segunda-feira, 29 de abril de 2013

TERRA, MISÉRIA E PÓ

O saudoso mestre Bernardino do Pulso na puxada de rede


Analisando um período que eu conheço, posso afirmar que entendo melhor a nossa parte, enquanto caiçaras, na engrenagem capitalista da sociedade moderna.
                A participação/inclusão do universo caiçara como base de enriquecimento aos outros, aos “de fora”, se deu graças às nossas praias, aos nossos recursos naturais e à situação de penúria. Me recordo de ter lido mais ou menos isto, numa recomendação de Washington Luiz, no primeiro quartel do século passado, quando estava como governador do Estado. Na ocasião ele visitava o Litoral Norte: “É melhor que os moradores dessas paragens subam para o planalto. Lá tem emprego e boas condições de se viver. Basta ver a quantidade de nordestinos que chegam diariamente ali. É sinal que lá tem condições de sobrevivência para todos que forem chegando. Vendo a situação precária de vocês, acho que a melhor solução é o pessoal deste litoral fazer o mesmo”. Foi uma recomendação oficial para que os nossos antepassados migrassem, se afastassem do mar. Bonito governante!
                É lógico que as belezas naturais, na ótica da exploração de mercados, deveria receber outra atenção. Decorreu disso a vinda das estradas (1930, 1950, 1970), dos turistas e dos especuladores imobiliários. Pronto! As terras caiçaras, partindo das áreas de jundus, foram “negociadas”! Era como se dissesse aos  pescadores-roceiros, distantes há séculos dos ideais capitalistas: “Seus problemas estão resolvidos”. Ora, bem sabemos que aí é que eles começaram. Afinal, era um plano de exploração bem planejado, com vilões dos mais pomposos nomes, “seus doutores” etc. Nisso, alguns filhos da terra, com uma cobiça mais aguçada, foram devidamente aliciados ao ponto de “venderem a própria mãe” para fazer um “pé de meia”. É por isso que em quase todas as famílias se escuta uma história escabrosa (de irmão traidor, de tio enganador, de marido oportunista etc.). No fundo, no fundo...estava o desejo de uma vida mais folgada, que não precisasse suar diariamente para conseguir o seu sustento. Havia também o desejo de dominar e de lucrar a partir da dominação do outro.
                Ah! O maldito trabalho! É forte isto? Esqueceu o velho princípio bíblico: o trabalho como maldição pelo pecado de Adão? Foi nisto que deu comer e gostar da fruta ofertada pela Eva.
                Enfim, não tem como desconectar a nossa história da história dos modos de produção. Nisto estava certo o velho Marx! Quando os meus pais nasceram prevalecia um modelo de trocas, de trabalhos coletivos, de terrenos com divisas cantadas: “A minha terra vai daqui até o lugar onde tem um boi pastando”. Vovô Estevan vivia repetindo que “O dinheiro era custoso, mas o de comê tinha em fartura”. No meu tempo, quando os primeiros loteamentos já nasciam nas principais praias, às margens da rodovia, o caiçara ainda pescava e plantava, mas a juventude ansiava por “um emprego fichado”, que garantisse direitos trabalhistas, previdência social “INPS” etc. Na falta disso, a venda de posses, de partes da terra secularmente ocupada para a lavoura, eram negociadas para se ter uma situação de alívio. Assim compravam um fogão a gás, um armário “cristaleira”, uma panela de pressão, uma televisão, um rádio novo etc. Os mais ousados até adquiriam um carro “de causar inveja”. Quanta ilusão! Iam-se os bens e as terras que antes garantiam a subsistência básica.
                A terra virou moeda de troca. Não precisou muito esforço para convencer muitos caiçaras de que “um dinheiro pela posse” resolveria seus problemas, seus pesares. Além disso, surgiram os grileiros, os especuladores que projetavam os seus lucros imobiliários. Certamente pensavam: “Um lugar bonito desse não é para pobre”.  Hoje estamos nisto: o caiçara é apenas dono de sua força de trabalho. A sociedade é isto: exige trabalho e paga o suficiente para a sobrevivência. Da farinha de mandioca agora só restou a farinha. O nóinha, filho de um caiçara “das bandas do norte”, guarda noturno num condomínio, grita pelas ruas próximas de minha casa: “O pó é a solução”. E ainda me pergunta: “Você não acha, teacher?”

