Rastros de um (a) artista (Arquivo JRS) |
José
Cirineu Coelho, pintor de placas do DER (Departamento de Estradas de Rodagem),
na década de 1970, fazia a nossa alegria ao pintar lindas paisagens em
azulejos, tampas de latas, madeiras, paredes etc.
Meu
pai (apelidado de Carpinteiro) e Cirineu eram amigos de bar, de prosas e de
farras. Por isso, sempre éramos presenteados com alguma arte do pintor que se
dizia natural da cidade de Santos. Ao receber elogios, assim agradecia: “Gostei das suas bonitas palavras, mas
precisa ver os quadros da minha esposa. Ela é japonesa e pinta muito bem!”.
Um
dia, ao saber que o padre passava de vez em quando lá em casa, Cirineu prometeu
pintar um quadro da Santa Ceia, onde Jesus fazia uma refeição com os seus
apóstolos. Foi quando contou a seguinte
parte que me deixou encabulado:
“O time de Jesus era meio capenga, teve até
um traidor, mas na imagem, na mesa devidamente preparada, eles se comportaram
direitinho. Só não apareceu o Benedito e Mirashima”.
Aí,
meu pai que já estava indo além da conta no conhaque, refutou:
“Alguma coisa tá errada, Cirineu. Se entrar mais
dois, fica quatorze. Está escrito que eram doze apóstolos, não é mesmo? Ou tô
errado?”
Então
o pintor continuou:
“Você sabe, Carpinteiro, nem tudo se deu
conforme está escrito. Na Bíblia está registrado doze porque é um número
simbólico. Representa desde o tempo mais antigo o ponto máximo do Sol, que
ocorre apenas duas vezes por ano. Por isso que o doze foi escolhido. Não vê que
o ano também é dividido em doze? Quem
faz a escritura entende mais coisas que nós, sabe que é importante usar
símbolos fortes. Quem me contou isso foi o Toninho Preto, lá na barraca do Tião
Caçuroba, numa partida de truco. Ele sabe de muita coisa. Então... essa história não é da minha cabeça!
Ele me explicou que Benedito, preto como ele, era o cozinheiro, estava direto no lida
com as panelas, não tinha tempo para ficar fazendo pose. O outro, que andava sempre mirando a sua máquina fotográfica em
cima de tudo que envolvia Jesus, tinha os olhos puxados. Isso! Mirashima era um
japonês! Entendeu agora porque ele também não estava na cena, em volta da mesa?
É graças ao talento para fotografar tudo desse povo que nós temos a linda
imagem da Santa Ceia! Diga ao padre Pio que eu vou caprichar num quadro pra
ele. Só que eu vou acrescentar os dois que ficaram de fora. Acho muita
sacanagem não corrigir isso depois de tanto tempo. Se há erro, vamos acertar,
né?”. E concluiu se dirigindo ao papai: “Tô
certo ou não tô certo, Carpinteiro?”.
Estou rindo agora da criatividade dessa gente. Eu me lembrei dessa
história depois de achar, num local abandonada, num resto de parede, imagens
deixadas, rastros de um (a) artista. Será que, em algum lugar, alguém tem guardado alguma das obras do Cirineu?
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