Aspiração caiçara (Arquivo JRS) |
Quando
se escuta alguém dizendo que o mundo é pequeno, logo se entende
que, quando menos se espera, acontece um reencontro, relações se
entrecruzam de maneira inesperada etc. Foi o que aconteceu comigo na
Fonte da Amizade, a bica do Horto onde, semanalmente, vou buscar a
água que bebemos em casa. Há anos que cumpro esse ritual.
Na
bica, conforme as pessoas vão chegando, vão enchendo as vasilhas,
os galões. Enquanto se espera, a prosa corre solta: se escuta de
tudo um pouco. Também se ri bastante. De vez em quando acontece
surpresas, que motiva a expressão: “Como o mundo é pequeno!”.
Um senhor idoso, passando dos setenta anos, me perguntou: “Você
é daqui mesmo?”. Assim que eu confirmei, ele completou: “Eu
logo vi! E não me diga que é da Fortaleza!?!”.
Ao notar o meu espanto, continuou: “As suas feições me fazem
lembrar do pessoal de lá, de muitos anos atrás, uns cinquenta
anos”. Aí me esqueci da água e passei a especular daquele
estranho. Tinha certeza de nunca tê-lo visto. E ele também se
empolgou em falar mais:
“Eu
trabalhava embarcado, junto a uma empresa catarinense. Naquele tempo
a gente descarregava e se abastecia no cais daqui, naquela estrada
que segue a costeira depois do Itaguá. Só que, para descansar no
claro [lua cheia], as traineiras eram levadas para a Fortaleza, no
canto manso. Eu, naquela época, estava embarcado na Samaria. Mas
também ficavam com a gente lá a Angélica, a República., a Taurus…
Eram traineiras, cada uma tinha em torno de dez tripulantes. Ficávamos
meses sem voltar em casa. Assim fizemos amizades naquele lugar de
gente simples como nós, conhecemos todo mundo, dávamos peixes,
recebíamos farinha de mandioca, participávamos das festas, das
peladas nos fins de tardes na praia. Conhecemos toda a
rapaziada e os mais velhos. Teve alguns que até namoravam moças
do lugar. Um companheiro da Taurus, o Dito, namorava uma filha do
seo Genésio. Outro, o Zé Liga, se engraçou com uma prima dela, a
Maria. Mas naquela lua foi a última vez que se viram. Saindo dali,
fomos para Santos, e, numa briga de bar, mataram o Zé. Nem sei se
ela soube disso. Enfim, foi marcante aquele tempo”.
Ao
escutar o nome do tio Genésio, algumas conexões aconteceram no meu
cérebro. Me lembro bem do Dito, da traineira Taurus, uma embarcação
preta e vermelha, de ferro. Numa ocasião, fomos nela até a praia do
Lázaro. Na volta, também de carona, vieram o primo Jonas, sua
esposa Francisca e uma bicicleta. Era o ano de 1969. Me recordei
também das divagações da tia Maria, irmã da mamãe, pelo
marinheiro por nome de Zé Liga. Só não sei dizer dos seus
sentimentos, se soube da morte do coitado etc. Quem me contou, ou
melhor, completou umas lacuna na
minha memória, foi esse estranho, dito Benedito Calixto, marinheiro de outros tempos nos mares daqui. Falei
os nomes dos meus parentes de lá, da Fortaleza; notei o brilho em seus olhos, se
emocionando de verdade. “Não moro aqui, mas venho todo
ano visitar uma filha que é casada com gente daqui, no bairro da
Figueira. Tenho três netas caiçaras”. Ai, como o mundo é pequeno! Por fim,
fiz mais uma amizade… na Fonte da Amizade!
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