quinta-feira, 20 de junho de 2019

AZUL NA SERRA, MENINO NA PRAIA

Algumas artes (Arquivo JRS)


               Cedo, da minha janela, olho a serra: após o verde da mata iluminada, é tudo azul. É frio chegando. Ótimo! Depois de um verão de rachar, seja bem-vindo frio!
               Com o frio vem a vontade de fazer fogueira, de assar batata doce, de tomar quentão e consertada junto aos meus. Vem a lembrança de conversas em torno do calor do braseiro, onde tantas histórias e tantas risadas preencheram nossos momentos. Vêm as modas de viola, vêm os cantadores e tocadores: Vitória, Maria Estefânia, Dário, Elias, Maurício, Antunes e tantos outros. Que caiçarada marcante! Recentemente faleceu mais um desses caiçaras, dos antigos. Belinho nos deixou aos noventa e cinco anos.

               Belinho, da família Rocha (que eu conheci muito bem no Perequê-mirim), era bom de prosa. Seus causos sempre me deram muita satisfação. Ao ver ele defronte a sua casa, na rua Gastão Madeira, mesmo com muita pressa, eu parava para alimentar o meu ser caiçara.

               “Me chamam de Belinho, mas meu nome é Manoel Belo da Rocha. Sou Belinho desde menino, quando vivia na Enseada. Bons tempos! Peixe era de fartura! Cada puxada de rede na praia era uma montoeira que vinha, de todo tipo. No tempo da tainha, então!?! O Macié, que negociava de tudo um pouco, pagava a mulherada pra consertar peixe na barra: era um trabalhão o dia inteiro. Depois de salgado, tudo aquilo pegava sol até secar. Os barcos compravam e levavam para Santos e para outros lugares. Eu era criança ainda, vivia se tecendo por ali, no meio do pessoal mais velho, fazendo algum trabalhinho que pediam pra gente. Por volta das  casas, subindo os morros ficavam os roçados. Mandioca não podia faltar. Depois disso viemos para a cidade e aqui fiquei até hoje. Me aposentei no trabalho de pedreiro, mas fiz de tudo um pouco. A cidade foi crescendo, ganhou campo de aviação, vieram obras e mais obras, os sobrados velhos deram lugar às casas e prédios. Os prefeitos fizeram o que fizeram e deu nisso que você pode ver. O comércio cresceu porque a freguesia aumentou. Alguns comerciantes progrediram, outros se arruinaram. E por falar nisso, agorinha mesmo passou um carro gritando: “É para correr porque é só até sábado”. Querem vender alguma coisa, né? Me fez lembrar de um reclame [propaganda] que escutei assim que vim morar na cidade: “Corra logo, chegou mercadoria nova. Na venda do Lindo agora você leva fumo por metro”.

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