"Rebeldes" (Arte: Estevan) |
Não é de hoje que eu percebo o sentido da frase "algumas coisas devem ser escondidas, viver na ignorância". Talvez precise entender melhor para
melhorar a minha atuação junto às injustiças, mas... Entender eu entendo!
O finado Florisvaldo, o “Flor”,
um baiano que escolheu Ubatuba para viver, no tempo em que eu era criança, me
contava de um conterrâneo seu que ele muito admirava e que era perseguido pelas
Forças Armadas: “Zezinho, você é muito
criança ainda, mas vou lhe contar de um baiano arretado, desses que não tem
medo de nada. O nome dele é Marighella”. Nunca eu iria imaginar que existia
uma pessoa com esse nome. Só sei que o “Flor” se orgulhava desse baiano. “É um lutador contra estes militares que
estão aí, garantindo esta ditadura que é favorável aos estados Unidos”. Eu
não entendia nada, mas gostava de ver a empolgação das palavras cheias de
sotaque daquele baiano, amigo do meu pai a tal ponto de ser o padrinho de um
dos meus irmãos, do Clóvis.
Florisvaldo era pedreiro, vivia
nas obras como o meu pai. De vez em quando estava puxando rede na praia da
Maranduba junto com o Velho Zacarias, meu pai e outros caiçaras pescadores. Escutava
muito antes de dar qualquer opinião. Por isso eu também o escutava com maior
atenção. “No mundo, Zezinho, há duas
ordens fortes: os russos e os americanos dos Estados Unidos. Eles disputam
entre eles e buscam aliados entre os países. É por isso que o Marighella diz que
estamos entre os capitalistas e os comunistas. Agora, por exemplo, graças ao
apoio dos militares, quem continua prevalecendo no nosso Brasil são os
capitalistas. É por isso que as empresas deles estão se espalhando em nossa
terra”. Mais tarde, estudando a História, aprendi que esse tempo é
conhecido como Guerra Fria. Na gozação com alguns colegas logo imaginei usar
cobertores para esquentá-la. Era a forma de desprezar o puxa-saquismo do nosso
professor, contrariando a posição do nosso “Flor”. Lógico! Ele “era rico” [tinha
uma variant verde, do ano], enquanto
o “Flor” sempre suou para viver do nosso jeito. E na pobreza dele ele explicou um dia: “Esse baiano Marighella, admirado por este
baiano Florisvaldo, vive por aí perseguido por ser um guerrilheiro urbano. Sabe
o que é isto? É quem não se conforma com a ditadura no nosso país e parte para
a luta armada nas grandes cidades. É nelas que estão os órgãos importantes, os
grandes empresários e lideranças deste nosso chão. É por isso que escolhem agir
assim. Na verdade, um guerrilheiro entende da situação política e toma uma posição
que entende ser importante para a nossa libertação, para a libertação do nosso
Brasil. Só não sei se as armas vão resolver muita coisa. O que precisa é estudar, Zezinho”.
Quem era o “Flor”? Alguém que tinha uma certeza: um grande jogo
acontece a partir das pequenas peças. A sua situação de migrante, bem longe da
sua adorada Bahia, atestava essa verdade. Valeu para este caiçara conhecer o "Flor", receber a sua contribuição cultural. Valeu mesmo!!!
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