Olhar dos sinos (Arquivo JRS) |
Olhar dos sinos (Arquivo JRS) |
Olhar dos sinos (Arquivo Leandro) |
De
vez em quando alguém me convida para falar alguma coisa da história
de Ubatuba. De pronto digo que sei pouca coisa, mas que estou
disponível para contribuir no que for possível. Na verdade, gosto
mesmo é de escutar os outros contando causos e histórias. Mas o
companheiro Leandro insistiu! Assim nos encontramos na igreja matriz,
na praça Exaltação da Santa Cruz, no coração da cidade de
Ubatuba. Uma companheira, Renata Takahashi, especialista em imagens,
fez bonito. Vem pintando por aí um documentário dela sobre a nossa
terra! Foi uma troca de ideias, conforme valorizou o persistente
professor Leandro. Nem sei o quanto aproveitarão da minha fala, mas
o eixo da prosa deveria ser a igreja, a religiosidade católica, o
templo. Mas é lógico que demos voltas, falamos de tantas outras
coisas!
Sabemos
que a tal “Paz de Yperoig” aconteceu em meados do século XVI,
mas a Vila Nova da Exaltação da Santa Cruz do Salvador de Ubatuba é
de 1637, criada da concessão da sesmaria da Condessa de Vimeiro, herdeira de Martim Afonso de Souza. Portanto, por
volta de oitenta anos depois da traição aos indígenas no terreno
na borda das “águas dos tubarões”, quando os tupinambás e
aliados foram trucidados, oficialmente surgiu o embrião da futura
cidade. No entanto, somente em 1700 aparece a preocupação do poder
público com a manutenção do espaço religioso católico, o
primeiro (que estava localizado onde bem mais tarde foi fundado o
Ateneu Ubatubense, a primeira escola da cidade). Era a igreja da
Nossa Senhora da Conceição, de onde vem a denominação da atual
Rua Conceição.
As
gerações dos séculos anteriores fizeram um grande esforço, mas o
acabamento mais apurado se deu no século XX, recebendo até
“contribuição” da igreja da irmandade da Nossa Senhora do
Rosário dos Homens Pretos. Esta acabou sendo demolida em prol da
igreja matriz. “A coisa mais bela que temos é a parte do altar-mor
que veio de lá”, segundo o Velho Sabá. “Não havia recursos
para deixar as duas igrejas em pé; naquele tempo havia muita
pobreza, não circulava dinheiro por aqui”. Por isso
desapareceu a igreja dos negros. Hoje, seria interessante escavar a
praça Nossa Senhora da Paz de Yperoig para recuperar partes desse
monumento. Também ali deveria ser erigido um memorial com ao menos
um evento anual.
Afirmo
que foram os frades franciscanos, presentes a partir da segunda
metade do século passado, os reformadores e garantidores do atual
estilo e beleza do templo. Pode ser que pelo fato de serem europeus
(Tarcísio, José, Pio, Vitório, Angélico ...) e testemunharem o
quanto um patrimônio cultural é valorizado e visitado, eles tomaram as
rédeas das importantes reformas e de outras edificações. Eu particularmente acompanhei a grande reforma de 1980 empreendida
por frei Angélico. Ela durou dois anos. A parte dos trabalhos em
madeira coube ao saudoso Toninho Marques, filho do destacado
carpinteiro português Antônio Marques do Vale, atuante em
empreitada semelhante na primeira metade do século XX, parceiro do
padre Reale. Profissionais mesmo! Também testemunhei o empenho do
Jacó Meira, um construtor naval, na construção do altar em forma
de barco. E me alegrei quando o Mestre Da Motta fixou a escultura de
São Pedro sobre o proa do altar.
Após
os períodos inseguros, de crise na economia local, o turismo veio
para ficar com a abertura das vias rodoviárias (Taubaté, na década
de 1930, e, Caraguatatuba, na década de 1950). Assim, era
conveniente ter um templo bonito, capaz de atrair visitantes e
satisfazer fiéis veranistas. Só isto já justifica as constantes
reformas. Agora, esperando dar a minha contribuição à Renata e ao
Leandro, desejando muito sucesso à produção de um documentário
acerca da Igreja Matriz, também vislumbrei um espaço museológico
nos espaços laterais. Me asseguraram que o atual frei já sinalizou
nesta direção. “Quem não vai querer, mediante taxa mínima,
ver isso tudo que são partes da nossa história?”.
Ao
me perguntarem da religiosidade caiçara, fiz questão de salientar
que, coube aos freis brasileiros, da virada da década de 1970 em
diante, a nova visão,
dentro da teologia da libertação, onde os traços da nossa cultura
caiçara e a defesa do nosso espaço foram incluídos na nossa
mística, alimentando nossas lutas locais contra grilagem de terras,
grandes projetos imobiliários e militares para a região. Desse
tempo me recordo de, ao longo do ano, em cada festa pelas capelas, o
meu povo vivia um prazeroso evento cultural, uma verdadeira festa
popular.
Por fim, ao finalizar os trabalhos, fomos à torre dos sinos. Não
tem como não se emocionar! De lá, o meu olhar se tornou o olhar dos
sinos!
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