segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

ISAÍAS, O ALFAIATE


Caiçaras de outros tempos em dia de festa (Arquivo Yolanda)

Grande Isaías (Arquivo JRS)

          Olhando algumas imagens, reparei nas vestimentas dos caiçaras de algumas décadas passadas. As roupas melhores eram as “de domingo”. As “de trabalho”, quase sempre com remendos sobre remendos, eram as usuais, do cotidiano, quase sempre feita pela mãe ou avó. Assim, quando se avistava alguém vestido melhor, logo se dizia frases do tipo: “Vai à missa, né?”, “Hoje é dia de ir ao médico?”, “Onde é o casamento?" etc.
         Ter charme era poder encomendar uma roupa sob medida, no alfaiate, no centro da cidade. Além do famoso Isaías Mendes, pai do Júlio, tinha também o seo Queiroga, pai do Francisco. O ateliê do Isaías era na rua Jordão Homem da Costa, entre a Casa Fernandes e o Bazar Nice, loja onde comprávamos materiais escolares, decalques etc. Somente uma vez adentrei na Mendes Alfaiataria, quando estava acompanhando o saudoso tio João, que portava uma peça de tergal verde para uma calça boca de sino. Mais ou menos assim foi a conversa, após o exímio alfaiate ter lhe tirado as medidas: “Quanto de boca você quer?”. “Trinta e cinco centímetros o senhor acha que tá bom?”. “Acho que sim, é daí até quarenta e cinco que os outros mais pedem”. “Então tá bom. Quando fica pronto?”. “Olha, eu tenho muito serviço na frente, mas pode passar depois de sete dias, para a semana. Acho que até lá já terminei”. “E quanto fica tudo?”. “Para você eu vou cobrar cinquenta cruzeiros: metade agora e metade quando vier buscar. Tá bom assim?”. Em seguida eu vi o titio tirando aquelas notas bonitas trazidas embrulhadas num lenço amarelado e pagando a referida parcela. Fiquei impressionado pelo ambiente de trabalho daquele alfaiate, com tudo bem arrumado e com umas peças de tecidos que eu nem imaginava que existiam. Também em impressionou a seriedade nas negociação, nas anotações das medidas etc. Meses atrás, contemplando o Isaías assistindo uma apresentação popular, me recordei de tudo isso, das lembranças da minha meninice, quando o sonho era: “Ah! Como eu gostaria de ter uma calça feita por ele!”. Fazer roupa tinha um ritual marcante. Na verdade, tudo seguia rituais que davam maior importância aos objetos e às pessoas, sem as banalizações corriqueiras e notórias da atualidade. Talvez por isso as alfaiatarias foram fechadas e os alfaiates se recolheram aos seus lares.

      Hoje, prestes a completar mais um aniversário, que o ano próximo e mais um ano de vida sejam maravilhosos ao alfaiate Isaías, aos seus familiares e a todos nós.

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