Causos no sarau (Arquivo Ane Casalderrey) |
Nossos reis estão chegando (Arquivo Ane Casalderrey) |
Agradeço muito pelas imagens da amiga Ane. Também só tenho a agradecer pela confraternização por ocasião do lançamento do Escrafunchando o lagamá. Festa é com você mesmo, né Júlio ?!? Foi ótimo rever tanta gente boa, especialmente o mano Jairo que veio diretamente de Areias para o evento.
Se fiar, no dizer dos antigos
caiçaras, era confiar. Desta raiz vem, por exemplo, fiado. Vender fiado é
entregar uma mercadoria na confiança de receber depois, se fiar que não vai
perder de lucrar.
A confiança no outro, em outros
tempos, dispensava até mesmo a necessidade de documento escrito. “O que valia naquele tempo era o fio do
bigode, ou seja, a palavra dada”, assim nos ensinava o papai desde criança.
Se fiar em alguém é depositar a total confiança. Isto acontecia em toda e
qualquer ocasião (na construção de uma casa, no preparo de um roçado, na
retirada de uma canoa etc.). Neste momento, tenho na lembrança os homens das praias
da Fortaleza e do Sapê, os meus parentes que tinham, a cada semana, uma
pescaria comunitária. Sabe por que dava certo esse ritual caiçara a cada
semana? Porque o mestre da rede se fiava nos camaradas, não duvidava que, ao tocar o buzo, na madrugada, logo
acorriam aqueles que compartilhariam as etapas da pescaria e dos quinhões no
final da tarefa.
A confiança tem forte componente
religioso. Prova disso é a recorrência ao
“tenho fé em Deus”, “com Deus hei de vencer”, “confio muito na minha Mãe do céu”
etc. Só que as regras têm exceções, nem sempre é recomendável confiar
totalmente. “É preciso confiar
desconfiando”, dizia o saudoso Tio Chico Félix de vez em quando. Na
verdade, era a fala dele para a gente se precaver em determinadas situações,
com determinadas pessoas. A literatura bíblica até tem uma frase lapidar: “Sede manso como a pomba, mas astuto como a
serpente”. No entanto, se multiplicam outras frases comuns na religiosidade
popular: “Ai, minha Nossa Senhora”,
“Acuda, minha Virgem Maria”. E por aí vai.
Numa ocasião, no mês de outubro
do ano de 1963, pescando sororoca no correr da linha do Mar Virado, ao ver o
tempo virando para uma tormenta que prometia fazer muito estrago, Tio Chico
enquanto levantava a poita, escutou de várias canoas vizinhas o
apelo-confiança: “Valei-nos, Virgem Maria”.
O imediato comentário dele entrou para o nosso código caiçara: “Se fia na Virgem e não corre não pra ver!”. E saiu remando com toda a força que tinha, buscando abrigo e se salvando no Saco do Cedro, onde morava o Tio Lindo. O
resultado daquela ocasião, conforme já sabemos, foi uma triste tragédia,
sobretudo aos pescadores mortos da Praia Grande do Bonete.
Hoje, em muitas ocasiões, a
gente repete:
- Se fia na Virgem e não corre
não pra ver!
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