sexta-feira, 26 de abril de 2013

ONDE VIVERAM OS PIRATAS

Arte da Maria Eugênia


                A minha amiga Regina Natividade, há coisa de duas décadas, esteve exercendo o magistério num ponto isolado da Ilhabela. Graças à Rê eu conheci o Saco do Sombrio e aquela maravilhosa caiçarada. Gente boa demais!
 Para chegar  no Sombrio só de embarcação. Os “caminhos de servidão” que, noutros tempos ligava aquele pessoal às outras comunidades, já desapareceram na Mata Atlântica. Das gerações que por eles trafegavam quase já não existe ninguém. Os causos e as histórias desses caminhos estão nos últimos suspiros. A chegada das canoas motorizadas e dos barcos pesqueiros levou a isso.
                Pois bem! Nesse lugar, onde poucas famílias ainda resistem,  apesar das muitas dificuldades, eu escutei pela primeira vez, numa prosa com a matriarca Margarete, os causos de pirataria:
“O nosso lugar foi primeiro um ponto de abrigo para piratas. Eles saqueavam as embarcações nas redondezas. Vinham carregados. Se escondiam aqui, onde boa parte do dia fica sombreado por causa do morro alto que está bem em cima de nós. É de onde vem o nome de Saco do Sombrio. E não é assim até hoje? Nós não vivemos escondidos, mesmo sem querer, aqui?”.
                O Dito, do velho Possidônio, marinheiro que há tempos deixou o Sombrio, acrescentou:
 “Na minha meninice, algumas pessoas com intenções estranhas apareceram nessas bandas. Mergulharam, escavaram em alguns pontos do morro. Quase derrubaram a velha timbuíba da Badeja do Periquito. Sem dizer nada, do jeito que vieram  se foram. Coisa esquisita. Acho que buscavam algum tesouro escondido. Essas histórias vem de outros tempos. Não é bobagem não! Do meu avô eu escutei umas passagens intrigantes. Dizia ele que os mais antigos já sabiam que no tempo d’antes era só piratas que viviam aqui. Então pode ser que ainda exista coisas desse tempo. Só um tesouro muito grande para aliviar a vida do nosso povo”.
       "Ah! Você pode esquecer! Não trabalhe para ver! Farinha, feijão, banana, peixe e tudo que a gente carece não cai do céu!". 
       Sábia a dona Margarete, né?

quarta-feira, 24 de abril de 2013

É TEMPO DE RELEMBRAR

Qual menino  daquele tempo não tinha um bodoque?  (Arquivo  O.Mendonça)


              Danielle Lucas: seja bem- vinda!
             Olhando algumas imagens antigas, vejo crianças “reinando” pelo terreiro. As árvores cheias de galhos eram as nossas preferidas para trepar até as grimpas e lá se balançar. No tempo das frutas aí é que era melhor. Por esta época (abril/maio), a gente vivia cheirando à mexerica. O nhonhô Armiro ridicava suas laranjas.  “Ainda estão verdes! Vocês não botaram reparo não?”. Não, a gente não reparava nisso. Bastava ele se distrair um pouquinho para a gente ficar cutucando a mexeriqueira do cisqueiro. Debaixo de uma sombra qualquer, bem distante dali,  as cascas se amontoavam. Que prazer!
                Nos amplos espaços, num tempo em que nem cercas existiam, fantástico era o esconde-esconde quase no serão. Mas tinha o pega-pega, o passa-anel, a amarelinha, as brincadeiras de roda e tantas outras mais. Ninguém queria parar para tomar banho. As mães gritavam: “Parem com isso que já escureceu”. Ai que preguiça de se esfregar! Assim que estávamos limpos, de chinelinho nos pés e devidamente vestidos, lá vinha a ordem: “Ponham uma roupa quente, de flanela. O frio chegou”.        Nossas roupas eram costuradas em casa, na máquina de costura da vovó.
                Logo chegavam os mais velhos: alguns estavam nas rodas de causos pelo jundu, uns vinham do jogo de bola na praia; outros da faina do mar, de armar tresmalho. No dia seguinte, antes do dia clarear, já estavam embarcados para a visitação. Não faltava o peixe fresco de cada dia.  Toda casa era cheia de gente. Prova disso era a mesa grande, onde todos se reuniam a cada refeição. Pelos cantos havia umas banquetas e uns mochinhos para garantir a presença de toda a família nesses momentos sagrados, onde farinha de mandioca e peixe era presença obrigatória. Quanta sustância! Mesmo assim, já se suspirava pelo porvir: a época da raposa, da gambá. Tempo para preparar cumbus, armar laços e mundéus. Os mais gulosos se lambiam: “A bicha já deve de estar com dois dedos de banha!”.
                A caça aos gambás findava em junho. “É preciso respeitar o tempo de cria delas”. Ninguém desrespeitava o ritmo da natureza, dos ciclos dos bichos. Só o Gusto, conforme eu já contei, ao capturar um gambá fora de época, teve uma reprimenda: “Solta o bicho, Gusto. Já passou o tempo”. E a resposta dele: “Não. Não vou soltar”. “Solta, Gusto. Agora já não presta para comer”.  Foi quando ele nos surpreendeu: “Não tem problema! É para a mamãe!”. Ai que saudade do finado Gusto da praia do Perequê-mirim!

sábado, 20 de abril de 2013

SOLIDARIEDADE


Bem-vindos Leydiane e Daniel Mattos! (Arquivo JRS)

