De acordo com a minha infância, no
primeiro modelo de vida comunitária experimentado em família, na praia onde
nasci e nas outras onde fui me criando, era natural uma referência de vida
coletiva que estava em oposição, em muitos aspectos, ao modelo que hoje predomina
entre nós, na sociedade atual, onde a ganância, o lucro a qualquer custo tem o
maior valor, “merecem” ser idolatrados, são marcas da ideologia dominante.
Hoje, o mercado e suas leis se
tornaram absolutos em comparação à dignidade da vida, a solidariedade, o
respeito à natureza. Os demais viventes da Terra são apenas figurantes nesse
cenário, nem merecem a mínima consideração. Se a vida das pessoas pouco
importa, a dos animais menos ainda! Por isso que, vez por outra, ao participar
de ações que confrontam o sistema capitalista, neoliberal, assisto descasos por
parte de muita gente, até de "caiçaras engajados", que escrevem "textos comprometidos com a cultura popular". Lógico que são uns coitados, que nem sequer têm
consciência do tempo, da vida que “entregam” em benefício de poucos! Minha
estimada amiga Egléia afirma que “estão
idiotizados”. E é isto mesmo! “São
uns cabeças-gordas, incapazes de um exercício mental para perceberem a
alienação em que vivem!”. “Pois é! Ah
se fizessem um mínimo de ginástica mental!”.
Meus parentes, que vou chamar
aqui de “João e Maria” cresceram também no clima comunitário nosso, de caiçaras
pobres dependendo do mar e da roça; se desenvolveram graças ao peixe com banana
e farinha. Só um detalhe: bem jovens se tornaram “crentes”, seguiram outra
religiosidade diferente da católica, aprendendo a doutrina onde a realização
econômica (acumular dinheiro e bens, ser rico) é identificada como “graça de
Deus”. E seus filhos foram educados assim: “netos
de caiçaras, mas agora apenas ubatubenses”. Agora, prestando mais atenção
ainda: estando eu e vários outras pessoas vestidos à caráter, com cartazes, faixas
etc. numa manifestação contra o sistema social que desmerece a vida da maioria,
causando e mantendo a vivência miserável, ao passar por uma rua avistei alguns
rostos indiferentes à nossa movimentação, como se não houvesse justificativa
para isso, sendo natural essa coletividade que aí está matando, esse modelo tão
injusto. Dentre esses alienados, avistei uns filhos de “João e Maria”. Um
deles, o caçula, bem vestido e bem nutrido, me perguntou: “Que baianice é essa?”. (Notaram o preconceito contra nordestinos?).
Eu, sem nenhuma paciência em perder tempo com o “menino”, respondi: “Eu sou caiçara, com muito orgulho! Para
receber uma resposta a essa pergunta, você tem de procurar um baiano!”. (Será
que alguém vai perder tempo para uma pergunta idiota dessa?). E me fui
achegando aos outros que faziam parte do meu grupo, que se manifestavam a favor
da vida para todos.
Agora, em tempo de pandemia, os “meninos
de João e Maria” devem ter notado que as leis do mercado, “os ditames
capitalistas”, não os acudirão, pois só importa o lucro a qualquer custo. A
solidariedade, as medidas verdadeiramente coletivas que se danem! “O Estado que
cuide disso!”. Uns ricaços já se expressam assim: “Pra que se preocupar, deixar de trabalhar e de ir à escola? Vai morrer
alguns milhares de pessoas, mas a economia será salva. E além do mais, só os
velhos morrerão”. E tem pobre defendendo tal absurdo, inclusive católicos, parentes meus!
Ah, povo-gado! Diz a história que, por volta do ano 45, o imperador
Cláudio, constatando uma alternativa de modelo de sociedade perigoso que se apresentava, “expulsou de Roma os judeus que em nome de
Chresto provocavam continuamente tumultos”. Nos dias de hoje, seriam “baianices” segundo a
fala do “menino-gado”, cujos avós eram simplesmente caiçaras cristãos se assim
parecer melhor.
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