Mais uma vítima (Arquivo JRS) |
Uma
lembrança, dentre as tantas outras da minha infância, era a discreta militância
política de papai. (O finado tio Tonico dizia que ele tinha tentado a vereança
quando mais jovem). Numa ocasião até fui com ele e o Idílio Barreto numa reunião
com moradores na praia da Tabatinga. Nós morávamos na praia do Perequê-mirim. Era
o ano de 1974. Mais de vinte pessoas nos aguardavam num terreiro perto da
praia. Um lampião salvava da total escuridão. Os caiçaras (Catarino, Daíco,
Ditão, Barrasseca, Aristeu Quintino e outros) desafiavam a ditadura praticando
tal ato, reivindicando melhorias para o bairro, discutindo política. Imagine
você: até num rincão tão distante dos centros do poder havia medo. No final, o
saudoso Catarino nos despediu dizendo: “Não
comentem com ninguém que não seja da nossa gente a respeito da conversa desta
noite”. Era tempo de ditadura, quando prisões e torturas era procedimento comum
do Estado brasileiro. Tabatinga, a casa branca dos tupinambás.
Agora,
depois de nem tanto tempo assim, vejo os defensores das mesmas ideias que nos
afligiam. O pior: muitos são caiçaras! Tristeza! Quanta tristeza! O motivo é
constatar que amigos e até mesmo familiares estão sendo cúmplices de algo ruim.
Não tem como desculpar quem apoia uma pessoa que defende o uso de armas como
melhor solução para os rumos deste país chamado Brasil. Não há justificativa
para discursos contra as diversas minorias que fazem do Brasil uma nação
singular. Os tristes fatos (até mesmo mortes pelo país afora) comprovam que os
apoiadores do candidato da extrema direita são seus cúmplices. Por isso estão
matando, violentando em diversas ocasiões. Cenário igual vivia a Alemanha
quando elegeu Hitler como governante. O que decorreu disso (campos de
extermínio, perseguições, crueldades de todos os tipos etc.) só os estúpidos se
negam a aceitar como verdade. O povo alemão, na sua ignorância arquitetada, foi
corresponsável das tristes páginas da nossa humanidade. Agora, pelo que
percebo, uma parte do povo brasileiro vai pelo mesmo caminho. Parentes meus,
cristãos de carteirinha, exaltam os fluídos da ditadura proclamados a todo
momento em imagens e documentos. Dão glória a Deus pela oportunidade. Preferem
sacramentar a ditadura em vez da democracia, a violência em vez dos estudos.
A
minha filha escreveu: “Estou com medo por
meus amigos, por minha família e por tantas pessoas queridas. Estou com muito
medo”. Maria e Estevan: beija-flores que pusemos no mundo. Eu e minha
esposa sofremos.
Raiva,
indignação, medo... Caso o pesadelo se efetive, esses parentes e amigos deverão
abraçar o esterco sacramentado e nem olhar para o meu lado e para os meus que
embalam o sonho de um mundo mais justo. Um ditador você não remove do poder com
juiz, nem mesmo que este seja instruído no estrangeiro. Pior se espera de seus
apoiadores fanáticos. Eu, minha esposa, minha filha e meu filho não
aceitaremos cúmplices de personalidade
destiladora de ódio. Não pode fazer parte do nosso afeto quem abraça a
banalidade do mal com a maior naturalidade.
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