                          É comum escutar o dizer: "Hoje em dia tudo está de cabeça para baixo". A referência são as muitas transformações no nosso ritmo, nas nossas relações.
                Eu  vivenciei um tempo onde quase não se percebia uma competição pela sobrevivência. “Nem os cachorros brigavam por osso”, costumava dizer o velho Sabá, da Praia da Enseada. Era tempo onde a pobreza imperava, quase não havia dinheiro, mas a natureza nos oferecia de tudo um pouco. Eram muitas as alternativas para se alimentar, para festejar e ser feliz.
                Desse tempo a que me refiro, a solidariedade era maior. Uns apelavam aos outros: “Vai na casa da Livina, filho, pede um pouco de pó de café emprestado”. Os mais próximos se ajudavam regularmente. Prova disso eram  os "pitirões" (mutirões), os ajutórios.
                Depois, com o passar do tempo, a cobiça grassou, pessoas estranhas chegaram “em busca da Terra Prometida”, muros foram levantados. Cada qual foi se isolando com os seus, preferindo os atrativos da televisão, os encantos dos filmes e novelas etc. Hoje, as pessoas já não se visitam mais, “não se importam para que rumo toca o barco”. Além das propriedade com altos muros, temos os condomínios se isolando cada vez mais, se protegendo com seguranças particulares, cercas elétricas etc. Mas elas sentem saudades de outros tempos, de solidariedade! É inevitável não pensar num lugar mais simples, onde os contatos sejam primários, carregados de afeto e ternura, de gentilezas etc. É por isso que de vez em quando eu escuto: “Fulano de tal foi morar na roça”. 
         Também não é difícil, sobretudo em épocas festivas (Festa Junina, por exemplo), em alguma área mais tranquila da nossa cidade (propriedade tradicional, final de rua ...) ver grupos promovendo eventos para fortalecer ou passar a noção de solidariedade aos mais jovens. Digo mais: atualmente, até mais gente se volta para a instituição familiar como esteio para enfrentar as coisas que rondam a nossa existência. São essas combinações - promotoras de solidariedade - que me sensibilizam, pois fazem parte do nosso ser caiçara.
                Aquelas festinhas que as nossas comunidades ou as nossas famílias faziam em determinadas épocas são exemplos de relação social mais solidária. Neste momento vem-me à lembrança o Dia da Pamonha, na casa do Vô Lica, na Estufa. Ninguém queria que aqueles momentos se findassem. Os seus descendentes podem falar muito mais do que eu a esse respeito.
                Sentimos saudades desses tempos, onde gestos de  gentileza eram tão corriqueiros. “É pena! Ainda ontem eles se repetiam a cada instante!”. Conforme já disse alguém é “a busca é por algo que diga que a gente faz sentido neste mundo cruel”.

quarta-feira, 17 de abril de 2013

MODO DE PRODUÇÃO

Puxada de rede na praia do Itaguá - 1980 


        O velho Argemiro, ótimo contador de causos de lobisomem, também entendia alguns conceitos sociológicos. Acho que era pela convivência com uns ricaços, seus patrões na faina de jardinagem, na praia da Enseada. Dele eu aprendi a respeito de modo de produção (forma de produzir bens e serviços). Disse também que nós, caiçaras, vivíamos num modo pré-capitalista (porque a gente só plantava para comer). “Nós estamos atrasados, Zezinho! Quem falou assim foi o dono do Le Pastis, do restaurante que fica depois da Zenaide. De acordo com o velhote francês, nós não sabemos a riqueza que temos, não sabemos ganhar dinheiro, nem viver bem. Disse que a cidade grande, de muitas indústrias, bancos e carros, tem muito a nos ensinar. Que o nosso modo de vida não tá com nada”. Percebendo que eu estava encabulado, ele continuou: “Sabe o que eu fiz? Contei a ele aquela história já conhecida, da prosa entre o caiçara e o 'tubarão' de São Paulo. Você sabe, né?”. E o teimoso homem repetiu a história que eu já sabia. Eis a minha versão do diálogo entre os dois:

                O pescador estava olhando o mar. A arrebentação das ondas de agosto provocava encantamento, lambendo de vez em quando o jundu. Era o Porto do Pedro Cabral, no Perequê-mirim. Fazia pouco tempo que a estrada a ligar Ubatuba com Caraguá fora concluída.
                Um turista, branquelo e com aparência de ter muito dinheiro, chegando na areia grossa logo foi puxando conversa, sabendo que ali peixe era em fartura. Então perguntou ao praiano:
                  - Por que você não vai pescar?
                - Pescar mais? Não! Eu já andei pescando hoje! O tanto de peixe que bateu no tresmalho dá pra dois dias. A mulher nesta hora já consertou uma quantia de sargo que só vendo! Agora tô só olhando o mar. Não é bonito essa escumadeira toda forrando o lagamá? Olha lá na costeira! Vê aquela pedra grande? Tem o nome de Pedra do Zé Bráz. Ali também é um bom pesqueiro.
                - Mas por que você não vai pescar para ajuntar mais peixes?
                - Ajuntar mais peixe pra quê?
                - Para vender para os outros, para os veranistas que aparecem sempre.
                - Vender para os outros pra quê?
                - Para ganhar dinheiro, ué!
                - Ganhar dinheiro para quê?
                - Para ficar rico.
                - Ficar rico pra quê?
                - Para poder, na velhice, ficar olhando o mar tranquilamente.
                - Mas...o que eu tô fazendo agora?
  
               Será que o modo de produção que promete tanta coisa boa somente no fim de uma vida de intenso trabalho é tão bom assim?

domingo, 14 de abril de 2013

ESPORTE É VIDA

Mais uma etapa do karatê, no Ibirapuera -São Paulo (Arquivo JRS)


Já escreveu, alguém muito inspirado, o seguinte: “Para melhorarmos o meio é necessário que todos acreditem no êxito”.  Junto à frase, havia a imagem de um espaço descoberto, em ruínas, parecendo ter sido um dia uma sala de aula, pois numa parede se via fragmentos de uma lousa. Diante dela, um homem em pé, usando uma vareta, parecia indicar algo grafado no espaço. Um grupo de cinquenta crianças, todas negras, sentadas no chão, prestavam atenção à explicação, à aula. Parece ser algum lugar da savana, no continente africano.


