Uma camiseta (Arquivo JRS) |
Quando eu era adolescente, na praia do
Perequê-mirim, no começo da década de
1970, trabalhando no Bar Orly, do Severino Cândido Bezerra, tive a oportunidade de conhecer muita gente
boa: veranistas, mineiros, nordestinos, etc. Mas - lógico!
-, os meus preferidos eram os caiçaras, principalmente os que moravam no
bairro. Gostava de ouvir histórias, de saber causos além daqueles que ouvia em
família. Um dos meus contadores favoritos era o Seo Bermiro Barreto, pai do
Altino, do Fernandes e outros. Ele morava ali perto e bem cedo passava pelo
bar, deixava um vasilhame de vinho São Roque e seguia para a praia. “Vou ver o mar; logo passo para pegar outro litro”. Era esse o costume: olhar o
mar, ver a pescaria nos tresmalhos, avaliar o tempo, se valia a pena
sair para pescar ou não.
Naquele
tempo, depois que um grupo diferente ficou hospedado na “casa do doutor John”,
o Seo Bermiro me falou, pela primeira vez sobre democracia: “Agora, meu filho, desde que os militares assumiram
o poder, a tal de democracia, esta palavra, é uma coisa proibida. É causo de polícia! Não
tem nada disso de se reunir, de discutir coisas do nosso interesse. Na
prefeitura até o Barbosa e o Verano foram detidos, tiveram que se explicar a
respeito de umas reuniões que fizeram. Explicou o Toninho, empregado do doutor Delfim,
que democracia é essa atitude de discutir as coisas, antes de votar e de
escolher conforme a maioria. Acho que isso tá certo, mas os que comandam de
cima não pensam assim, não aceitam isso. Tenho comigo que democracia, onde todo
mundo pode dar palpite, é coisa complicada. Já faz um tempo, de acordo como
Idílio, na Câmara Municipal, entraram em discussão o Fiovo, a Maria Balio e o
Mário Cembranelli a respeito de um ginásio de esportes para a cidade. Quem deu
a solução foi o Ney Valin, dizendo que era favorável desde que não se
descuidassem dos campos e das áreas verdes tão necessárias nos loteamentos que
estão surgindo. Eu também penso assim. Se estivesse presente, acrescentaria que
também não se deve descuidar do jundu, lugar dos ranchos de canoas, onde a
gente se reúne para rir e conversar coisas sérias. É esse jeito de conduzir as
coisas que recebe o nome de democracia. Agora, esse grupo que ficou na casa do
doutor, ali na praia, me pareceu que não é aceito porque pensa diferente dos
militares. Ora, isso não é democracia! Quem não deve não teme; quem quer ajudar
deve ser bem-vindo, não é mesmo? Acho que o doutor, professor de universidade,
deve se cuidar. Militar não é brincadeira!”.
Assim aprendi,
com caiçaras tão humildes como o Seo Bermiro, sobre atitudes básicas. E, depois
de “um dedinho de prosa”, ele pegava e pagava o litro de vinho para mais um
dia. Dias atrás contei isso para um bisneto dele. A reação: “Ele não era crente ainda?”. Era sim, da Congregação. Naquele tempo, era na casa dele que acontecia o culto da cada semana, sob o comando do pastor Cláudio, da Enseada. Mas o que tem isso
de gostar de um vinho, de beber tranquilamente em família?
Viva
a democracia!
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