O agora saudoso João Barreto era craque em
causos. Por isso, foi um dos colaboradores na tese de mestrado da Gláucia [Ente
causos e contos: gêneros discursivos da tradição oral numa perspectiva
transversal para trabalhar a oralidade, a escrita e a construção da
subjetividade na interface entre a escola e a cultura popular – Unitau, 2007].
Hoje vamos conhecer mais um dos nossos causos, da nossa Ubatuba. O desenho,
arte do Estevan, foi também no capricho, né?!?
Aqui
em Ubatuba sempre existiu bons pescadores. O Seo José Vieira, o famoso Zé Capão,
que até inspirou a estátua na rodovia, na entrada da cidade, era um desses que,
além do talento natural, conhecia os melhores pontos de pesca dessas costeiras
todas. Porém, pescar no cais do porto (Caisão) tinha a preferência. O motivo
era que, por ser um lugar onde desembarcava muita sardinha, sempre caía algumas
que engodavam os cardumes e atraía mais peixes para aquele lugar. Por isso que
ali dava muito robalo, caçonete, pirajica, sargo e tantos outros. Por ali
também sempre tinha polvo. Até mero
tinha por lá. Numa época assim, em mês de agosto, num dia de muita neblina no
mar, quando só se enxerga poucos metros adiante do nariz, lá se foi Zé Capão
com a Dona Sebastiana, pescar robalinhos lá pras bandas do cais. O casal sempre
pescava junto.
Como
todo mundo sabe, o Zé Capão tinha as melhores linhas, dessas que aguentam
peixes graúdos. Também não era de economizar em anzol encastroado. Por isso
levou uma das mais fortes, de mil metros de comprimento. Era pra pescar longe, pra garantir
peixe grande. O homem não era brincadeira não! Era costume dele ir pescar
robalo com isca de parati vivo. Deu sorte de passar pela rede do Fifo e aproveitou
para pegar alguns que se debatiam. Acho que eu disse que o dia estava encoberto de tal
modo que mal se enxergava a ponta do nariz. Zé Capão chegou em cima do cais,
iscou um parati bem graúdo no anzol, pediu pra mulher se abaixar um pouco, deu
um giro de mais da metade do corpo e, parecendo pião de carrapeta, rodou por uns
dez minutos para, com toda a força que Deus lhe deu, arremessar os mil metros
de linha água afora. E já foi dizendo:
- Pega aí um bitelo, de dezoito quilos pra lá. Vamos ver se o velho tá
bom.
Não
demorou muito e o bichão botou a boca. Zé Capão deu a ferrada, firmou a linhada
na mão e disse se rindo:
- Mulher, é do jeito que eu queria! Agora você vai ver como eu continuo em forma, inteiro ainda!
Aí
começou a briga. Puxa que puxa, com o homem se esforçando até saltar as veias
do pescoço. E aí a surpresa: o bicho bambeou na linhada, aboiou, bateu asas e
voou. O que aconteceu? Zé Capão tinha ferrado o ganso do Jaca Vigneron que
estava mariscando na praia do Itaguá, indo na direção da barra do Acaraú, bem
longe dali. Na verdade, ele arremessou com muita força a linha. Foi com tanta
força que, lá do cais, o anzol veio cair na praia do Itaguá. Ganso, assim como pato,
é bicho guloso, criação que come de quase tudo. Ao ver aquele peixe nobre no
anzol que caiu na areia, ainda se debatendo, não pensou duas vezes. E deu no
que deu. Depois de passado alguns dias, até tendo se esquecido do pirão que fez
do ganso, o velho pescador deu de encontro com o Jaca que trazia uma lata de
milho, ia até a praia, estava à procura do ganso.
- Seo Zé Vieira, você viu um ganso por aí? Já tem uns dias que ele não
aparece em casa nem pra comer.
- Imagine, Seo Jaca, se eu tivesse botado reparo nele, eu logo diria pro
senhor. Mas não se preocupe não porque assim que eu ver o bicho eu aviso sim. É
um dos grandes, bem branco, né?
- Isso mesmo! Disso eu não duvido, seo Zé. Isso, se não foi algum bicho
que comeu, é safadeza de alguém. O Olâmpio e o Fifo, que sempre andam por aqui,
são desse feitio, arteiros. Até podem
ter comido o meu ganso. Ah, se eu souber de alguma coisa assim!
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