Tralhas de perruchiu, onde nasce a resistência do jundu. (Imagem da internet) |
Aos
sábados é sagrado o meu ritual: bem cedo estou tomando café com o Tio Neco, na
Estufa. O meu filho Estevan sempre me acompanha e também participa da prosa. É comum as novidades e causos para rirmos juntos. Prosa boa é assim.
De
vez em quando eu aproveito para clarear minhas lembranças. O Tio Neco tem me
ajudado muito em assuntos que pretendo escrever como nossas coisas de caiçara. Hoje,
o assunto é perruchiu. Não sabe o que é?
Perruchiu
é uma plantinha do começo do jundu. Ou seja, só nasce na areia das praias,
quando vai começar a se formar a mata resistente dos nossos jundus. É uma vegetação
rasteira, de folhas estreitas, pequenas e bem suculentas que prefere as praias
de areia grossa, mas que também é encontrada nas outras praias. Agora, devido aos muros e pontos comerciais que invadem nossas praias, desconfio que essa planta corre sério risco de extinção.
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Tio, como é mesmo o nome daquela plantinha, que cresce na areia da praia, usada
antigamente para fazer comida?
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É perruchiu, Zé.
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Dessa planta por nome de perruchiu, a mamãe fazia um caldinho com fubá
delicioso. Não tem como se esquecer daquele sabor inigualável. Ficava ainda melhor quando era
cozida com pregoava. Às vezes colocava arroz... ou apenas farinha da terra,
coisa que nunca faltava. Sempre quebrava ovos em cima para aumentar a
sustância. Assim crescemos.
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É mesmo, Tio! Ai que saudade disso tudo!
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Naquele tempo tinha de apelar para o que tinha. Era preciso aproveitar de tudo para a nossa
alimentação. Acredito que muito daquilo
que nós aprendemos, que garantiu a nossa existência, era herança dos índios.
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O senhor tá certo, Tio. Era mesmo! Por isso estamos vivos até hoje.
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Nesta época, de maio até fim de junho, todos queriam capturar gambás (ou
raposa). A gente armava cumbu toda noite. Quase sempre não falhava. No dia
seguinte era só consertar e comer.
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Pode explicar a limpeza do gambá, Tio?
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Depois de morta, passa o animal no fogo e faz a pelação (raspagem da pele com uma faca). A
cabeça, a parte superior desde o focinho, é descartada. Língua e céu da boca
devem ser limpados puxando uma pele que se solta facilmente devido ao fogo que
recebeu. Em seguida, um corte vai abrindo o animal pelo meio, retirando algumas
pelotas de carne morta que se encontra pelo pescoço, debaixo dos braços e
noutros lugares. Ao abrir em duas metades, vai puxando os órgãos e as tripas
até chegar perto da bunda. Próximo do rabo está a catinga dela. Um corte
preciso permite remover o que se ajuntou e mais esse local delicado. Se errar,
perde toda a carne. A bolsa, se for gambá velha, também é descartada. Depois, basta dar uma fervura. Se quiser fritar – que é melhor, né? – recomenda-se
deixar num tempero preparado com alho, cebola e limão. E, finalmente... bom apetite!!!
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Pode parar, Tio. Já estou com água na boca!
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