domingo, 23 de junho de 2019

FRUTA MARGINAL


      
Rio Iriri (Arquivo JRS)

Araçá-buia - noção do tamanho (Arquivo JRS)

Preciosas sementes (Arquivo JRS)

               Gente é assim! Gente nasce numa família enraizada num lugar, com a sua cultura. Essa cultura é a nossa cultura, a nossa herança. É o nosso capital cultural inicial! Com o passar do tempo, só vamos acrescentando, recebendo novas contribuições, reordenando nossos rumos, definindo novas diretrizes. Ao que parece, podemos ser fiéis aos nossos princípios ou adotar outros contrários até mesmo a nós mesmos, que beneficiam poucos e destroem comunidades.

               Essas comunidades são minorias, têm pouca ou nenhuma representatividade. Portanto, estão mais fragilizadas no sistema político e econômico. Sendo assim, facilmente se deixam enganar por interesseiros religiosos, políticos, imobiliários etc. E tem gente que também se aproveita de aspectos culturais das comunidades. Eu conheço gente nossa que diz apoiar a nossa cultura caiçara, mas abraça abertamente políticos que sempre barraram iniciativas populares, de apoio às comunidades; que aprovam leis facilitadoras aos exploradores, aos destruidores das nossas  condições ambientais etc. E pior: fazem discursos que vão na direção de manter os privilégios de poucos e pioram a situação dos mais pobres! O discurso a seguir ajuda a entender melhor o rumo da prosa:

               “É o seguinte, meu amigo: esse pessoal que mora ali há muito tempo não tem documento da terra. Alguém é dono, tem provas legais. Pelo visto, tudo aquilo vai virar loteamento. Quem estiver morando, caso tenha dinheiro, poderá comprar seu lote. Logo começa o serviço topográfico, as vias serão demarcadas e as máquinas entrarão em ação. É o justo”.

               Na posse daquela caiçara que nasceu e sempre viveu ali, eu encontrei o araçá-buia (também chamado de araçá-boi), recolhi três discretamente, esperei amadurecer e agora tenho as sementes. Elas certamente se desenvolverão em outros espaços, mas o seu lugar de origem, o terreno onde peguei as frutas, tem tudo para ser um local estéril, uma periferia abandonada, com lixos e esgotos que não fornecerão mais sementes, nem raízes, nem palmitos... Seus rios límpidos serão canais sujos. Seus filhos serão marginalizados de uma forma mais cruel. Entende agora o que é opção cultural? Depois não adianta reclamar que essa juventude nega a nossa cultura, não quer nem escutar os nossos causos etc. Nem adianta cantar, fazer dancinhas pra lá e pra cá, mas ser contra um enfrentamento real dos políticos da elite, dos especuladores e seus comparsas que aí estão atuantes. Na verdade, por ingenuidade e falta de reflexão - ou mau caráter! -, podemos estar aliados a esses princípios que matam culturas, que matam a nossa cultura caiçara, que nos mata.

               O que vemos é um massacre contra as nossas riquezas (via ideologia, via poder de polícia...). E assim desaparecem as matas e suas diversidades. Desaparecem nossos conhecimentos! Há quem diga ainda que isso é justo!?

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