Ontem (14/4), acompanhei o meu filho a mais uma etapa estadual de karatê. Foi no Ibirapuera, na capital paulista. Saímos antes das três horas da manhã para poder chegar no horário previsto para o início (oito horas). O local estava lotado, com delegações de diversos pontos do Estado. A Academia Nunes de Ubatuba estava representada por dois atletas: Estevan e Edinho. 

Por que escrevo isto? Porque havia a possibilidade de mais pessoas terem ido, mas não o fizeram por questões financeiras. Muitas medalhas poderiam ter vindo com a nossa delegação. Não descarto também a falta de incentivo dos pais e das autoridades que se dizem representar os interesses desportivos da nossa cidade. Pergunto: Como podemos querer que os jovens, sobretudo eles, tomem rumos mais sadios se não nos predispomos a apoiá-los? E o que dizer daquela multidão hipócrita a repetir que “esporte é vida”? É lógico que é apenas um recurso de retórica! Quem acredita no êxito faz de tudo para melhorar o meio. 
No evento de ontem, durante as apresentações dos atletas das dezenas de organizações (academias, associações, clubes etc.), eu escutei (e vi nos uniformes!) os nomes de algumas prefeituras, inclusive da Secretaria de Esportes de Caraguatatuba, a nossa cidade vizinha. Pensei na hora: “Por que a nossa cidade não dá outro rumo, outra atenção aos esportes? O que o atual secretário pode fazer para que os nossos desportistas se projetem, deem destaque para a nossa cidade nas muitas participações por este mundo afora?  Será que os empresários locais também são incapazes de rever alguns de seus conceitos, de se mostrarem como cidadãos que conseguem ver mais além do que os lucros e os empregos que geram?”. Patrocinar é dar destaque aos negócios.
O que está faltando pode  ser um monte de coisas, inclusive a disposições dos pais para serem pais presentes na vida dos filhos. Porém, a Secretaria de Esportes, devidamente mantida por nossos impostos, não deve se omitir da educação, da formação e da projeção do município pelos esportes. Os meios para o sucesso de nossos jovens pode não ser nada complicado se mais gente acreditar no êxito, nos esportes como alternativa saudável.


sexta-feira, 12 de abril de 2013

O RIO QUE ESTÁ MAIS ESCURO (II)

O quintal da minha tia Estelita agora nem tem mais criação! (Arquivo JRS)


        Dando continuidade ao texto da jornalista Priscila Siqueira,  a respeito da dona Luzia e de seu esposo João na luta pela posse da terra, o meu desejo é que muitos se recordem desta questão dos caiçaras do Rio Escuro que se estendeu por tantos anos e mobilizou tantas pessoas de várias entidades. Que puxem pela memória para avistar os bananais e as roças que se estendiam pelos campos do Rio Escuro. Na casa da minha tia Estelita, por exemplo, lá no Sertão das Cotias, continuidade do Rio Escuro, tinha de tudo um pouco. Na verdade, naquele tempo imperava a agricultura familiar por todo o município de Ubatuba. Hoje, por todos esses lugares predomina as casas dos pobres, geralmente trabalhadores da construção civil e funcionários dos condomínios milionários nas praias mais próximas. São, na verdade, bairros-dormitórios com muitos problemas. Não sei se os meus vizinhos João e Luzia, os que resistiram até o derradeiro momento, ainda têm alguma esperança a respeito de suas terras, de voltarem ao  lugar de suas origens. Por enquanto eles, que tinham tanto espaço cultivado, vivem espremidos no bairro do Ipiranguinha.

Pela decisão judicial obtida em São Paulo, a família dos posseiros tem de abandonar imediatamente a terra que ocupa há mais de meio século, deixando todos os seus bens  imóveis, suas benfeitorias, plantações, levando “apenas seus móveis, suas roupas e suas dívidas para com o Banco do Brasil, na ordem de sete milhões de cruzeiros”, como atenta José Bernardes de Almeida Gil, presidente do Movimento Ecológico Pela Vida, Pela Paz, em Defesa de Ubatuba. Desde a metade da década de 70, os posseiros do Rio Escuro passaram do cultivo e extração de banana, para a produção de hortifrutigranjeiros e já estão pleiteando, junto ao Banco do Brasil, empréstimos com esta finalidade. As terras de João e Luzia, assim como de muitos posseiros do Rio Escuro, estão hipotecados ao Banco como garantia do dinheiro emprestado. O próprio Banco do Brasil reconhece, com isto, que os posseiros têm direito à terra. É Almeida Gil mesmo quem afirma - “O incrível, neste caso, é que, para dar o veredito a favor da companhia imobiliária, os desembargadores do Tribunal de Justiça se valeram de um artigo de 1916 do Código Civil -  (artigo 505) - em detrimento de leis mais atuais como a legislação do uso do solo, lei de retenção de posse, lei do Incra etc...”.
Os posseiros não se deram por vencidos e entraram com uma ação rescisória - isto é, uma ação que pode reformar uma decisão já tomada - junto ao Tribunal de Justiça, a qual os desembargadores Alves Barbosa e o revisor Gonçalves Santana julgaram improcedente. Isto no dia 1º de dezembro de 1983.
Frente à ameaça eminente de expulsão de suas terras, várias atitudes foram tomadas, como o manifesto público da APRU (Associação dos Produtores Rurais de Ubatuba) que denunciava ser este “um dos muitos casos de posse de terra em Ubatuba em que as grandes companhias, movidas por interesses financeiros provocam problemas sociais, ignorando a importância que a agricultura representa para o município,para o Estado e para o País”.
Conforme José Bernardes de Almeida Gil, “com a atual decisão da Justiça teremos mais uma vez, a aplicação injusta de uma lei arcaica e antissocial, na repetição do que vem ocorrendo há décadas em nosso litoral: a expulsão dos caiçaras de suas terras e seu confinamento em favelas, impedindo que ele continue nas atividades que garantiam o sustento da família e de toda a comunidade. É a entrega de suas terras às companhias imobiliárias, para que sejam vendidas aos turistas que aí constroem casas de veraneio. Estas casa permanecem fechadas a maior parte do ano”.
Frente a esta dura realidade, Sétero Borges, filho de Luzia e, ele mesmo, também pai de família, exclama angustiado, “Quem poderá nos ajudar?...”  

