terça-feira, 3 de dezembro de 2019

NÃO PAGA A PENA!

Tié  piranga ou tié sangue (Arquivo JRS)

Correntes (Arte: Victor Harabura)

            Totonho do Rio Abaixo não pensa direito, faz coisas sem calcular as condições. Do burro velho puxando charrete, degrau por degrau, chegou a condução de carroceria grande. Agora depende disto, vive de cargas pra lá e pra cá, num vai e vem de tudo.  Brinquei com ele, insinuando que estava ganhando muito dinheiro, “lavando a égua”, conforme dizem.   É, é sim. Mas não basta”.

          Foi nessa ocasião que eu disse a ele que cobiça é pecado social. O danado só sacudiu os ombros, sinal de pouco importa. “Ah, que se dane”. Avisar eu avisei. Ele virou os olhos desencontrados e só faltou dizer que se conselho fosse bom não era dado, mas sim vendido.

          Tempos desses, mais de ano acho, perguntei da sua terra, no município vizinho. “Agora ninguém mora lá, Seo Zé. Grande parte dos morros virou mata de eucalipto, o restante tá tomado pela braquiária pra uns poucos bois. Quase todo mundo fez como eu, veio para Ubatuba. Lá é lugar que não cresce não. Aqui sim! Olhei aquilo tudo por lá… Agora também não me dou com trabalho duro”. É, eu sei. Ele pensa que eu não vejo as suas pilantragens e que não escuto das outras tantas que apronta por aí? 

         “O dinheiro move o mundo, Seo Zé. Agora sou crente”. 

        A fé, a religiosidade do povo simples também virou negócio aos oportunistas. Isto escutei: “A minha irmã está como missionária na Espanha, se casou lá. Fala muito bem, tem o dom da palavra. Os filhos são espanhóis. Logo segue para a África do Sul. Está bem de vida, é dona de quatro casas aqui no Brasil”. E pensa que Totonho não cobiça isso de ganhar dinheiro usando a oratória?!? Quando ele me fez tal revelação, eu recomendei que estudasse ao menos uma língua estrangeira, pois não tem como almejar tamanho voo sem antes diminuir o tamanho da ignorância. E ele, que mesmo arregalando os olhos não me convence, deu a seguinte resposta: “Estudar? Eu tenho de estudar? Então não paga a pena alimentar esse sonho!”.

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