O remo voa na chegada (Arquivo JRS) |
Após
ter chegado da Festa de São Sebastião, na praia Grande do Bonete, retomo o
prefácio de Dalmo Dallari:
Outro aspecto muito interessante da cultura
caiçara, registrada por Priscila Siqueira [Genocídio dos caiçaras – 1984], é a religiosidade, que se manifesta de
modo ingênuo e alegre, através de festanças, com muito colorido e muita dança,
havendo ainda os últimos sinais da congada, com seus reis e guerreiros.
Curiosamente,
conforme o testemunho da autora, o rádio de pilha penetrou nesse ambiente e
colocou o caiçara em contato permanente com o resto do mundo, praticamente sem
agredir seus valores e tradições. Esse dado é muito interessante, pois revela a
possiblidade de divulgação de informações mesmo onde é elevado o número de
analfabetos e sem provocar deformações culturais.
Mas a vida simples
e feliz do caiçara parece destinada a um breve desaparecimento. É o que nos
revela este livro-denúncia. A gente caiçara, que por séculos teve o mar como
via de acesso quase única, encontrando nisso um fator de proteção, não
conseguiu resistir aos “piratas” vindos da terra.
Favorecido pelos
governos militares que infelicitaram o Brasil nos últimos anos, chegaram os
aventureiros de várias espécies. A simulação de um “milagre econômico”, que foi
uma das muitas imoralidades impostas ao Brasil pelos governos militares, foi
pretexto para grandes investimentos públicos e para os pseudorrevolucionários se
valessem de informações confidenciais e do poder arbitrário para ganhar
dinheiro na esteira desses investimentos. A estrada Rio-Santos, embora prevista
antes desse período, entrou de cambulhada nesse processo desenvolvimentista.
Políticos sem
escrúpulos, especuladores imobiliários, empresas multinacionais e pessoas ricas
à procura de “paraísos” para recreação descobriram o Litoral Norte e Sul
fluminense. Foi o começo do genocídio (morte física), acompanhado de etnocídio
(morte cultural) dos caiçaras e de agrupamentos de índios guaranis existentes
na região. Com precisão e coragem Priscila Siqueira relata neste livro o que
tem sido esse processo, contando “o milagre e o santo”, na antiga expressão brasileira,
descrevendo agressões e identificando agressores. Dasapossamento de terras,
ações de jagunços, fechamento de praias e estradas, poluição, prostituição de
meninas, tudo isso faz parte de um ritual da “civilização” a essa região.
Este é um livro-testemunho, um grito de alerta e também
um repositório de dados para etnólogos, antropólogos e outros estudiosos das
sociedades humanas. Se nada for feito para deter a voracidade dos invasores, se
não houver ouvidos que ouçam, olhos que vejam e vontade de decidir a favor da
pessoa humana, restará o registro de que um dia, numa região de praias,
florestas e montanhas, existiu um povo caiçara, companheiro da terra e do mar,
simples, ingênuo e feliz.
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