terça-feira, 9 de abril de 2013

O RIO QUE ESTÁ MAIS ESCURO (I)

Quem repara na beleza deste ser se debatendo numa periferia? (Arquivo JRS)



  Quanta honra ter a Biblioteca Tancredo seguindo o blog!

      Parece que foi ontem a nossa mobilização em solidariedade à família da dona Luzia e do seo João, do bairro do Rio Escuro (o Iriri dos tupinambás), né Fátima, Ângela, Lu, Avedis, Zé Carlos (e tantos outros caiçaras da minha juventude)? Não me sai da memória o apelo aos jovens da comunidade católica feito por frei Valdir Neis, um religioso que passou três ou quatro anos atendendo as comunidades do município de Ubatuba. Tempo de teologia da libertação. Era o começo da década de 1980 quando ocorreu a melhor fase de conscientização e engajamento em defesa do povo caiçara. Foi quando as forças se fizeram sentir na sociedade ubatubense. Estavam juntos o movimento ecológico Pela Vida, Pela Paz em Defesa de Ubatuba, sob o comando de José Gil; a Pastoral da Terra, onde o braço forte era da Otília Balio; a Associação dos Produtores Rurais de Ubatuba, sendo a maior incentivadora a  Naides; a Associação dos Amigos do Sertão da Quina, com tantas lideranças autênticas e combativas; o Movimento em Defesa do Menor; a Sudelpa (Superintendência para o Desenvolvimento do Litoral Paulista), onde atuava o professor Zizinho. Até a Câmara dos Vereadores fazia parte do grupo de trabalho.  
Por que estou falando disso? É que ontem, estando eu comprando pão no bairro periférico do Ipiranguinha, encontrei o seo João, esposo da dona Luzia Borges. Há alguns anos, depois de terem sido expulsos das suas terras no Rio Escuro, eles são meus vizinhos.
A história desse casal é muito triste. A expulsão de suas terras daria um filme comovente, capaz de revoltar até mesmo os descendentes daqueles que se aproveitaram dos velhos caiçaras. No entanto, é apenas uma das poucas histórias que foram registradas para a posteridade. Quem contará para nós será a jornalista Priscila Siqueira, através de seu livro Genocídio dos Caiçaras, publicado em 1984.
Luzia Balbina Borges de Jesus: quando esta caiçara  nasceu em 1932, no Rio Escuro, já há quatro anos seu pai - Delfino Borges - trabalhava a terra deste sertão de Ubatuba. “Sou caiçara da roxa, fui criada com banana verde, cresci aqui, casei em 1956 e aqui mesmo tive meus dez filhos...” Luzia herdou do pai uma faixa de terra, quase sete alqueires cultivados com ajuda dos filhos e “de alguns camaradas”, já que o salário de seu marido - João de Jesus - funcionário do DER, não era suficiente para o sustento de numerosa família. Nesta terra, além do feijão, arroz e milho - para sua subsistência - Luzia chegou a ter mais de três mil pés de banana, produto que era vendido para “gente de fora”.
Em 1965, o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária - IBRA - entregou aos ocupantes das terras do Rio Escuro - entre eles João e Luzia - os títulos de propriedade de imóvel rural, passando a cobrar-lhes os impostos territorial rural. Com isso o próprio IBRA reconhecia que a área do Rio Escuro estava sendo efetivamente ocupada por essas famílias de posseiros. Em 1975, foi requerido usocapião deste território, que incompreensivelmente não foi julgado.
“Até os anos de 75 e 76, a gente viveu sossegado, plantando e colhendo a terra; depois começou o nosso calvário...” desabafa Luzia, crente fervorosa de uma seita pentecostalista. o “calvário” a que se refere Luzia tem como protagonista principal a companhia imobiliária de “Ulisses Mesquita Miguez e Outros”, responsáveis pelos loteamentos das praias Dura, Domingas Dias e pela privatização da praia do Lázaro, - todas vizinhas ao Sertão do Rio Escuro. Apesar do usocapião requerido pelos posseiros, e sem contestá-lo, em 1976 Ulisses Miguez requereu a integração de posse do Rio Escuro, baseando-se em acordos que conseguiu fazer com quatro elementos da família do patriarca Delfino Borges, atualmente com mais de 70 anos e ainda morador do Rio Escuro. Este acordo constitui-se num “compromisso amigável para futura doação de área e outras avenças”, como atesta o livro 34, folha 135, do Segundo Cartório de Notas de Ubatuba. Além disso, o pedido de reintegração de posse se baseava num compromisso firmado com Mabel Hime Masset, residente no Rio de Janeiro, que arrematou em alçada pública as terras do Rio Escuro em 1932 - portanto em data (no mesmo ano que Luzia nasceu) posterior à ocupação dos caiçaras - sem que nunca tivesse dado utilização a elas e sem ter entrado em contato com as famílias que já moravam na região. julgado em Ubatuba, este pedido de reintegração de posse foi negado a Ulisses Miguez.
Como a companhia imobiliária tivesse apelado, o caso foi levado ao Tribunal de Justiça em São Paulo. “Nós passamos por oito advogados daqui da cidade e no final nenhum outro, em Ubatuba, quis nos defender: a força do dinheiro do Miguez é muito forte”, diz Luzia. Na capital paulista, para espanto dos que acompanhavam essa luta na Justiça, foi dado ganho de causa à companhia imobiliária. O advogado dos caiçaras - Antonio Ivo Fontes - além da ação, perdeu também o prazo do recurso extraordinário para apelar a Brasília.
Luzia Balbina é sem dúvida a grande líder na luta pela defesa da terra na comunidade do Rio Escuro. “Eu defendo as terras de meus pais, pois se sair daqui muitas outras serão expulsas do bairro. Aqui está tudo em conflito”. No Rio Escuro existe uma escola de primeiro grau municipal em terreno doado à Prefeitura por Delfino Borges. Essa escola funciona desde 1965. Luzia se queixa das ameaças que ela e sua numerosa família vem sofrendo por parte dos empregados de Miguez que, entre outras arbitrariedades, quebraram a bomba de água que serve não só à casa da família mas a toda plantação, além de terem posto fogo nos morros que cercam a sua posse.

