Há
alguns dias encontrei, no lagamar do Itaguá, o Arcendino (do Odócio e da Maria),
gente do Ubatumirim que, num tempo distante, se mudou para a Enseada e ali teve
a sua prole de caiçaras. A maré estava seca: “Maré de
lua, boa pra mariscar. Eu vou, Zé. Num instante pego guaiá pra vender e comer.
Avisa pra mana Isabel que ainda hoje vou aparecer com uns guaiás. Ela adora!”.
Na
minha meninice, num dia assim, com maré baixa, sempre se via gente pelas
costeiras, com pau de isca assobiando. Era o ritual para catar guaiá. Nisso
também vinha pindá, saquaritá e outros frutos do mar. O povo caiçara é coletor
por natureza, conhece os ciclos da vida: tempo de engorda, tempo de cio, tempo
de crescimento, tempo de buscar a subsistência.
Humildes
caiçaras, gente da gente como o Arcendino, ainda estão por aí. Sondam os ventos
e as matas, reparam nos cardumes, aguardam os frutos em seus tempos... Subsistem!
Não é preciso muito para viver. O que se cobiça além disso é o que desequilibra
a natureza.
Andando
na praia da Cocanha encontrei um guaiá minúsculo. Logo pensei em levá-lo até a
pedra, pois certamente foi arrancado da costeira pelas ondas do dia anterior,
quando o mar estava lambendo tudo de forma furiosa. Pensei no meu amigo
Arcendino e em tantos outros que se seguram como podem frente a um modelo de
sociedade excludente, que está arrancando nossa gente de seu ambiente, de sua
cultura. Ou melhor, nossa riqueza local vai se apagando de forma planejada. O
que ficará em seu lugar? Em seu lugar colocaremos esgotos, findaremos vidas,
apagaremos espécies milenares. “Está bravo, Zé?”. Lógico! Grande parte
dos pobres assumiu um discurso de ódio. Ódio contra quem? Contra os próprios
pobres! São pobres se colocando contra pobres; contra a minha gente, do Arcendino e de tantos outros que se
recusam a dilapidar a Terra, condenando as futuras gerações à infelicidade. Os
que assumiram um discurso de ódio não são apenas pobres. Eles são portadores de uma miséria
cultural! Por isso que mais bravo está o guaiá!
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