Eu, tio Dito e a mana Ana |
No
último espetáculo do grupo Concertada, em Ubatuba, a homenagem foi aos negros.
Afinal, estamos no mês em que se
comemora a Consciência Negra. Viva novembro! Viva Zumbi de Palmares! Em tempo: o
grupo citado se apresenta mensalmente na concha acústica do Tamar. Grande
prazer ouvir essa gente ! Grande prazer em ouvir a Marilena Cabral ler os belos
textos entremeados!
Hoje, motivado pela cantoria do grupo, fui me recordando das tantas rodas de conversas, de minhas prosas com Sabá e tantos
outros pretos caiçaras, dou a conhecer um testamento.
Testamento
é um gênero (?) literário, só não sei desde que tempo. Só sei que se parece um pouco com o
pasquim, daqueles que tantas vezes eu li pregados nas amendoeiras, nos ranchos
de canoas. O finado Sabá, da praia da
Enseada, “preto fechado” como dizia a minha finada mãe, assim me explicou um
dia:
Escute, Zezinho.
Vou lhe explicar, hoje, o testamento. Em
dia especial, quando o povo nosso se reunia, geralmente no terreiro da capela,
após a reza, durante os leilões, apareciam os testamentos. Os autores eram
anônimos, ninguém sabia quem era, mas todos queriam ouvir. Quem gritava o
leilão chamava quem era incumbido de ler o que estava escrito num papel amarelado. Num dia da Semana
Santa, acho que num sábado de aleluia, me recordo deste:
Judas agora se foi
Escutem, prestem atenção
Traidor igual não teve
Por enquanto ainda não .
Por isso em testamento
Deixo minha cartucheira
Pra mode matar um
bicho
Que ainda não fede nem cheira.
O meu pito de canudo
Ainda pra cima de meio
Será pra sorte de alguém
Que faça a vez de esteio.
Alguém que não chore pro vigário
Quem não seja traiçoeiro
Que não espere milagres
E nem se acomode no poleiro
O meu bonito chapéu
De broto de brejaúba amarela
Será para o lindo menino
Meu filho e também filho dela.
E dele eu espero muito
Que seja em claro dia um estopim
Para apagar a sujeira
Que uns diabos deixaram pra mim.
E peço ao tabelião que bata o martelo logo
Nesse pensar de agonia
Pra socorrer logo os pobres
Com estudo e trabalho em harmonia.
Assim eu pego a canoa
Nem pra trás eu vou olhar
O vento me leva longe
Perto de um bom lugar.
Penso
que é meu dever agradecer ao Sabá, o velho preto, pelas lições que recebi em
tantas ocasiões na minha adolescência.
Viva esse negro que consciência tanta me deu! Viva Mariana! Viva seus descendentes!
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