sábado, 6 de abril de 2013

A LUZ VINHA DE LÁ


          
Eis a fonte da Luz do Oliveira! (Arquivo JRS)
                Eu já contei a respeito da Luz do Oliveira, da Praia da Fortaleza. Está em algum lugar desses dois anos do blog. Apesar de dar detalhes de um fato ocorrido há mais de quarenta anos, não sei porque omiti este detalhe: era do lago formado em cima da Ponta da Fortaleza, de acordo com o próprio Oliveira, que saía a tal luz assim que o serão era tomado por pios de coruja. Hoje, revendo algumas imagens, achei a do referido lago. Ele, apesar de pequeno e de desaparecer em determinados períodos do ano, é bonito. Quanto sal eu já recolhi do seu redor!
                Houve quem dissesse que o fenômeno era causado pelo proprietário das terras, o Hamilton Prado, que também tinha uma casa no outro lado da baía, na Praia do Lázaro. A intenção era assombrar o pobre do empregado. Não sei, nem consigo imaginar como ele seria capaz disso. Afinal, era uma luz, no formato de uma bola de futebol, a se deslocar da costeira até o jundu para infernizar um pobre pescador-roceiro. Mais tarde, ao conhecer a pessoa que tomava conta da casa do empresário, no Lázaro, fiquei sabendo que, de fato, coisas estranhas povoavam o cotidiano do ricaço. “Não sei se era coisa de Deus ou do Coisa Ruim, mas era de arrepiar”.
                Eu também só dei dizer que era de meter medo! É como se estivesse com o Oliveira ao lado dizendo: "A luz vinha de lá".

                Um detalhe: naquele tempo, início de 1970, foi quando os caiçaras puderam ver estranhas luzes no céu, nomeadas depois como disco voador. Eu também vi!

quinta-feira, 4 de abril de 2013

ORATÓRIO DE PEIXES

Tio Salvador e a caçoa, na Fortaleza (Arquivo JRS)

Canoas da Florentina (Arquivo JRS)

Tio Neco, vivendo em seu retiro, passeia por todos os lados, em todos os assuntos. Na sua simplicidade tece comentários de tudo, mas a sua preferência é pelas coisas da nossa terra. Este texto foi indicado pelo mano Mingo.
Aproveito para mandar um forte abraço ao meu amigo Napoleão, fiel leitor das nossas coisas. 

O verdadeiro caiçara dos tempos de nossos avós

  Nas primeiras horas de um novo dia, logo de madrugadinha, lá estava ele de pé. Acendia a lamparina, preparava o café que tomava acompanhado com peixe assado e farinha de mandioca. Abastecia a barriga e saía para pescar.
Preparava o balaio e as linhas de pesca, que naquele tempo era de cordonel. Se deslocava até ao rancho na praia, lugar onde as canoas dos pescadores ficavam guardadas.
E ali chegando tirava a sua canoa do meio das outras, colocando-a sobre os rolos de madeira e empurrava-a até ao mar.
Não podia esquecer o puçá. Arrumava os apetrechos na canoa e lançava-a na água até que flutuasse, pulava dentro e ficava em pé para remar até ao camaroeiro (lugar onde os camarões se agrupam). Ali ele jogava o puçá, amarrava o cabo de sustentação no banco da canoa e arrastava por um certo tempo.
Quando tinha capturado camarões em quantidade suficiente, o pescador remava mar adentro pelo tempo de umas quatro horas e ali começava a pescaria.
A pequena embarcação era suficiente para dois pescadores, que remavam de um lugar para outro até encontrar o peixe.
Lá pelo meio-dia, horas dadas pela altura do sol, estavam eles retornando à praia.
Seus familiares estavam esperando e não ficavam decepcionados. O pescador caiçara sempre voltava com a canoa cheia de peixes. Corvina, bagre, cação, xaréu... enfim, uma infinidade de peixes. Era tempo de fartura, ninguém passava necessidade de alimentos.
Existia o essencial para a sobrevivência, todos tinham roça de mandioca e faziam farinha, colhiam feijão, plantavam café e tinham bananal nas encostas dos morros. Viviam da terra e do mar que dava o que era preciso para fazer o azul-marinho, a alimentação preferida dos caiçaras.
Após uma refeição dessas vinha uma sonolência danada. Mal dava tempo de buscar a esteira que estava guardada em pé atrás da porta, jogar na sombra de uma árvore do quintal e dormir a sesta.
Eta vida boa! Este era o viver do caiçara nos bons tempos.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

