sexta-feira, 2 de novembro de 2018

DOIS DEDOS DE PROSA



              
Se preparando para o lambe-lambe (Arquivo JRS)
            Eu passo a semana viajando entre Caraguá e Ubatuba, de ônibus. Nesse percurso eu aproveito para ler, conversar, apreciar a paisagem e cochilar. Sempre estou fazendo novas amizades e revendo velhos conhecidos: o enfermeiro que há anos cumpre escala na cidade vizinha, o borracheiro boliviano aposentado vai todos os dias para cuidar do seu lote, de suas plantas, a estudante tímida que começa a ler, mas logo está dormindo etc. Como é bom tudo isso!

               Adoro conversar, escutar histórias, dar meus palpites a respeito do tempo, emitir minhas opiniões em torno de tantas coisas do cotidiano. De vez em quando dou até risada sozinho lendo futilidades nos aparelhos que me apertam  em horários lotados. A tiazinha que desce no Rio Escuro por volta das 13 horas lê salmos intercalados com fofocas. “A irmã Dolores enviuvou nestes dias, mas já está crescendo o olho em cima do irmão Azarias. Que pecado!”. Um maluco, passando pela Maranduba, tira um aparelho celular e esbraveja. “Eu quero o meu Del Rey; você pode ficar com a casa. Agora não volto mais porque já arrumei outra que é da hora”.  E por aí vai. Daria muitas páginas, com assuntos bem variados.

               Agora, passada as eleições, estando eu concentrado na leitura da revista Tex, percebi que a parada num ponto estava se alongando. Era um cadeirante que estava sendo embarcado, mas o mecanismo da plataforma enguiçou. O motorista desistiu dos botões e logo estava dando chutes em alguma parte da peça. Resolveu mesmo, prosseguimos a viagem. Foi nesse momento que escutei a prosa entre dois cidadãos que estavam em pé, rente ao meu assento:

            - Agora, meu, só quero ver se o pastor vai distribuir capim.
            - Como assim?
            - Ele não mandou votar no capitão? Eu me lembro bem que a Maria chegou dizendo isso lá em casa. E agora? Acabei de ler que vão mexer na aposentadoria do trabalhador.
             - Ah! Isso é mentira!
         - Duvido que não seja verdade. É sempre assim, a corda acaba arrebentando  do lado mais fraco.

               É! Quanta sabedoria num dedo de prosa, mesmo num sufoco desse! O ditado caiçara que diria a mesma coisa é: “Na briga do mar com costeira quem apanha é o marisco”.
              

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