domingo, 27 de janeiro de 2019

VOLTANDO À GAMBOA

Logo tem colheita em cima do caminhão (Arquivo JRS)


               “Somos presos por pescar uma piaba, mas o empresário não é preso por acabar com todo o rio”.  (Frase de um cidadão de Brumadinho – 26 de janeiro de 2019).

               Chico Lopes, o meu primo e compadre, continua nas suas andanças desde o mato fechado da serra, na subida para Taubaté, até o canto do Ubatumirim, nas cercanias da Vila da Índia. Ele olha toda a movimentação nas áreas preservadas, vê os descasos e prevê acontecimentos lógicos por parte de ações gananciosas dos homens. Não tem como não levar em consideração os mínimos comentários do Chico. Senso crítico tá ali! Um dia desses, numa prosa na beira da estrada, ele recordou de um conto que vem dos antigos:

               Os mais velhos contavam de um homem que gostava de contradizer sempre, de fazer o contrário daquilo que todos faziam. Numa ocasião, prevendo uma chuva forte que arrasaria todo o seu eito de feijão da vargem, esse homem passou a mão no enxadão e se pôs a abrir uma valeta para desviar a enxurrada que desceria do morro. O tempo já estava escuro com as nuvens pesadas, ele se desesperava na tarefa.  Nisso apareceu um velho que puxou prosa:
               - Boa tarde! Aonde vai com tanta pressa?
               - Nesta direção sigo até a gamboa. Vou abrir a valeta até lá.
               - Poderia ao menos dizer “se Deus quiser”.
               - Se Deus quiser eu chego na gamboa. Se Deus não quiser eu chego também. Só não posso perder todo o feijão que já está florindo.
               Os mais antigos diziam que aquele velho era Deus. Para repensar o seu espírito de contradição, o pobre homem foi castigado: transformado em sapo deveria viver na gamboa por sete anos.
               Depois de sete anos, voltando ao normal, indo para o eito como era de se prever aos pobres que vivem do seu trabalho, o homem novamente encontrou o mesmo velho que havia lhe castigado, mas não o reconheceu. E novamente puxou a prosa:
               - Aonde tá indo, amigo?
               - Vou trabalhar um pouco no mandiocal, ver se consigo salvar algumas raízes para uma farinhada.
               - E por não diz “se Deus quiser”?
               - Se Deus quiser, tudo bem. Mas se não quiser, eu sei muito bem o caminho da gamboa.

               Ontem, me disse o Chico após o crime ambiental de Brumadinho, em Minas Gerais: "Considerando que sempre haverá gente capaz de contradizer as verdades que interessam a poucos, deve de ter muitos sapos enterrados pelo mar de lama da barragem de Brumadinho. Eles sempre cumprem suas penas nas gamboas, mas não se conformam com esse dizer de que é um ser divino que está no comando de tantas injustiças, de tantas omissões, de tantas cobiças que vão matando o homem e o planeta. As denúncias contra a segurança dessas barragens são muitas. Não tem nada disso de se Deus quiser nada vai acontecer de ruim. Ainda vem muita coisa pesada por aí, você vai ver!".

               Grande Chico que não desiste, apesar de sua idas e vindas nas gamboas!

Nenhum comentário:

Postar um comentário