quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

BAÍA DO FLAMENGO


Vista a partir do Saquinho Manso (Arquivo JRS -2014)

Roberto, neto do finado Zé Henrique, que foi um amigão do meu pai, teve um ano intenso, se dedicou às competições de canoas, às observações biológicas e oceanográficas, mas teve tempo de escrever suas reflexões a partir das lembranças do nosso povo e do nosso lugar. O seu presente texto eu escolhi para homenagear a Dona Gertrudes, que completou -oficialmente! - noventa e sete anos. Parabéns a essa caiçara das Toninhas que tanto têm para nos ensinar! Parabéns ao Roberto pelo engajamento nos movimentos! Ah! Achei o sumo da sua esperteza ao deixar de comer carapau preparado pela Mercedes para comer robalo no seu recanto tranquilo. Um abraço.

Dedico aos meus amigos da Baía do Flamengo, aos vivos e aos que já se foram. Essa é para seu pai, Jéssica, e todos os Parús, que me ensinaram nomes e a arte da pescaria. Os Góis que faziam os equipamentos e cuidavam da nossa saúde. Os Henrique dos Santos pela descendência. Os Oliveira pela companhia e aulas. Para meus primos que nunca recusaram uma aventura nos mares, costões e praias da baía. Para os que lutam para conservá-la. Nem que seja na memória.

Parado, 

Perdido entre tantas memórias e pescarias

Encarando Pedras e cruzando morros com lajes

Não se lembra mais.

Onde teria malhado aquela Corvina?
Onde foi que encontrou aquela Guaivira?
O Siri Candeia?
Já chegaram as Tainhas?

Aquela figura pálida compondo a Baia do Flamengo

Pescador-Resistência

Remo e Canoa.

Persistindo feito o dia de amanhã
O trabalho de uma vida inteira.

Ou talvez não.

Talvez esteja cansado

E volte ao primeiro sinal de mudança.

Quem sabe o que se passa na cabeça desse homem enquanto faz a marcação.

Sem ter para onde ir,

Desamparado

O pescador clandestino.

Ele que mede o mundo em braças

As larguras em palmos

Que decifra nos ventos

o tempo.
E encontra resposta na temperatura da chuva
Ou na cor do mar.
A sua canoa do tamanho do mundo inteiro.

E Onde guarda tanto nome? 

De Peixes, pedras, arpoadores

De onde vertem todos os fios d’agua?

De Baías, picos, lajes.
O seu território todo em sons e odores.

Um mundo de vida própria prestes a explodir

Na iminência da próxima maré

Em sua Canoa

Debaixo de seus pés.

E aquele homem parado

De pele curtida pelo sol

Catarata nos olhos

Cruzando morros com lajes
Com outra percepção de tempo
De realidade ampliada

A Tarioba, a Pegoava, a Tatuíra e o Guaruçá

O Santola, o Guaiá, o Pindá, e o Cambiá.

No lagamar da sua vida cabe tanta coisa

Que ele é tudo.

Venta por cima de mim, e cai sobre nós

Em todas as ondas da Baía do Flamengo

Nos Ingás debruçados nos rios
Nas pequenas saíras de corações agitados.
Nos Bananais, jiraus, ranchos,
No azul marinho, banana verde
Limão cravo, coentro bravo
No café quente,
Na minha Mãe misturando farinha no escaldado (como se essa fosse a própria essência da vida),
O Noroeste de sua expiração abafada,
E o trabalho de uma vida inteira.

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