De acordo com o caiçara Licínio Barreto, o primeiro questionamento cultural-étnico local (de definição ao ser caiçara) aconteceu na metade do século XX, quando turistas do Vale do Paraíba também se autodenominaram caiçaras. Os ubatubanos (outra denominação dos nativos de Ubatuba) daquele tempo, na reação imediata daqueles que não queriam ter as características de cobiçosos, individualistas e sovinas (pechincheiros), deram-lhes a denominação de pirangueiros. Portanto, pirangueiro passou a ser de modo genérico todo o pessoal do Vale do Paraíba. Desse tempo é Lycurgo, Bernardino Querido, Gebara, Sislas, Masset e outros loteadores da antiga sesmaria, origem da Vila Nova da Exaltação da Santa Cruz do Salvador de Ubatuba, doada nos primórdios a Jordão Homem da Costa.
Depois dos pirangueiros, chegaram os tubarões: turistas ricos, sobretudo industriais e grandes comerciantes paulistanos; alguns eram estrangeiros. A esses interessavam apenas as áreas de jundu, próximo dos ranchos de canoas dos pescadores. Entre abricoeiros, pitangueiras e tantas outras plantas, surgiram as casas de tijolos chiques. As mulheres caiçaras começaram a ganhar autonomia financeira como empregadas domésticas. Após essa leva veio a juventude hippie adorando o modo de vida caiçara. Muitos deles se acaiçararam de verdade e contribuíram com reflexões de autoestima dos próprios caiçaras. Desta “juventude transviada” também saíram pesquisas, teses sociológicas e antropológicas: bases científicas e legais para resistência e reorganização do espaço compreendendo serra, terra e mar deste município chamado Ubatuba. É a partir daí que uma geração de caiçaras se forma tendo novos desafios: produzir e resgatar as condições de uma minoria da sociedade brasileira; se orgulhar e defender a beleza de um pedaço/retalho dessa colcha multicultural que nos caracteriza como brasileiros.
Enfim, o termo caiçara (proveniente do cercado indígena) se enquadrou na limitação natural do relevo (serra de um lado, mar do outro) e se fez cultura nos séculos de história. Escrevi isso porque rondam por aí os espíritos pirangueiros, dos tubarões, da massificação cultural que impede muita gente de ver as incoerências entre se dizer caiçara e ser caiçara. A única certeza a esse respeito: muitos agora são ubatubenses.
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