UM FELIZ ENCONTRO

Olá, Cidinha de Jesus! Seja bem-vinda! (Arquivo JRS)


                Hoje, estando eu na escola “Deolindo”, avistei alguns indígenas no pátio. Logo pensei: devem estar aí para uma reunião a respeito de educação nas aldeias. De vez em quando acontece, faz parte da Diretoria de Ensino dar rumos nessa área. Apurando mais a vista, reencontrei a Fabiana, filha do cacique Awa (Uauá), do Corcovado. Que bom! Após os cumprimentos, fiquei sabendo que por esses dias, até sexta-feira, as lideranças estarão em encontro para aperfeiçoarem suas comunidades e suas organizações. Aproveitei para perguntar de seus irmãos, de como vai o seu pai Antônio Awa . Nisso, olhando nos demais rostos, um se destacou: era o cacique Altino.
                Não teve como eu encerrar logo o assunto! O Altino, sempre muito humilde, me impressiona! Ao olhá-lo, retorno no tempo, na segunda metade da década de 1970, quando sobre a sensibilidade guerrilheira do saudoso Otacílio Lacerda, o grupo de guaranis veio guiado para formar a aldeia no  alto do Prumirim.
                Aos sábados e domingos, aquele grupo recém-chegado à cidade, com seus trabalhos artesanais, sobretudo cestaria, se postava defronte a Farmácia do Filhinho. Era a única fonte de renda para aliviar-lhes as agruras. Naquele tempo estava sendo concluída a BR 101, no trecho Ubatuba-Paraty. À frente, capitaneando a todos, estava o cacique Altino.
                Entre as mulheres, crianças e jovens, Altino olhava tudo de forma silenciosa. Quando eu e amigo Avedis puxamos conversa numa ocasião, ele disse de suas esperanças no nosso lugar. Era a primeira vez que conversávamos, que víamos de tão perto um índio. Depois dessa ocasião, muitas outras aconteceram sempre no mesmo ponto. Naquele tempo, o lugar de encontro, o mais movimentado, o coração da cidade era a Praça da Matriz. Quando dava sede ou queria ir ao banheiro, eu atravessava a rua para ir na Pensão do Braga. Do outro lado da praça, sempre bem frequentado se localizava o nosso Cine Iperoig. Enquanto todo mundo girava na intenção de encontrar novas amizades ou a sua cara metade, a banda musical, a “Furiosa”, com Pedrinho, Alexandre Marques,  Mané Mariano, Paulinho da Máquina, Valtão, Maurinho e outros, fazia a alegria de todos.
                No nosso primeiro encontro, o Altino disse assim: “Isso é muito bonito!”
                Hoje, ao ver, entre  tantos jovens na escola, aquele grupo representando as duas aldeias do nosso município, eu disse ao Altino:
                - Que bom que vocês ficaram aqui e continuam firmes em seus propósitos! Que bom a nossa amizade resistir até agora!
               Finalmente, a Fabiana Awa me convidou para o encerramento da II Conferência Estadual de Educação Indígena que deve ocorrer na sexta-feira (5/4), das 14 às 17 horas, nas dependências do Hotel São Charbel, bem ali na Praça Nóbrega, no centro de Ubatuba. 

terça-feira, 2 de abril de 2013

AS MAGNÓLIAS DO CENTRO DE UBATUBA




 Que cidade tranquila! (Arquivo Ubaweb)


Olá, Patcavile! Bem-vinda! O amigo Júlio, agora energizado pelas pedras de São Tomé das Letras, produziu este texto reflexivo, sobretudo aos moradores de Ubatuba. Parece-me que estamos na contramão da harmonia urbanística, espacial e ecológica. Trata-se das magnólias que, já no nosso tempo de ginásio, nos abrigava em seus sombreados enquanto esperávamos o ônibus. Na Praça Nóbrega ficava a rodoviária e o ponto final dos circulares que começaram a aparecer no começo da década de 1970.  A propósito, de acordo com o Filhinho, por ali também foi enterrada, na metade do século passado, uma Cápsula do Tempo. Seria bom saber das coisas e das ideias daquele tempo. Quem poderá nos dizer da tal Cápsula?

           Talvez o seu Rochinha, o Nenê Velloso, a tia Annita e tantos outros possam nos dizer quem plantou as magnólias da Praça Nóbrega.

          Não vou arriscar dizer de que época é a imagem ilustrada acima. Década de 30, 40, 50?

