sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

CANÇÃO DO PESCADOR

Uma flor no caminho (Arquivo JRS)
Pescadores  na tela de Wilson Neves (Arquivo JRS)

Há alguns anos, José Kleber escreveu um livro de poesias intitulado Praia do Sono, nascido de seu encanto pelo lugar e pelo povo caiçara desse lugar tão bonito, no município vizinho de Paraty. Agora, escutando a chuva caindo, resolvi publicar um dos poemas desse homem tão singular. Massao Ohno, se referindo ao poeta, assim escreveu: "Morto Orfeu, porém, continua o seu corpo no canto dos rouxinóis".


CANÇÃO DO PESCADOR

Pescador, pescador
que não se perdeu
na superfície cruzada
e desembarcou
vitorioso de nada
no arquipélago cotidiano!

A rede de sonhos,
coroa de menino
agora já é tecida
por cabelos brancos.

E a fartura, que não é
milagre de multiplicação,
nas cestas de ferrugem e escama,
onde mil olhos desfilam
gananciosos.

Meu coração pescador,
jaz no fundo,
com um nome acorrentado.
O teu navega no peito,
tatuado em azul-marinho.
Meu cabelo é noite pura,
enquanto queima-se toda
na tua fronte amadurecida
ao sol que vem de bombordo.

Teu anzol e meu braço
ceifando profundidades
e ondas de viração.

No xiba perderam-se
tamanco e juízo.
A viola não fica tonta
como a gente,
e as vozes povoam cordilheiras
maciças de novas terras.

Pescador!
No lombo onde assentaste
o mastro do teu partir,
devassado e sem fim,
também joguei esperança,
meu bocado de paisagem
frente às ilhas e às enseadas
de ser e sentir.

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