Amanhecer no canto de tantas prosas, no Perequê-mirim (Arquivo JRS) |
Lá
longe, no mar de tons do verde que recobre o penhasco geológico da borda que
nos separa dos caipiras, do “povo da Serra Acima”, desponta o roxo das
quaresmeiras e o branco rosado das tinticuias, agora mais popularmente chamadas
de manacás da serra. Era onde caçavam os povos dos sambaquis, o povo tupinambá
e os caiçaras que perpetuaram tal hábito.
Nessa
mata, além das caças, meus pais coletavam frutos, palmitos, cipós, taquaras
etc. Hoje, em quase tudo dos espaços onde antes estavam os roçados caiçaras, a
mata se regenera, forma capoeira viçosa, tona-se repleta de variedades. Porém,
em diversos pontos da encosta, as casas – de ricos e de pobres! - vão invadindo e danificando a nossa herança
ambiental de inimagináveis maneiras. “A destruição é tão criativa quanto a
edificação”.
Na
verdade, vai embora a boa qualidade ambiental e segue junto boa dose da cultura
que tanto tem a dever a tais condições naturais. É preciso fazer algo. É
urgente! “Não sei... Mas desconfio que um passado como o nosso não se joga fora
como a água da bacia depois do banho”. Assim disse a saudosa Nilséa, mais uma
das queridas caiçaras que acabamos de sepultar. Entre flores a minha amiga se foi. Meus sinceros sentimentos aos filhos dela: Elinéia, Elenilson e Elenice.
Numa
prosa em meados de 1970, eu e Nilséa escutávamos o Velho Antônio Julião, tio dela. Ele, um mestre
canoeiro, mas dedicado a tantas outras funções, ao presenciar tanta gente no
Perequê-mirim e na Enseada se desfazendo de suas posses, da herança de seus
pais, nos disse enquanto saboreava seu aperitivo preferido, derivado de alcachofra (da marca cynar):
“Eles
estão pensando que mudam em muita coisa querendo copiar essa gente de fora,
querendo ser como ‘tubarão’, quando, na verdade, são como nós: simples
caiçaras, dependentes da terra e do mar. Depois, sem nada, num terreninho
pequeno, essa gente vai fazer o quê?”.
Ah!
A propósito, o nome dele era Antônio da Cruz. Em decorrência disso, ao chegar
no balcão para pedir o seu aperitivo preferido, ele tinha uma mímica bem
católica: passava a mão no rosto e fazia o sinal da cruz (traçar com o polegar
uma cruz na testa, uma nos lábios e outra no peito). Para algum curioso
desavisado, que desconhecia aquilo, ele explicava: “É o sinar da cruz”.
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