. Depois que a primeira mulher morreu, a mãe do Ditinho Henrique, a minha prima Judith casou com o Dito Henrique. O Dito Henrique, o velho. Eu não conheci a primeira mulher dele. Ele vinha aqui quase todo dia. No domingo à tarde, o tio Dionísio ia na Enseada, passear na casa do genro, né? A minha tia Luzia ia na frente.

                     
- E como era o lugar onde morava o tio Dionísio?
                - Na casa do tio Dionísio havia um pomar que estava assim de frutas, os galhos até arcavam. A lima, rapaz, daquela bitelona assim... Lima barata, que falam, e lima-embigo... Laranja para encher sacola. Um dia eu fui na casa dele e falei: “Oi tia, posso pegar uma laranja aí?”. “Ah, meu filho! Pode pegar à vontade!”. O tio Dionísio tinha saído. Os galhos estavam até arcados assim com tanto peso das laranjas. A casa deles era perto da cachoeira, tinha de passar uma ponte. Passava a ponte e já estava no terreno dele. Sempre estava assim de frutas! Cambucá, laranja... isso fazia lama no chão!
                 - E a respeito da Ilha Anchieta?
           - Na Ilha Anchieta era uma coisa; os presos vinham de barco, ficavam ali. A gente nem conhecia os presos. Mais tarde veio um monte de presos e ficavam à revelia, se revoltaram. Depois da revolução, alguns ficaram por aí. Agora, hoje acabou. Naquele tempo dava gosto; a gente ia botar a rede lá, pedia licença: “Tenente, a gente queria puxar uma redinha aí”. E ele respondia: “Ah, Pode!  Depois vocês deixam um terço da pescaria aqui, para fazer para os presos”. A gente deixava um terço lá. Tinha peixe em quantidade! Peixe-porco a gente nem queria falar de tanto que tinha. Em quantidade! Em quantidade! Ninguém pescava lá! Quando a gente ia botar rede, um lanço só, dois lanços, chapava a canoa e ia embora. Aí deixava um bocado de peixes para eles e ia embora. Tinha guarda na praia, em frente ao presídio...

                   - Todo esse pessoal pescava?
           - O Dito Henrique não pescava. Pescava garoupa ali pertinho, pertinho de casa. Trabalhava, tinha uma roça no Morro do Morcego, mas não era de se esforçar muito. Mas o meu tio, aquele que morava lá no Sertão, era trabalhador. Tio Dionísio Cabral, irmão do meu pai. Ele teve muitos filhos; trabalhavam na roça, entre os bichos (maribondo, borrachudo, mutuca...), mas não tinha para quem vender. As frutas apodreciam e não tinha para quem vender. Não tinha comércio, né? Ele tinha canoa, levava algumas frutas até São Sebastião. Iam remando. Quando tinha vento, iam no pano. Quando não tinha, iam remando. Levavam uns dois dias. Viajavam, viajavam... às vezes passavam direto para Ubatuba [cidade-centro] para vender umas frutas lá, para sobreviver. Vendiam farinha, mas não vendiam muito não. Naquele tempo tinha poucos moradores. No caso da farinha, se caísse um pouco de água já perdia. Era difícil! Muitos iam trabalhar em Santos. Iam a pé até Santos, trabalhavam, trabalhavam, recebiam um dinheiro lá e vinham embora depressa porque tinham roças para cuidar, tinham um bando de crianças. Nós éramos onze crianças. O meu pai trabalhou lá [em Santos]. Era a velha que ia, quando era mocinha, trabalhar na roça. Levava a criançada para ajudar enquanto o velho estava em Santos.

                   -  E as caçadas?
               - No inverno, eu ia buscar raposa para comer. Eu tinha dois cumbus. Quando ia visitar, trazia duas raposas. Colocava dentro de um saco e vinha. No tempo da chuva comia raposa. Comia raposa com mamão. Uma caldeirada com mamão verde! Ficava que nem uma galinha cozida. Gostoso, puta que pariu! Comia de tudo! Peixe nem se fala! Ficava encalhado na praia de tanto que tinha!

Observação: Judith Cabral dos Santos hoje nomeia uma escola, na Rua Benedito Henrique, no bairro do Perequê-mirim. Ou seja, o saudoso casal de caiçaras continuam juntos

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