          Observa-se que se trata da Praça Nóbrega, onde depois de várias mudanças, hoje temos o calçadão, e nessa observação vemos algumas árvores que até hoje lá existem. São as magnólias que algum dia alguém plantou. Pela disposição das árvores parece que foi um “projeto” urbanístico e de paisagismo feito por alguma administração passada. Vamos pesquisar!

          As magnólias são árvores que dão frutas para passarinhos, e dos passarinhos, que quando criança, indo ao Grupo Escolar Dr. Esteves da Silva, eu e tantas outras crianças estilingávamos, lembro-me das araponguinhas rajadas, sanhaçus, saíras, sabiás unas e principalmente dos bandos verde azulados das saíras pocas, essas eram destaques entre os demais passarinhos, bonitos passarinhos, hoje raros.

        As magnólias resistiram e resistem ao tempo, mas infelizmente, recentemente notou-se que algumas árvores secaram, morreram. Secaram e morreram pela idade, ou foram mortas por maldade? Eis a questão. A Secretaria de Meio Ambiente de nossa cidade deveria investigar a causa da morte de algumas magnólias, pois aquelas árvores, embora não instituídas, fazem parte do patrimônio de nossa cidade, são filhas, até então de minha geração e de quem ama a natureza e sabe o valor de uma árvore.

         Magnólias à parte, temos uma imagem interessante do centro comercial de Ubatuba (cruzamento da avenida Dona Maria Alves com a rua Coronel Domiciano), onde, em primeiro plano, temos cinco personagens, dando a parecer: um casal de turista com uma criança, um cidadão parecendo ser um agente de informações turísticas, um cidadão de bicicleta parecendo ser conhecido, e ainda, aos lados outras personagens caiçaras daquele tempo; observa-se ainda ao fundo o prédio da cadeia velha; a jardineira com seu número 18 estacionada é destaque ainda maior. Cenas da cidade, de um passado ubatubano caiçara, calmo e romântico.
(Fonte: O GUARUÇÁ)

segunda-feira, 1 de abril de 2013

É TÃO SENSÍVEL!



Beija-flor aninhado em galho de graviola (Arquivo Anilsi)

Bem-vindo, Fernando Lopes! 

     Entre um monte de fotografias, peguei algumas de crianças, outras de praias, mas escolhi esta de um beija-flor para representar o quanto tudo é sensível, está sempre sofrendo transformações e pode carregar marcas para o resto da vida.
Veja o caso de nossa cultura: o que resta de original, capaz de orgulhar as gerações mais novas? E o que levou a força de tantos jovens que pareciam promissores, capazes de criarem uma resistência e darem novas propostas?
É...tudo é frágil... muito frágil...desde o tempo em que os nossos avós tinham de viajar até a cidade de Santos para remediar a pobreza do nosso lugar. Para se ter uma ideia desses outros tempos, reproduzo uma entrevista registrada pelo Domingos com o saudoso Sebastião Rita, do Itaguá:
Olha, eu vou contar para você...eu não estou contando mentira, você sabe que o pessoal do tempo antigo não conta mentira... Aqui no Itaguá e na praia do Perequê, tinha lance em 1914...eu sou daquele tempo...rapaz novo, mas ainda me lembro...davam lances de quinze, dezesseis mil tainhas. Na Praia do Tenório demos lance de até onze mil peixes. Na Praia Vermelha foi oito mil e poucos...Uma vez, o Virgílio Pedro, das Toninhas, juntou as redes dele com a do João Vitório, da cidade, foram pra Ilha Anchieta. Cercaram na Praia do Engenho e mataram vinte e cinco mil. Olha, o peixe estragou-se, porque naquele tempo não tinha barco, não tinha gelo, não tinha nada. A escaladeira era no rio, dia e noite, mas não davam conta. Depois faltou sal e só aproveitamos as ovas.
Depois, eles secavam o peixe, a ova...depois levavam para Santos...Levavam nas canoas de voga. Eram canoas grandes...Guilherme Lisboa, da Praia do Lambert, tinha canoa de voga...Maciel tinha também...Zé do Pinho também tinha...Benedito Felipe também tinha. Cada um tinha a sua canoa para viajar...Iam seis, sete tripulantes...Daqui essas canoas levavam peixe salgado, levavam pinga...Tinha canoa de pegar dez, doze pipas de pinga...Uma pipa pega duzentos litros...Levavam a pinga para vender em Santos. Tinha o engenho da Jundiaquara, tinha o do Perequê...Tinha engenho na Praia Vermelha... Levavam a pinga para vender em Santos. Levavam peixe, levavam banana da terra, cacho verde, às vezes chegava lá quase maduro... Conforme o tempo, levavam cinco, seis dias de viagem.  Se o tempo estivesse ruim, ficavam na Barra do Una, às vezes dois, três dias...ancorados, até o tempo ficar bom e mar amansar pra então entrar na Barra da Bertioga...A Barra da Bertioga é uma barra danada...Levavam limão, ovos de galinha, criação, levavam peru, a galinha no jacá, feito de taquara. Vendiam em Santos a macela de fazer travesseiro, erva cheirosa...colhiam, secavam e ensacavam pra levar...aquilo vendia muito...era muito procurado.
Eu fui trabalhar em Santos em 1917...Eu nasci em 1905...tinha doze anos...meu irmão me levou para ajudante...
Meu nome é Sebastião Rita de Oliveira, meu pai é Manoel Francisco de Souza...minha mãe é Ana Resende de Oliveira...Meu pai é lá do Ubatumirim.