Eu
passo a semana viajando entre Caraguá e Ubatuba, de ônibus. Nesse percurso eu
aproveito para ler, conversar, apreciar a paisagem e cochilar. Sempre estou
fazendo novas amizades e revendo velhos conhecidos: o enfermeiro que há anos
cumpre escala na cidade vizinha, o borracheiro boliviano aposentado vai todos
os dias para cuidar do seu lote, de suas plantas, a estudante tímida que começa
a ler, mas logo está dormindo etc. Como é bom tudo isso!
Adoro
conversar, escutar histórias, dar meus palpites a respeito do tempo, emitir
minhas opiniões em torno de tantas coisas do cotidiano. De vez em quando dou
até risada sozinho lendo futilidades nos aparelhos que me apertam em horários lotados. A tiazinha que desce no
Rio Escuro por volta das 13 horas lê salmos intercalados com fofocas. “A irmã Dolores enviuvou nestes dias, mas
já está crescendo o olho em cima do irmão Azarias. Que pecado!”. Um maluco,
passando pela Maranduba, tira um aparelho celular e esbraveja. “Eu quero o meu Del Rey; você pode ficar com
a casa. Agora não volto mais porque já arrumei outra que é da hora”. E por aí vai. Daria muitas páginas, com
assuntos bem variados.
Agora,
passada as eleições, estando eu concentrado na leitura da revista Tex, percebi
que a parada num ponto estava se alongando. Era um cadeirante que estava sendo
embarcado, mas o mecanismo da plataforma enguiçou. O motorista desistiu dos
botões e logo estava dando chutes em alguma parte da peça. Resolveu mesmo, prosseguimos
a viagem. Foi nesse momento que escutei a prosa entre dois cidadãos que estavam
em pé, rente ao meu assento:
- Agora, meu, só
quero ver se o pastor vai distribuir capim.
- Como assim?
- Ele não mandou
votar no capitão? Eu me lembro bem que a Maria chegou dizendo isso lá em casa.
E agora? Acabei de ler que vão mexer na aposentadoria do trabalhador.
- Ah! Isso é
mentira!
- Duvido que não
seja verdade. É sempre assim, a corda acaba arrebentando do lado mais fraco.
É!
Quanta sabedoria num dedo de prosa, mesmo num sufoco desse! O ditado caiçara
que diria a mesma coisa é: “Na briga do
mar com costeira quem apanha é o marisco”.
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