"Os antigos já contavam" (Arquivo JRS) |
Comecei o ano lendo umas preciosidades inspiradas nas terras e no povo ubatubano. Trata-se dos livros de Annaïs Guisard: Sununga e Bantu. Ambos são de meados do século vinte.
Anaïs, filha do taubateano Félix Guisard, passeia por nossos temas. Eu a imagino, em plena mocidade, fazendo parte dos primeiros turistas que se aventuraram na descida da Serra do Mar, se encantando pelas histórias e pelos causos caiçaras, convivendo com a nossa escritora Idalina Graça...Vivendo aqui os seus melhores dias. O seu pai, um empresário importante, comprou a herança dos herdeiros de Balthazar Fortes, o Casarão do Porto, fez a sua “colônia de férias” junto à Ilha dos Pescadores e desfrutou o que pode em Ubatuba. Portanto, a autora teve uma vivência maravilhosa nesta cidade. É isso que seus livros transmitem!
Em especial, adorei a sua versão da Lenda do Corcovado. Eis um “aperitivo”:
“Num incessante labutar de sol a sol, atravessando as serras, transpondo vales e terrenos acidentados, atingiam as ricas jazidas. [...] Assim, sem tréguas, desesperados com o trabalho insano, os negros, cada vez mais unidos, deliberaram pôr um termo um termo a tão inqualificável trato. E foi então, que, em determinado ponto, no alto da montanha do Corcovado, ao lado do riacho, de cada turma que passava com carga, um ou mais pretos se embrenhavam e se escondiam na mata com todo o ouro que traziam. [...] Tencionavam acumular ouro suficiente para comprar a sua liberdade, permutando essa fabulosa riqueza pelo regresso à pátria. Talvez algum capitão de mar aceitasse trocar uma viagem pela fortuna incalculável.
Passava-se o tempo e já eram numerosos os negros que se haviam desviados com o precioso metal. Entretanto, algo muito estranho parecia acontecer aos cativos...nunca mais eram vistos...nenhum só deles voltou para contar aos chefes onde estavam localizados e como viviam...desapareciam para sempre com a sua carga![...]
Apavorados com o desaparecimento de tantos companheiros, os chefes se reuniram e resolveram abandonar os seus intuitos de liberdade [...]”
E a autora continua a dizer o quanto repercutiu nas pessoas os comentários sobre a dramática ocorrência dos “negros que foram tragados pela montanha”. Porém, o ouro, a grande quantidade desse metal, atraía as pessoas, despertavam cobiças incontroláveis. E caravanas partiram de tempos em tempos em direção ao Corcovado. “E, novamente, a montanha cobrou o seu tributo, arrancando a vida dos que atentavam contra os segredos ciosamente guardados em seu opulento regaço”. Até um religioso, querendo desvendar o mistério, desapareceu na região.
Hoje em dia, poucos sabem dessa história, mas, conforme a escrava Vicência: “O ôro qui desce nas enxurrada é ôro qui os escravo dexaro na beira du riacho lá em cima”.
O único livro sobre a gruta de Sununga jamais escrito foi de minha avó...
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