Meu instrumento (Arquivo JRS) |
O
meu finado tio Clemente era quem mais nos alertava a respeito daquilo que falávamos
e escutávamos:
“Tenham cuidado com o que vocês escutam. Nem
tudo convém de ser comentado com outra pessoa. Também não deem atenção às mensagens
que não merecem atenção. Nem todas as palavras podem ser ditas porque elas
carregam coisas ruins, atraem maldades. É por isso que determinada doença incurável nós chamamos de
doença feia. Não xinguem, nem chamem ninguém de bobo, de louco. É ruim, atrai o
mal. Tentem apagar até mesmo de seus pensamentos os sentimentos ruins, que apenas
atrai destruição e desamor. Não alimentem o coisa ruim”.
De vez em quando me vem à mente
esses fragmentos de outros tempos, quando eu conheci o tio Clemente. Ele e meu
bisavô Armiro moravam no jundu da Fortaleza. Tio Salvador já estava embarcado no barco do
padre. Eu era bem criança. Eles se viravam na roça e na pesca. Debaixo do
assoalho da sala vivia uma família de lagartos; pelo terreiro passeavam
tranquilamente porque tudo era paz naquele espaço. Me encantava com aquilo! Uma frondosa laranjeira
mexerica era a nossa alegria no mês de maio, quando estavam maduras e liberadas
para todos que por ali passavam. É, naquele tempo não existia muros: a gente
circulava livremente para pedir as bênçãos, dar bom dia, levar alguma coisa em
sinal de partilha, oferecer algum adjutório.
Estou
me recordando disso agora porque, diante de tantas atitudes odiosas, de tanta
enganação de pessoas simples, consigo me sustentar em alertas do tipo: não
assista programas fúteis, que apenas têm o objetivo de idiotizar as pessoas,
trazendo maus princípios aos lares; não compartilhe de atitudes racistas,
machistas, contra as minorias marginalizadas; não persiga nem mesmo com
palavras e pensamentos aquelas pessoas jogadas pelas sarjetas; não dê um mal exemplo
sequer aos que estão ao seu redor, sobretudo se for criança; leia artigos de
qualidade, que querem construir a verdadeira cidadania; não seja vulgar
atestando que podemos regredir sim à animalidade, menosprezando a nossa
capacidade cerebral. Acho que todos estes princípios estão contidos naqueles
conselhos que escutávamos na cozinha do tio Clemente, no tempo da meninice,
quando nem imaginávamos o que era poluição nos nossos rios e em nossas praias.
Nem sonhávamos que testemunharíamos essa miséria cultural que arrasta a nossa
gente, proferindo discursos de ódio e de destruição.
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